8 de janeiro de 2020. Na altura ainda na SIC, Cristina Ferreira admitiu, pela primeira vez, a possibilidade de um dia vir a aventurar-se na política enquanto Presidente da República e "líder de todos os portugueses". "Não me imaginava e nunca me passou pela cabeça [ter um cargo político] até ao momento em que as pessoas me começaram a dizer que isso poderia acontecer. Se um dia me perguntasses: 'Chegarias a primeira-ministra?', respondia imediatamente que não tenho qualquer tipo de capacidade para que isso possa acontecer. Agora, representar todos os portugueses? Acho que um dia o poderia fazer, que me iria preparar e que não iria falhar", revelou à revista "Visão".

Mas a apresentadora sublinhou ainda as semelhanças que considera existir entre si e Marcelo Rebelo de Sousa, especificamente no que toca ao "afeto para com o outro". "[Essa característica] é muito semelhante entre nós. Já quando falava nos comentários televisivos, ele era este Presidente. Só não tinha o cargo", continuou.

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Mais do que uma possibilidade remota, a revelação de Cristina Ferreira exprimiu uma vontade de um dia vir a sentar-se em Belém. A notoriedade é-lhe reconhecida por todos os pares, mas falta-lhe, no entanto, reputação e experiência política. 

Quem o diz é Rui Calafate, consultor e um dos responsáveis pela estratégia de comunicação de Pedro Santana Lopes quando, em 2001, este se candidatou à presidência da Câmara Municipal de Lisboa.

"Todos os políticos quiseram estar na sala de estar de Cristina Ferreira. Muitos foram lá, alguns criticados por isso. Os que não foram, tenho a certeza, quiseram estar. Numa situação hipotética de candidatura da apresentadora a Belém, teria de acontecer o contrário e ser ela a entrar na sala da política", explica à MAGG. E isso faz-se, continua, moldando a personagem do entretenimento que Cristina Ferreira criou e transformando-a numa candidata com gravitas.

"Cristina Ferreira, a primeira"

Mas como? "Através de causas que iria assumir como suas em campanha", defende, apontando para uma que, embora lhe pareça óbvia, é também a mais forte e, por isso, imbatível. Rui Calafate refere-se à força e à afirmação das mulheres, muito porque Cristina Ferreira se tornou num "caso sério de uma mulher que cresceu a pulso, com talento e mérito, e cujas conquistas são fruto das suas capacidades enquanto pessoa e profissional."

E continua: "Esse movimento feminino é um ícone para as mulheres e tem um valor imbatível. Não há, aliás, ninguém que represente tão bem estes valores em Portugal como Cristina Ferreira." Gonçalo Morais Leitão, profissional na área da publicidade e criador do programa "Filho da Pub", é da mesma opinião e não tem dúvidas de que uma campanha para a corrida à Presidência da República teria de assentar no género da apresentadora.

E sugere um slogan: "Cristina Ferreira, a primeira."

"Seria a primeira Presidente da República mulher e isso, por si só, teria uma força muito significativa. Mas não podia ser só isso, porque se trata de uma ideia muito feminista e pouco unificadora. Também teria de ter alguma experiência porque um Presidente não pode ser só figurativo, até porque há muita política envolvida no cargo. Teria de se rodear muito bem de pessoas credíveis que, por sua vez, a validassem para o cargo junto do seu eleitorado."

Sobre se seria estranho ter uma figura tão popular sentada em Belém, Rui Calafate traça um paralelismo entre a apresentadora e o atual Presidente e diz que "atualmente, Portugal já tem uma Cristina Ferreira na Presidência."

"Temos um Presidente com gravitas, com uma enorme notoriedade e que está disponível para dar tudo onde quer que apareça. Neste verão, Marcelo Rebelo de Sousa até nadador-salvador foi. Uma campanha contra ele por parte de Cristina Ferreira teria de ser mais sóbria e apontar para causas e questões fraturantes da sociedade, focando-se em questões sociais ou reforçando, até, a demora da justiça portuguesa a atuar. São causas muito próximas dos portugueses que a aproximariam ainda mais do seu possível eleitorado."

