Simão Correia era um típico rapaz de 23 anos. Licenciou-se há dois anos em Arte Multimédia na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, e tinha planos para ingressar, este ano, no mestrado em Design de Comunicação na Faculdade de Arquitetura, também da Universidade de Lisboa.

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A música sempre desempenhou um importante papel na sua vida. Estudou desde criança, a mãe é professora de música, e a irmã cantora lírica. Tal como diz em entrevista à MAGG, "a música está presente na família que é uma coisa doida" e "é uma coisa que eu quero levar para a minha vida".

Contudo, em setembro de 2022, com náuseas e diarreia, foi parar ao hospital. "Sou muito guloso e decidi comer umas asinhas do KFC", conta Simão em tom de brincadeira. "Apanhei uma gastroenterite péssima, perdi imenso peso, e pronto, fui ao hospital por causa disso mesmo, e efetivamente estava com uma gastroenterite, mas não estava só com uma gastroenterite. Os valores do sangue estavam muito anormais para aquilo que são os habituais".

Segundo refere, ninguém suspeitava, à época, que se tratava de um problema de saúde grave. Aliás, os próprios profissionais de saúde acreditaram ser "erro das máquinas".  Informaram-no que teria de ficar em internamento, mas apenas como precaução, para repetir os exames no dia seguinte, e assim foi.

No hospital Amadora-Sintra, Simão foi diagnosticado com uma leucemia, um cancro das células estaminais (as células mais primitivas da medula óssea), que por sua vez formam as células do sangue. A medula óssea consiste no órgão que origina as células do sangue, avança o site da CUF.

"A minha vida sempre foi super normal, até agora nunca tive quaisquer doenças, eu acho que se tomei antibióticos três vezes na vida se calhar foi muito. A única vez que estive internado foi quando nasci, há uns bons pares de anos atrás, e de um dia para o outro fui diagnosticado com esta leucemia".

Quanto aos hematomas e cansaço, sintomas comuns em quem é diagnosticado com leucemia, Simão afirma que não desconfiou de nada. Sentia, de facto, algum cansaço, mas não achou estranho por ser algo com que sempre se habituou a viver ao longo dos anos, e para além disso, havia contraído uma gastroenterite, o que só por si fazia com que se sentisse mais frágil fisicamente.

Já no Instituto Português de Oncologia (IPO), para onde foi redirecionado logo no dia a seguir, sem ter sequer tempo de ir a casa, foram-lhe rapidamente iniciados exames e análises. De acordo com Simão, não chegou a ter tempo de processar e interiorizar tudo o que se passava. "Foi uma altura assim um bocadinho penosa".

"A minha vida ficou completamente em stand-by, o mestrado parou, projetos futuros tiveram que entrar em screen-saver", mas acrescenta, com uma enorme convicção, que "estes planos não pararam nem vão parar, vão continuar daqui a uns tempos".

"Acordava a meio da noite a chorar baba e ranho também, mas chegou a uma altura em que tive simplesmente de aceitar"

Esteve um mês internado, sem poder estar com a família ou com a namorada, "e durante esse mês não sabia ao certo o que é que estava a acontecer, nem os médicos". Só no final do primeiro mês de internamento é que foi definido ao certo o tipo de leucemia que detinha. "Leucemia Linfoblástica Aguda, Tipo B, Filadélfia Plus, com positivo para umas moléculas todas maradas".

Foi nesse mesmo dia que se inteirou da situação em que se encontrava. "Tomei consciência da minha doença, das probabilidades, e de tudo o que são coisas menos positivas no dia em que tive alta, ao fim de um mês de internamento. Foi quando me revelaram o que era, e me explicaram tudo ao certo. Perguntei por probabilidades, essas coisas nunca se perguntam porque nos primeiros dias nunca se dorme, e foi o que aconteceu. Perguntei, e nos primeiros dias não dormi, e acordava a meio da noite a chorar baba e ranho também, mas chegou a uma altura em que tive simplesmente de aceitar. Não é negação, não é negar aquilo que eu tenho, sei perfeitamente aquilo que eu tenho, mas tive de aceitar e agora tenho de viver com isso".

O jovem reconhece que as probabilidades não estão inteiramente a seu favor, dado que se encontra em tratamentos e em busca de um dador compatível. Isto porque, devido à complexidade do seu diagnóstico, a única forma de Simão conseguir curar-se da doença é através de um transplante de medula óssea. "Efetivamente estou mais perto de cenários menos positivos, no entanto acho que tenho de viver a vida com calma, tenho de viver a vida com naturalidade, e tenho de aceitar aquilo que tenho".

Para além de conseguir manter-se esperançoso e positivo em relação a toda a situação, Simão tem ainda iluminado os dias de várias pessoas que se encontram em situações semelhantes no IPO, juntamente com a sua guitarra, que anda sempre consigo. "Todos os dias tento preencher os vazios, que infelizmente são muitos, (e que existem bastante lá no IPO), mas todos os dias tento preencher os vazios que existem, e que muitas vezes também existem dentro de mim, que é natural. Com música, e com a guitarra, e com um colorido musical", revela o jovem.

