A pandemia causada pelo novo coronavírus transformou o mundo. Para além de todas as restrições, cuidados e medidas, a COVID-19 apanhou-nos a todos de surpresa e mudou, entre muitas outras coisas, a forma como consumimos. Prestes a entrar em dezembro, mês muito forte a nível do consumo, quisemos saber como é que se fala de compras em mercados não essenciais, como o da cosmética, na conjuntura atual.
Foi sobre esse tema, mas não só, que a MAGG falou com Tiago Melo, diretor de Marketing Mass da L'Oréal Paris para o mercado nacional à altura desta entrevista (em novembro, Tiago Melo mudou de cargo e tornou-se Global Marketing Manager L’Oréal Paris Men Expert, uma posição na esfera internacional da marca), uma das marcas mais reconhecidas mundialmente no mundo da beleza.
Nada foi deixado de fora nesta entrevista. Falou-se da necessidade de continuarem relevantes num mundo em que os consumidores pensam e compram de forma muito diferente, mas também sobre o boom digital e os tão mediáticos influenciadores digitais, sem esquecer a ligação a Cristina Ferreira, embaixadora da marca em Portugal. Ainda houve tempo para falar de um dos mais importantes projetos da L'Oréal Paris: O Outro Lado. Descubra tudo.
Vivemos numa era digital. Atualmente, as ações digitais, como as iniciativas com influenciadoras, têm mais peso na vossa comunicação, em comparação com os meios tradicionais de publicidade?
É verdade que a aposta no meio digital é cada vez mais forte. Este é um mundo muito grande, que passa pelo YouTube, pelas redes sociais, influenciadores digitais. Mas, na verdade, não o fizemos em detrimento dos meios tradicionais. Olhamos para o digital como um meio complementar, e é uma estratégia global da marca. Mas continuamos a ser dos principais investidores e anunciantes em televisão em Portugal, em outdoor também, e juntamos o digital como uma vertente de comunicação importante.
A vossa comunicação é muito assente em pessoas. Como é que, enquanto marca, escolhem as pessoas certas para vos representar, sejam influenciadoras, atrizes ou apresentadoras?
Tenho de responder à questão de duas formas porque há duas maneiras diferentes de trabalhar. Na escolha do embaixador, uma pessoa que representa a marca a 100% e que, em contrapartida, tem um contrato de exclusividade no segmento, esses são critérios muito elevados. Temos de observar o percurso dessa pessoa nos últimos tempos, qual o poder de atração para o consumidor que queremos atrair, mas o mais importante de tudo é que seja um fiel representante dos valores da marca.
Vou pegar aqui no exemplo de Cristina Ferreira. Antes de ser embaixadora, conduzimos um estudo de mercado para aferir, não só se a Cristina representava os valores da marca L’Oréal Paris, mas também para perceber se seria a melhor personalidade para responder aos desafios que nós queríamos para a marca, como gerar mais proximidade, auto-estima e confiança, gerando um maior impacto. Chegámos à conclusão que Cristina Ferreira era a mulher perfeita em Portugal para o fazer. Este é um processo mais longo e criterioso.
Todas as restantes pessoas que trabalham connosco de forma pontual, não têm exclusividade, mas também respondem a padrões elevados. Olhamos para o background para perceber se é bem vista nos meios onde está — falando de influenciadores digitais, nas redes, especificamente —, mas também procuramos que seja relevante para o tipo de produto que estamos a comunicar.
O "efeito Cristina"
A Cristina tornou-se embaixadora da L’oréal Paris há pouco mais de ano e meio, depois de protagonizar uma transferência mediática da TVI para a SIC. Foi uma total coincidência ou esta alteração pesou na decisão?
Foi uma total coincidência. Nós já estudávamos a hipótese da Cristina Ferreira ser embaixadora da L’Oréal Paris cerca de ano e meio antes de ela assinar connosco, e já existiam conversações nesse sentido. Na verdade, a conjugação de tudo foi mesmo uma coincidência — a Cristina muda-se para a SIC em janeiro, e fica connosco a partir de julho. Mas quando negociámos, a mudança ainda não tinha acontecido.
Como embaixadora, Cristina Ferreira dá a cara por muitos produtos da marca. Conseguem perceber o “efeito Cristina” nesses itens?