"O populismo materializa-se na procura do medo nos outros para lhes dar bandeiras por que lutar. No campo do emocional, há uma proximidade com os públicos e Cristina Ferreira é capaz de chorar ou rir com alguém em estúdio porque consegue tocar todas as pessoas"

Não é por acaso, recorda, que Ana Gomes, uma das possíveis candidatas às próximas presidenciais, tenha, em intervenções públicas, bandeiras como o combate à corrupção e à demora da justiça em Portugal.

Mas Rui Calafate aponta uma vantagem à apresentadora face a outros políticos: o facto de, desde o início, esta ter feito o seu caminho sem "hipocrisia".

"Qualquer pessoa conhece a vida de Cristina Ferreira porque ela nunca escondeu as suas origens e o gosto pela zona saloia da Malveira onde cresceu. Ao contrário de outros políticos, que parecem crescer movidos pela gasolina da hipocrisia, Cristina Ferreira tem esse aspeto positivo de sempre ter sido correta, de ter orgulho no passado e de todo o seu trajeto ter sido pautado pela coerência e pela ausência de escândalos. É um trunfo para qualquer candidato."

Mas Alda Magalhães Telles, consultora de comunicação, aponta outros: não só capacidade de comunicação em frente às câmaras, mas também o fator financeiro que é importante para a construção de uma campanha. No entanto, reforça, a grande desvantagem é inexperiência política e o facto de "não lhe ser conhecido nenhum ativismo político ou cívico".

A consultora não tem medo das palavras e admite que essa falha é "uma lacuna em qualquer candidato". Numa campanha de Cristina Ferreira, admite que esta teria de se focar em algumas bandeiras para a colmatar.

"Não havendo uma ideologia definida, de certo que não iria desenvolver uma em campanha", por isso acredita que, na sua essência, se trataria de uma campanha de índole populista. "Não no sentido negativo que hoje se dá ao termo. Seria uma campanha muito básica, com mensagens muito simples e muito diretas ao assunto — com ideais simples, empáticas e sem ideologia", revela.

Isto porque, acredita, "as pessoas já não estão muito abertas a debates profundos sobre grandes temas" e preferem "ouvir mensagens simples, que lhes permitam avaliar o candidato sem grande esforço."

Mas Sofia Lages Fernandes, especialista em comunicação e estratégia política e diretora-adjunta da agência de relações públicas Omnicom em Portugal, prefere substituir o termo "populista" por "emocional" por se tratar de uma pessoa que "é mestra em jogar com as emoções das pessoas."

"O populismo materializa-se na procura do medo nos outros para lhes dar bandeiras por que lutar. No campo do emocional, há uma proximidade com os públicos e Cristina Ferreira é capaz de chorar ou rir com alguém em estúdio porque consegue tocar todas as pessoas", defende.

E salienta o processo de validação que começou a acontecer há dois anos quando, ainda na SIC, dava o rosto ao "Programa da Cristina".

"Nessa altura, era apenas uma apresentadora, uma entertainer, e não se podia considerar líder de opinião nacional. A partir do momento em que políticos foram ao seu programa, e que o próprio Presidente da República lhe liga na emissão do primeiro episódio, há um processo de validação que resultou na ascensão de Cristina Ferreira do campo mediático para o político", refere Sofia Lages Fernandes.

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Só isso tornou possível que, numa das emissões, a apresentadora brincasse com a "questão dentária da ministra da Saúde", Marta Temido. "O palco que ela tem agora também lhe foi dado pelos próprios protagonistas políticos atuais", continua.

Uma das formas de tentar colmatar a sua inexperiência, diz Rui Calafate, seria passar a contactar de perto com esses protagonistas. E especula quanto aos novos programas a que Cristina Ferreira poderá dar o rosto no seu regresso à TVI.

"Se se confirmarem os rumores de que terá um programa de entrevistas, imaginemos que é capaz de convidar pessoas como Bill Clinton, Barack Obama, António Guterres, Fernando Henrique Cardoso [presidente do Brasil entre 1995 e 2002] ou Nicolas Sarkozy. Sentando-se com cada uma destas pessoas, todas elas ligadas ao poder, Cristina Ferreira estaria, ela própria, a beber de uma área que não conhece", conta.

