A Zomato — empresa que agrega restaurantes numa aplicação, na qual os utilizadores têm acesso a menus, fotografias e reviews — oferece licença menstrual de dez dias às trabalhadoras da empresa.

Esta será a primeira empresa em Portugal a permitir que sejam tirados dias (equivalentes às faltas justificadas por doença) nos dias em que a mulher sinta que o período menstrual a impede de fazer o seu trabalho.

"A ideia é acabar com o estigma à volta do tema e a vergonha de dizer a verdadeira razão pela qual não consegue trabalhar naqueles dias em expecífico", explica à MAGG Steven Murray, Diretor da Zomato Portugal. O objetivo da empresa é que as mulheres (incluindo transgénero) não tenham que inventar desculpas e poderem tirar o dia pela verdadeira razão.

Catarina Maia, 28 anos, tem endometriose, uma doença crónica e inflamatória, e já foram muitas as vezes que teve que faltar ao trabalho com dores incapacitantes. "Admito que foi constrangedor dizer a verdadeira razão para ter que ir para casa e, por isso, acho que vai facilitar a comunicação", conta à MAGG.

No último trabalho em empresa que teve (agora é freelancer), decidiu contar logo na entrevista que sofria desta problema, para que ficassem alerta para a possibilidade de, pelo menos um dia por mês, ter que ficar em casa. "Não houve problema, mas acho que isto não deve ser visto como 'um problema de mulheres', mas sim uma doença como outra qualquer. Eu diria na mesma, caso o meu problema fossem, por exemplo, enxaquecas".

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No entanto, esta ativista pela saúde menstrual e autora da página "O meu útero", admite que esta notícia lhe traz sentimentos dúbios. "Se por um lado vai descansar algumas mulheres que ainda se sentem constrangidas, por outro vai contribuir para a normalização das dores menstruais".

Uma das bandeiras de Catarina é exatamente a de que as dores menstruais não são normais nem devem, como é habitual, ser camufladas com a toma da pílula. Ainda que seja um plano ambicioso, acredita que, num cenário ideal, a empresa devia não só dar os dias, mas apostar na educação menstrual das suas colaboradoras. "Muitas delas não sabem porque têm dor, nunca foram ao médico para tentar perceber e habituaram-se a viver com esta incapacidade que chega todos os meses", refere.

Licença pode aumentar clivagem entre homens e mulheres no mercado de trabalho

Muitas mulheres que sofrem de sintomas menstruais, como dor e sangramento intenso, não contam aos familiares ou médicos sobre isso, mesmo quando isso interfere na sua capacidade de manter as rotinas diárias. Este é o resultado de um estudo feito na Holanda em 2019 e que analisou perto de 43 mil mulheres.

No total, 85% admite ter cólicas menstruais, 77% dizem sentir alterações de humor e 71% sente-se mais cansadas durante a menstruação.

No entanto, menos de metade admite ter contado a pessoas próximas que essa seria a verdadeira razão para terem que reduzir as suas tarefas diárias.

Ainda que Patrícia Lemos admita que haja ali umas horas — um dia, vá — em que a energia possa estar mais em baixo, não é normal que a menstruação afete de tal forma a vida de uma mulher ao ponto de ela não conseguir trabalhar. "O fluxo demasiado abundante não é normal, um cansaço excessivo não é normal e nem as dores são normais", conta a educadora para a saúde menstrual e fertilidade e autora do projeto Círculo Perfeito.

"Temos uma pobreza menstrual muito grande, e não falo aqui só das pessoas na Índia que não têm acesso a pensos higiénicos. É pobreza de falta de informação sobre o tema", refere, "é que a menstruação não deve ser incapacitante.

Patrícia Lemos, educadora menstrual. "As mulheres sabem zero sobre o seu ciclo menstrual"
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Para a especialista, apenas casos com diagnóstico médico, como a endometriose e a perturbação disfórica pré-menstrual, é que devem ser contempladas como excepção e, aí sim, dar direito aos tais dias de licença. "Falamos aqui de algo que vai acontecer todos os meses e que está diagnosticado por um médico", lembra.

Agora, se for algo generalizado a todas as empresas, Patrícia considera que a licença menstrual pode trazer mais consequências negativas do que positivas. "Acredito que venha a aumentar ainda mais a diferença entre homens e mulheres no mercado de trabalho", admite.

Como lida com milhares de mulheres, está ciente de centenas de casos daquelas que vão de licença de maternidade e quando voltam, o posto de trabalho foi extinto, ou ainda aquelas que nem chegam a ser contratadas quando na corrida está um homem. "Para um empregador, saber que aquela colaboradora pode estar mais dez dias fora por licença menstrual, pode ser uma barreira à contratação", admite, "esta ideia pode vir a escavar mais fundo esta diferença de género".

Steven Murray, diretor da Zomato Portugal, garante à MAGG que a medida foi pensada com a melhor das intenções e que, por serem uma empresa inclusiva, a medida nunca foi tida que potenciador de diferença. "A longo prazo, as empresas vão perceber que rejeitar uma mulher é perder talento", acrescenta.

Além disso, Catarina Maia lembra que, em Portugal, as horas de trabalho ainda contam mais do que a qualidade do mesmo. "E não devia ser assim", refere, admitindo que na empresa onde trabalhava e que nunca pôs entraves aos dias que teve em casa por dores menstruais, não se importava de compensar nos dias seguintes, nunca deixando trabalho para trás. "A base da relação profissional deve ser a confiança".

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