Sem dúvida. Vou ser sincero, internamente até a apelidamos de Oprah portuguesa, porque em tudo o que a Cristina Ferreira toca, sentimos um efeito imediato. Do ponto de vista digital, tudo o que fazemos com ela tem um impacto enorme de engagement, são normalmente os conteúdos com maior impacto que temos.
Depois, do ponto de vista de vendas, é extraordinário o impacto, e veio comprovar que o nosso estudo de mercado estava certo. Dou-lhe dois exemplos que, para mim, são dos mais fortes: Excellence, a marca de coloração da L’Oréal Paris, que hoje é líder de mercado, quando não o era antes de Cristina Ferreira; e em skincare, uma área difícil em Portugal, fizemos isso com as ampolas. As ampolas de hidratação eram um produto que nem existia em Portugal em mass market [superfícies comerciais de grande consumo], hoje em dia, é dos mais vendidos. Nós confiávamos no potencial do produto, precisávamos era de alguém muito forte para o comunicar. Com Cristina Ferreira, tornámo-nos na marca mais vendida em Portugal a nível de cuidados de rosto. Há um ano, era a terceira. E aqui estou a falar de skincare de um modo geral, não apenas de mass market.
Sentem que conseguiram atrair um novo público com Cristina Ferreira como embaixadora?
Não temos nenhum estudo que o comprove, mas a verdade é que as vendas de L'Oréal Paris estão a crescer muito e, à data de hoje, é a marca que mais cresce no mercado de beleza em mass market. O que não deixa de ser curioso, porque é também a marca mais premium nesse mercado. Embora não existam dados, acreditamos sim, que há uma relação direta com a chegada de Cristina como embaixadora.
Atualmente, Cristina Ferreira não tem um programa diário na antena portuguesa, ao contrário do que acontecia quando foi anunciada como embaixadora. Enquanto marca, sentem esta diferença?
A nossa aposta na Cristina centra-se na pessoa, e não no seu local de trabalho. Quando a contratámos enquanto embaixadora, não foi devido ao tempo que ela passa em televisão. Continuamos a sentir o mesmo efeito desde sempre, porque a nossa comunicação está centrada na pessoa Cristina. É a personalidade em Portugal com mais impacto, mais notoriedade, com mais proximidade com o público, e para nós fez todo o sentido. Costumamos dizer que é o tipo de personalidade que Portugal já não via há muito tempo.
Em termos de comunicação, como é que se fala de consumo no meio de uma pandemia? O que é que muda?
Muda bastante, e a L’Oréal tem tido um grande papel de adaptação, mas também de responsabilidade com o momento que estamos a viver. Nós começámos o ano com skincare como uma das grandes prioridades, e mal se abate a pandemia, sentimos uma retração considerável em skincare, maquilhagem e styling — foram sobretudo esses três mercados que sofreram mais.
Pelo contrário, sentimos o mercado de coloração a explodir como nunca. O mercado de coloração de supermercado cresceu a triplos dígitos nos primeiros dois, três meses da pandemia. Assim, percebemos que o consumidor, naquele momento, tinha determinadas necessidades de beleza — também a nível de higiene, uma preocupação que aumentou bastante —, e virámos todo o nosso foco para ajudá-lo a viver melhor este período.
Houve um trabalho de proximidade com o público: abrimos chats para esclarecer dúvidas, criámos tutoriais, recorremos a ações com influenciadores digitais para mostrarem aos seus seguidores este mercado, ensinámos o consumidor a trabalhar com coloração em casa — fomos inclusive ao “Programa da Cristina” demonstrar uma aplicação —, existiu um trabalho de comunicação nesse sentido para apoiar o consumidor.
Agora, com novas restrições, o que sentimos é que o mercado de styling e maquilhagem continua a ser difícil, está a ser difícil a retoma, mas skincare voltou a crescer, e é o segundo mercado que mais cresce atualmente. Estamos sempre atentos, dia a dia, para ver de que forma é que podemos ir respondendo.
"Em períodos de crise, os consumidores têm tendência a refugiarem-se nas marcas em que confiam"
Não é fácil lançar novos produtos?
Aquilo que sabemos é que, em períodos de crise, os consumidores têm tendência a refugiarem-se nas marcas em que confiam, mais antigas. Reforçámos a comunicação de L’Oréal Paris e Garnier, mas não abdicámos da inovação. Mesmo neste período, os portugueses são adeptos de inovação e gostam de experimentar coisas novas. Existiu um balanço entre produtos clássicos, mas nunca perdemos a inovação, que tanto nos caracteriza enquanto marca e povo. Sentimos gamas clássicas, como a Revitalif (antirrugas), a crescer, sem que exista comunicação; mas também tivemos o lançamento de Fructis Hair Food (haircare), onde Portugal está no top três de países com melhor performance de lançamento da Europa.