"Mesmo nos dias maus acredito que a música é capaz de dar cor à nossa vida, e nem que seja por causa disso já vale a pena ter lá a guitarra".  Não é permitido ter muitos objetos pessoais no quarto do IPO, mas os profissionais de saúde permitiram a Simão ter a sua guitarra quando por lá se encontra, juntamente com umas molduras dos pais e da namorada. "Já que não posso levar o piano às costas, seria engraçado".

Formas de ajudar o Simão

De acordo com a Associação Portuguesa Contra a Leucemia (APCL), se tiver a intenção de se inscrever como potencial dador de Medula Óssea, é necessário que reúna as seguintes condições:

  • Ter entre 18 e 45 anos;
  • Peso mínimo de 50kg;
  • Altura superior a 1,5m;
  • Ser saudável;
  • Nunca ter recebido transfusões após 1980.

( Nota: Não precisa de estar em jejum)

Clarificando, não pode registar-se como Dador de Medula Óssea no Registo Português se tiver, pelo menos, uma das seguintes condições:

  • Idade inferior a 18 anos ou superior a 45 anos;
  • Altura inferior a 1.50m;
  • Peso inferior a 50kg;
  • Obesidade Mórbida, mesmo nos casos de colocação de Banda ou Bypass Gástrico;
  • Patologia Cardíaca;
  • Hepatite B ou C, alguma vez na vida;
  • Doença Oncológica;
  • Transfusão de sangue depois de 1980;
  • Doenças Auto-imunes (Artrite Reumatóide, Lúpus);
  • Doenças infecto-contagiosas;
  • Insuficiência renal;
  • Patologia da Tiróide;
  • Diabetes;
  • Anemia Crónica;
  • Hérnia Discal;
  • Fibromialgia;
  • Glaucoma;
  • Não compreender a língua portuguesa tanto na sua forma oral como escrita;
  • Não ter residência estabelecida em Portugal.

No caso de reunir alguma destas últimas condições, e por isso não poder ser dador, pode sempre ajudar na mesma. Segundo Simão, basta "partilhar todos os apelos, campanhas, tudo o que tem saído, e apelar juntamente com a família e amigos".

Para quem tem hipóteses, basta dirigir-se a um centro de recolha de sangue, cujo local consegue procurar facilmente no site do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), ou na Associação Portuguesa Contra a Leucemia (APCL). Nestes sites consegue encontrar alguns centros de recolha de sangue e de medula óssea, bem como as indicações para se inscrever.

"É simplesmente esticar o braço, e recolher uma pequena amostra de sangue que vai ser analisada e vai para o Banco Internacional de Medula. Essa amostra é recolhida ao mesmo tempo em que recolhem aquela amostra inicial das análises", no sentido de "ver se está tudo ok com o nosso sangue, para saber se estamos aptos, se estamos saudáveis para doar". Simão Correia deixa ainda o apelo para que, a partir do momento em que as pessoas se inscrevem, não desistirem. "Se algum dia forem chamados não recuem, porque infelizmente há muita gente a recuar. Em 2018 foram 80 pessoas a recuar, só cá em Portugal".

Esta situação aconteceu com Simão. Foi informado a meio do quinto ciclo que existiam oito possíveis dadores compatíveis. Apesar disso, mais tarde obteve a confirmação de que nenhum deles estava disponível para realizar a doação. De acordo com o jovem, os médicos "deram a entender um bocadinho que efetivamente houve alguns casos em que houve desistências por parte dos possíveis dadores".

Atualmente, Simão continua a precisar de um dador compatível. "A pessoa fica com a vida em suspenso, com um medo ainda maior, medo esse que evitamos ter, ou que evitamos pensar ou dar muita importância".

Segundo dados cedidos pelo Instituto Português de Oncologia (IPO), existem duas possíveis doações. A primeira (e mais comum, efetuada em 95% dos casos) consiste num método denominado citarefese, no Hospital de Dia. Na prática, é como uma recolha de sangue normal, "através de um cateter ou de duas veias, não sendo necessária qualquer tipo de anestesia".

De acordo com Simão, este processo conduz o sangue por uma máquina, que o processa e retira parte da medula. "Atenção que o dador não fica sem medula, que há um medo também em relação a isso", esclarece o jovem.

O outro método, discutido com o médico que acompanha o processo, denomina-se transplante autólogo, e funciona através de uma pequena cirurgia, realizada em bloco operatório sob anestesia geral, que exige um internamento de 24 horas, para garantir rigorosamente que não existe qualquer risco para o dador. Este método é muito menos comum quando comparado com o primeiro, sendo que apenas 5% dos casos acabam por ter de seguir para este tipo de doação. Em ambos os casos, as transfusões são administradas aos doentes da mesma forma que uma típica transfusão de sangue.

"Num dia, numa manhã ou numa tarde conseguem salvar uma vida que é uma coisa incrível, um ato de super-herói da Marvel", finaliza Simão Correia.