E continua: "Embora tenha uma força monstruosa enquanto marca, falta-lhe a força do poder. Precisa de conhecer conhecer a área por que se vai movimentar para, depois, ser capaz de tomar decisões que não são fáceis — ainda que muita gente ache que são. É muito difícil estar no poder, porque com ele vem a solidão. E embora Cristina Ferreira já tenha tomado muitas decisões, nunca tomou nenhuma que envolvesse milhões de euros e que afetasse milhares de pessoas. Precisaria, acima de tudo, de conversar com quem já tomou muitas decisões na vida, certas ou erradas."

"Na sua primeira publicação após formalizada a troca da SIC pela TVI, ela foi buscar a questão do machismo para se defender, dizendo que se se tratasse de um homem empreendedor, a decisão teria sido vista com bons olhos."

Gonçalo Morais Leitão, no entanto, não tem dúvidas de que "as pessoas votam mais em figuras e não em causas." Nesse sentido, continua, "Marcelo foi esperto em libertar-se da direita, abrindo assim o precedente de ser apartidário e independente."

Ainda assim, considera que não faria sentido para Cristina Ferreira inscrever-se num partido de maneira a fazer "o caminho das pedras". Mas antes de uma presidência em Belém, o especialista em publicidade e marketing não descarta a ideia de, um dia, a apresentadora começar o seu percurso político candidatando-se, por exemplo, à presidência da freguesia da Malveira, região de que é natural.

"Seria uma ideia interessante, até porque o slogan rimaria com o nome dela. 'Cristina Ferreira, primeiro a Malveira', poderia funcionar."

Cristina Ferreira e a ideia de estabilidade

Ainda que a imagem de Cristina Ferreira transmita confiança, a ideia de estabilidade não é consensual para os especialistas ouvidos pela MAGG.

Se por um lado se reconhece que o regresso à TVI é uma manifestação clara de poder por parte da apresentadora — que quer fazer mais —, Gonçalo Morais Leitão teme que a quebra unilateral do compromisso que tinha coma SIC lhe possa "beliscar a reputação."

"O passo que ela tomou de ir para a TVI não só como apresentadora, mas também como acionista talvez possa correr mal. Claro que as entrevistas que ela for fazer no seu programa, se forem sérias, podem dar-lhe essa credibilidade que ela eventualmente procurará. Mas a decisão de trocar um canal pelo outro transparece uma certa ganância e pode deixar a ideia no público de que se trata de uma jogada", defende.

Alda Magalhães Telles é da mesma opinião e receia que a "novela recente", tal como descreve a troca da SIC pela TVI, pudesse ser uma fraqueza em campanha "por denotar uma dificuldade em manter um compromisso".

"Se tivesse de planear a sua campanha, é certo que um dos ataques dos seus oponentes seria a sua instabilidade. Essa característica teria de ser trabalhada e moldada numa narrativa que a permitisse ultrapassar a ideia de ser uma pessoa instável e, por isso, não desejável para o cargo da Presidência da República", defende.

"Cristina Ferreira é uma figura pública da televisão e as pessoas votam não só em quem veem, mas em quem confiam. Mas mais do que as pessoas, a prova de que alguém é de confiança é o facto de os canais, as televisões, as marcas e as empresas confiarem nela. E Cristina Ferreira tem toda essa confiança no currículo."

Esta é uma visão que Sofia Lages Fernandes não subscreve, defendendo que a apresentadora tem "sabido gerir muito bem essa questão" atribuindo-lhe uma causa específica.

"Na sua primeira publicação após formalizada a troca da SIC pela TVI, ela foi buscar a questão do machismo para se defender, dizendo que se tratasse de um homem empreendedor, a decisão teria sido vista com bons olhos. Mas como ela é mulher, estava a ser vítima de ataques. Arrumou muito bem essa questão e atribuiu-lhe uma causa", conta.

Na segunda fase da comunicação pós-rutura com a SIC, Cristina Ferreira adotou uma postura justificativa, explicando não só a sua saída, mas construindo, também, "esta ideia de ter sido obrigada a mudar por se sentir traída pela SIC." Sofia Lages Fernandes refere-se não só à recusa da SIC em lhe conceder um grande formato enquanto apresentadora ou de liderar a secção de entretenimento.

"Ela tem sabido justificar a sua saída e a verdade é que, quem gosta da Cristina Ferreira gosta dela em qualquer estação. A primeira troca, aliás, da TVI para a SIC, foi muito mais problemática porque se traduziu numa dupla traição — não só à estação na qual cresceu, mas também a Manuel Luís Goucha com quem liderou as manhãs", explica.