Maquilhagem continua a ser um mercado complicado neste período?
No seu todo sim, mas maquilhagem acaba por ser um agregado de quatro mercados. É verdade que estamos a ter mais dificuldade em vender produtos para lábios e bases, por exemplo, mas tudo o que tem que ver com maquilhagem de olhos — a parte do rosto visível com a máscara —, e sobretudo unhas, são mercados que estão a correr bastante bem neste momento.
Como é que se pensa em Natal, uma época muito forte no setor da cosmética, nesta realidade?
Existem mudanças, até mesmo porque nem sabemos o que vai acontecer no Natal, como vai ser. Vamos continuar a adaptar-nos. Normalmente, em períodos de crise, há um refúgio do consumo de beleza em mass market, o que pode ser uma oportunidade para nós. Este ano, vamos apostar em cofrets de Natal em supermercado, por exemplo, algo que não costumamos fazer neste mercado, numa ótica de apoiar o consumidor a conseguir comprar os presentes de Natal com mais facilidade.
Como é que a L’Oréal Paris se continua a manter relevante num mercado em constante mutação?
A L’Oréal Paris é uma das marcas mais antigas no mundo da cosmética e o seu grande sucesso ao longo dos últimos anos deve-se ao seu grande poder de adaptação ao contexto, às tendências, às exigências do consumidor, mas que nunca deixou de ser o que era na sua génese. É uma marca que, desde o seu início, está muito ligada ao empowerement, à autoconfiança, e à forma como a beleza tem o poder de revelar o melhor lado de nós. Manteve-se fiel a este lema mas, dependendo de cada contexto que vivemos, é uma marca que se adapta. Por exemplo, temos assistido, nos últimos três, quatro anos, a uma grande tendência à volta da sustentabilidade. No momento atual, mesmo devido à pandemia, há uma grande atenção por parte do consumidor em saber de que são feitos os produtos, os materiais utilizados, e daí estarmos a lançar o projeto O Outro Lado.
E o que é O Outro Lado?
Estando o consumidor mais atento e a procurar mais esta informação, nós trazemos esses dados através deste projeto, internacional, que assenta em mostrar o que está atrás da marca, do ponto de vista da ciência e da sustentabilidade. Em Portugal, acrescentámos uma terceira vertente, que tem que ver com a responsabilidade social, até porque já estava na nossa agenda desde há quatro anos, com o projeto Beleza para Todos. De uma forma direta, O Outro Lado vem responder a todas as questões que o consumidor possa ter sobre segurança, sustentabilidade, e sobre o papel de responsabilidade social que a marca tem em Portugal em toda a sua história.
Na prática, que tipo de ações estão consideradas neste projeto?
É um programa abrangente e complexo, mas gostaria de destacar três iniciativas mais relevantes. A primeira tem que ver com os nossos anúncios de televisão, que têm duas diferenças significativas em relação ao que estávamos habituados a ver. Têm a presença da nossa diretora internacional que explica, ou como um ingrediente atua na nossa pele, ou como fazemos os testes que reivindicamos nos nossos anúncios — quando dizemos que há menos x por cento de queda de cabelo, por exemplo. Nestes casos, temos a cientista a dizer como chegámos a esse valor, logo há uma mensagem de segurança que queremos passar.Por outro lado, os anúncios chegam acompanhados de linguagem gestual, e é verdadeiramente diferenciado no mercado, e temos, com isto, o objetivo de chegar a ainda mais pessoas.
Depois, estamos presentes nos programas das manhãs nas televisões, onde explicamos, com experiências reais, como é que determinado ingrediente atua na pele. Finalmente, temos também o lançamento de uma série documental [disponível no canal de YouTube da L’Oréal Paris], onde estamos a entrevistar pessoas chave na relação com a L’Oréal Paris. Um dos episódios é com a Cátia Monteiro, uma pessoa muito querida para nós. Já trabalhámos juntos no projeto Beleza para Todos, uma iniciativa que facilita o acesso de pessoas com deficiência visual ou auditiva à beleza.