Elina Fraga acendeu as hostes sociais-democratas, Isabel Meirelles não quer aborrecer ninguém. O que uma tem de polémica tem a outra de consensos. As duas divorciadas, as duas mulheres do norte, as duas candidatas em listas autárquicas, as duas mães com uma carreira de sucesso, e as duas com quase o mesmo tempo de PSD, foram a escolha de Rui Rio para a nova direção do partido, saída do congresso que terminou no domingo. Semelhanças e diferenças?
Elina Fraga, 46 anos, advogada
Transmontana de Valpaços, não tem medo de uma guerra, seja o adversário quem for. Por isso, quando as criticas surgiram no 37º congresso do seu partido, nem sequer pestanejou. E quando foi vaiada ao ser anunciado o seu nome para uma das vice-presidências do PSD, continuou tranquila. Disse-se animada e convicta do contributo que tinha para dar ao partido e ao país.
Nesse dia, o mal estar tinha a ver com a oposição que fizera a outra mulher, Paula Teixeira da Cruz, a ministra da Justiça no governo de Pedro Passos Coelho. A sua discordância da política seguida era de tal forma intensa que Elina Fraga, como bastonária da Ordem dos Advogados (eleita em 2014, sucedendo ao controverso Marinho e Pinto) apresentou uma queixa-crime contra todos os ministros que aprovaram a revisão do mapa judiciário.
Na terça-feira Elina Fraga continuava protagonista das notícias: a Procuradoria Geral da República divulgava a abertura de um inquérito judicial ao seu mandato depois de uma auditoria às contas da Ordem dos Advogados. A mulher que nunca veste saias ou saltos altos reagiu prontamente dizendo que se tratava de um gesto persecutório do seu sucessor na Ordem. Deu uma conferência de imprensa, Rui Rio prometera que ela responderia a todas as questões dos jornalistas, mas como sempre, pensou pela própria cabeça, respondeu a apenas quatro e saiu da sala.
Chamam-lhe ‘formiguinha trabalhadeira’ mas é muito mais do que isso, é uma ‘formiguinha guerreira’”
Elina “é uma mulher de armas, está habituada a lutar”, diz à MAGG um advogado que trabalhou com ela. “Chamam-lhe ‘formiguinha trabalhadeira’ mas é muito mais do que isso, é uma ‘formiguinha guerreira’”. Workaholic, “cerebral, cautelosa, inteligente, muitas vezes fria”, já a compararam a Angela Merkel e não é por usar sempre calças.
Ambiciosa, determinada, são outras características que amigos e adversários lhe reconhecem. E isso vem de muito longe. Aprendeu-o numa família em que todos subiram a pulso, disse um funcionário do Tribunal de Mirandela, ao Público em 2014, o mesmo jornal que deu conta da cumplicidade existente com a única filha que tem. Divorciada, há uns anos colocou a mochila às costas e foi com ela fazer o interail durante um mês.
Licenciada em Direito pela Universidade de Coimbra, Elina Fraga estabeleceu-se como advogada em Mirandela, onde continua a exercer depois de ter perdido as eleições para um segundo mandato como bastonária.
A sua entrada na política fez-se pelo CDS, para onde a mãe, militante zelosa, a levara. Uma zanga interna levou-a a sair e em 2005 integrou as listas do PSD de Mirandela para as eleições autárquicas como independente. Pouco depois inscreveu-se mesmo nas fileiras sociais-democratas. Preferindo valorizar “os aplausos e não os apupos” como disse na conferência de imprensa de terça-feira, Elina Fraga considera-se “uma mais valia” para o partido na área da justiça.
Isabel Meirelles, advogada
Ouvimos-lhe a voz na rádio, vemos-lhe o rosto na televisão, mas, até aqui, não como política. Isabel Meirelles é conhecida como comentadora dos assuntos europeus, sendo uma das figuras a que os jornalistas mais recorrem quando se trata de falar da União Europeia. E, no entanto, não é de hoje o seu envolvimento na política. Atua na maior parte das vezes nos bastidores — “sou muito discreta” diz à MAGG — mas em 2009 aceitou uma missão impossível: concorreu contra Isaltino Morais à presidência da Câmara de Oeiras.
