A 27 de agosto passado, Pedro (nome fictício) chegou ao antigo hospital de Vila Franca de Xira. Com a máquina fotográfica na mão, aproximou-se do edifício principal e começou a olhar para as janelas. Um amigo daquela zona tinha-o alertado para o facto de o Hospital Reynaldo dos Santos estar aberto, sem alarmes ou seguranças a vigiar a zona. Também já havia janelas partidas, disse-lhe.

Pedro tinha de ver com os seus próprios olhos — ou não fosse ele um “caçador” assumido de fotografias em locais abandonados. Naquele domingo, logo pela manhã, reuniu um grupo de amigos e entrou no edifício.

Confirmou-se tudo o que lhe tinha sido dito. “A única coisa que eles fizeram foi emparedar as portas, mas esqueceram-se das janelas. Entrei por uma delas”, conta à MAGG. “É escandaloso. Quando entrei e vi aquilo fiquei chocado.”

Ao nível do chão, Pedro descobriu três ou quatro janelas destruídas. Escolheu uma e, sem grande esforço, entrou no Hospital Reynaldo dos Santos. Em menos de um minuto estava dentro do edifício principal. Seria de esperar que as salas estivessem vazias. Certo?

Um fotógrafo entrou três vezes no antigo hospital de Vila Franca de Xira.
Um fotógrafo entrou três vezes no antigo hospital de Vila Franca de Xira.

Errado. Duas máquinas de raio-x, várias camas de bebé, cadeiras das salas de espera por todo o lado e um bloco operatório intacto. “Camas de hospitais então, nem as contei. Era um disparate, deviam estar ali entre 100 a 200. Se tivesse de dar uma percentagem, diria que levaram 30 a 40% do hospital. 60 a 70% ficou ali.”

Foi a 28 de março de 2013 que se fizeram as devidas despedidas do velhinho Hospital Reynaldo dos Santos para dar as boas-vindas ao novo Hospital de Vila Franca de Xira. Três vezes maior do que o anterior, abriu com 280 camas de internamento, nove salas do bloco de operatório, 33 gabinetes para consultas externas, três novas especialidades (hemodiálise, infeciologia e psiquiatria) e um investimento total de 108 milhões de euros.

Parecia tudo perfeito. Há muito tempo que os concelhos de Vila Franca de Xira, Alenquer, Arruda dos Vinhos, Azambuja e Benavente pediam uma nova unidade hospitalar, uma vez que o Hospital Reynaldo dos Santos já não tinha capacidade de resposta para todas as necessidades da população.

O fotógrafo encontrou equipamento médico em várias salas do hospital.
O fotógrafo encontrou equipamento médico em várias salas do hospital.

Uma parceria público-privada com a gestão da José de Mello Saúde (JMS) fez erguer o novo Hospital de Vila Franca de Xira. Em pleno funcionamento desde 3 de abril (a abertura fez-se por etapas, tendo terminado nesta data), a partir desse dia ninguém quis mais saber do antigo.

Só que ele ainda está lá: de pé, equipado e cada vez mais exposto a atos de vandalismo e furtos. Desde a primeira visita, em agosto, Pedro esteve mais duas vezes no antigo hospital de Vila Franca de Xira: em setembro de 2017 e no final de janeiro deste ano. Das três visitas, tirou um total de 77 fotos.

“Há cada vez mais pessoas a entrar lá dentro, e ninguém parece muito preocupado com isso. Nota-se que o vandalismo já lá chegou."

Nunca publicou nenhuma com receio de repercussões. No entanto, sentiu que não podia continuar a guardá-las em segredo — sobretudo depois da última visita. “Há cada vez mais pessoas a entrar lá dentro, e ninguém parece muito preocupado com isso. Nota-se que o vandalismo já lá chegou”.

Portas que antes estavam fechadas e que agora estão partidas, extintores espalhados nos corredores, provavelmente resultado de uma brincadeira de miúdos. No geral, o edifício está em bom estado — a única exceção é a sala de fisioterapia, onde o teto já estava a cair.

“Aí estava um bocadinho mais degradado. Tinha um ar vandalizado, e pareceu-me que teriam roubado algumas coisas. O teto também estava a cair, não sei se poderá ter sido destruído.”

Há cada vez mais pessoas a visitar o hospital Reynaldo dos Santos.
Há cada vez mais pessoas a visitar o hospital Reynaldo dos Santos.

Pedro descobriu outras áreas do hospital que também já tinham sido abertos. Foi o caso dos anexos exteriores, utilizados como armazém, e da morgue.“Voltei lá precisamente para fotografar a morgue, que tinha estado sempre fechada”, diz à MAGG.

Deixa o alerta: “As pessoas já perceberam que aquilo está abandonado e estão a ir lá. E ainda não chegou o pessoal dos graffitis. Quando chegarem, então aí o hospital vai ganhar uma nova cor.”

A MAGG contactou a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, que explicou que "desde meados de 2013 que o edifício e o seu recheio foram entregues à Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca de Xira, que já era a proprietária do imóvel onde funcionou o Hospital Reynaldo dos Santos.”

Armando Jorge Carvalho, mesário da Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca Xira, disse à MAGG que para já não comentava o estado de abandono do edifício, nem o material médico que lá se encontra dentro.

“Neste momento oficialmente a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) autorizou a Santa Casa de Misericórdia a fazer a requalificação do hospital para criar uma unidade de cuidados continuados com 140 camas. Vamos agora entrar no processo de procura de financiamento.”