Sete anos depois de um homem, dono de um instrumento usado para tirar cortiça de sobreiros, ter sido detido por violência doméstica, o Tribunal da Relação de Évora devolveu a machada ao operário rural de Ponte de Sor, em Portalegre, Alentejo, que ameaçou a mulher de morte à frente da GNR.
O crime ocorreu na noite de 19 de abril de 2017. O homem telefonou à GNR, estando bastante nervoso, para avisar que “ia fazer merda” e que ou se matava ou matava a mulher, com quem tinha desavenças há algum tempo.
Quando as autoridades foram à residência do casal, enquanto a mulher referia que tinha medo de pernoitar no local, o homem simulou que lhe dava um estalo e um pontapé. Ao perceber que esta ia embora com a GNR, o operário ameaçou-a. “Eu espeto-te uma faca no peito e depois espeto a faca em mim” e “rebento com a casa toda e provoco uma tragédia” foram as ameaças.
O homem foi então detido e apreenderam a machada. No dia seguinte, este foi obrigado a sair de casa e proibido de contactar a mulher. Contudo, a vítima, alegando que aquele tinha sido um episódio isolado em 19 anos e que não tinha receio de viver com o companheiro, requereu o levantamento da proibição de contacto. Como tal, a 21 de novembro do mesmo ano, as medidas de coação foram extintas.
Já para o Ministério Público (MP), foi fortemente indiciado que o homem agredia e ameaçava a mulher repetidamente, física e psicologicamente. Desde 1998, dava-lhe socos e estalos na cara, apertava-lhe o pescoço e puxava-lhe os cabelos. Em 2016 a situação agravou-se, devido ao consumo diário e excessivo de álcool, sendo que as agressões passaram a ser quase diárias, algumas delas na presença do filho menor, que na altura tinha menos de 11 anos.
Apesar disso, o homem evitou a acusação por violência doméstica e, em maio de 2020, o processo foi arquivado, depois de o arguido cumprir as exigências do MP. O operário pediu a devolução da machada, alegando ser necessária para o seu trabalho e, apesar de o MP se ter oposto, por poder ser utilizada para fins ilícitos, o tribunal concordou com essa devolução. A 15 de novembro de 2022, declarou-a perdida a favor do Estado.
O arguido recorreu, referindo que ameaçou matar a mulher com uma faca e não utilizou a machada para nenhum crime, e a procuradora-geral do Tribunal da Relação de Évora explicou que “é preciso que decorra dos factos algum indício dessa possível utilização”.
Os juízes desembargadores proferiram um acórdão a 6 de fevereiro, onde concluíram, “sem margem para qualquer hesitação, que a machada de tirar cortiça não serviu nem estava destinada a servir à prática do crime de violência doméstica em discussão no processo, nem à prática de qualquer outro crime”. Como tal, deveria ser devolvida ao proprietário.