Perdeu, mas isso não foi o pior. A experiência foi tão “dolorosa e difícil” que disse não querer voltar mais à política activa. Sentia-se profundamente enganada pelos seus, porque quem a deveria apoiar estava do lado do adversário. “Ensinou-me mais do que toda a temporada do House of Cards, foi um autêntico doutoramento em Ciência Política”. Hoje já diz que voltaria a repetir a experiência, pois percebeu que se tratara de uma “família política estraçalhada, Isaltino fora muitos anos do PSD”.
Isabel não sabe desde quando é que está no partido, diz-se péssima para decorar datas (e há uma que se recusa a partilhar, a do seu nascimento). Crê que entrou quando Pedro Santana Lopes era primeiro-ministro (2004) e fê-lo por uma razão simples: “A minha voz não era ouvida sobre questões que dizem respeito ao país e eu tinha uma palavra a dizer”. Próxima de Pedro Passos Coelho, acompanhou-o nos anos mais recentes em sessões de esclarecimentos, dando o seu contributo numa plataforma para construir ideias.
Nesse mesmo ano foi convidada a criar a Agência de Segurança Alimentar, a percursora da ASAE, nunca deixando de advogar e de dar aulas na Universidade (neste momento lecciona na Lusófona). O direito é uma escolha dos 13 anos: “Sempre tive uma vocação muito justiceira. Quis estudar direito porque vi muitas injustiças na minha família — questões de partilhas, que como sempre levantam muitos problemas; quando me dizem ‘ah na minha família damo-nos todos bem’ eu respondo sempre ‘é porque ainda não fizeram partihas’".
Filha única, nascida em Freixo de Espada a Cinta, licenciou-se na Faculdade de Direito em Lisboa. “No estágio, porque eu era uma senhora, puseram-me a tratar do direito de família”. Só que Isabel Meirelles cansou-se de fazer divórcios, “de ver quem é que ficava com o apito da panela de pressão” e foi para Colégio da Europa em Bruges, iniciando aí uma grande paixão pelo projecto europeu que nunca esmoreceu. É por isso que, defensora acérrima de um Portugal integrado numa União Europeia forte e coesa, se propõe agora, ao lado de Rui Rio, ajudar “a definir estratégias que continuem a pôr o nosso país como um player na Europa e no mundo”.
“São como os aparelhos dos dentes, feios, mas corrigem. Infelizmente precisamos de quotas para repor desigualdades não só das mulheres como de minorias étnicas”
Isabel Meirelles nunca deixou de advogar. Mantém uma sociedade com o segundo marido, Luís Vasconcelos Salgado, de quem se divorciou entretanto — “Perdeu-se o amor, salvou-se a amizade”. Com um filho do primeiro casamento, reconhece que só conseguiu construir uma carreira porque tinha os pais que a ajudavam e porque o filho estudou no Colégio Militar (regime de internato).
“Na altura da presidência portuguesa eu chegava a viajar duas vezes por semana para Bruxelas, onde ia negociar vários dossiers em nome do governo português. Se não tivesse o backup que tinha, isso nunca seria possível”.
Defende “o mais possível a existência de quotas de mulheres” para repor a igualdade de género. “São como os aparelhos dos dentes, feios, mas corrigem. Infelizmente precisamos de quotas para repor desigualdades não só das mulheres como de minorias étnicas”.
A verdade é que a paridade de géneros não parece ser um tema muito querido de Rui Rio. Esta direcção tem menos mulheres do que a de Passos Coelho, quando elas significam 50% do partido. Um facto que Isabel Meirelles não quer contestar. “Sou muito respeitadora das hierarquias, estou aqui não para criar problemas mas para trabalhar. A minha atitude é a de obedientemente dar a minha opinião sem gerar fricções. Quero facilitar consensos, não aborrecer ou aborrecer-me.”