Dos slogans aos sapatos confortáveis. A campanha de Cristina Ferreira nas ruas

Numa primeira fase da campanha da apresentadora, Rui Calafate enumera alguns conselhos para um percurso coerente e eficiente, argumentando ser essencial que esta se rodeasse das pessoas certas para uma comunicação na política.

"As pessoas que trabalham com ela, ainda que muito competentes na comunicação de Cristina enquanto marca, não estariam habituados a estes caminhos porque uma comunicação política é muito diferente de uma gestão de carreira", defende.

O segundo passo passaria por estabelecer, de imediato, que tipo de campanha seria — se rica e espampanante ou mais sóbria e discreta. Isso, claro, iria implicar a escolha das roupas para o tipo de imagem que se desejasse transmitir. Mas pelo menos um elemento estaria, para Calafate, fechado logo à partida: uns bons sapatos confortáveis.

"Há um conselho que costumo dar a dezenas de candidatos quando estes entram em campanha: a compra de uns sapatos confortáveis. A base da campanha será o ir de porta em porta, o de estabelecer o contacto com as pessoas entrando nos cafés, nos cabeleireiros em tudo o que for comércio local porque uma campanha eleitoral é, acima de tudo, um exercício de proximidade entre os políticos e os eleitores", defende.

Logo de início, continua, diz que haveria tempo para ver algumas das "arestas que precisariam de ser limadas" — dando o exemplo da voz da apresentadora, que é criticada por muitas pessoas.

"Uma coisa é ter um programa no qual está totalmente livre e outra muito diferente é saber colocar a voz para um discurso. Isso implica ter um contacto direto com pessoas especializadas em campanha política que possam ver onde o candidato pode ser reforçado". E dá o exemplo de Aníbal Cavaco Silva que, durante a sua presidência, teve aulas de dicção com a atriz Glória de Matos para corrigir a fala.

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Quanto a slogans, Rui Calafate dá duas sugestões: "Portugal feliz" ou "Cristina Ferreira: Confiança no que vê".

Enquanto que o primeiro exemplo é inspirado na campanha vencedora de Pedro Santana Lopes aquando da candidatura à Câmara Municipal de Lisboa (com o slogan "Lisboa feliz") e que reforça a energia positiva da apresentadora, o segundo sublinha a palavra mais forte do léxico de Cristina Ferreira — confiança.

"Cristina Ferreira é uma figura pública da televisão e as pessoas votam não só em quem veem, mas em quem confiam. Mas mais do que as pessoas, a prova de que alguém é de confiança é o facto de os canais, as televisões, as marcas e as empresas confiarem nela. E Cristina Ferreira tem toda essa confiança no currículo."

Já Alda Magalhães Telles diz que não mudaria nada na apresentadora. Nem mesmo a voz. "É verdade que tem uma voz mais estridente, mas não nos podemos esquecer que isso é usado num determinado registo televisivo. Num registo mais formal e controlado, ela consegue perfeitamente controlar a voz porque é uma entertainer", explica.

Nesse aspeto, considera que Cristina Ferreira não poderia mudar radicalmente porque "já todos a conhecem de determinada maneira e é essa familiaridade que se procura num candidato." Surgir, por exemplo, vestida com um fato executivo seria impensável, precisamente porque ninguém a concebe assim.

Para a estratega de comunicação política, Sofia Lages Fernandes, a movimentação de Cristina Ferreira nas ruas passaria não por campanhas, mas sim por eventos "mais controlados com o apoio e a presença de outras figuras mediáticas que os portugueses já conhecem bem."

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"Essas ações seriam feitas junto de públicos específicos — num dia poderia visitar idosos, noutro poderia estar com crianças —, mas seria tudo muito mais contido. Depois, claro, haveria uma campanha orgânica nas redes sociais e aí seriam os apoiantes a fazer a campanha por ela, reforçando-lhe o valor e imagem", conta. Para slogan, apenas uma palavra: "Consigo".

"O grande trunfo dela é conseguir porque sabe, efetivamente, explorar todos os palcos e as pessoas sentem aquilo como genuíno. Ela sabe o que está a fazer e não é de todo surreal que um dia se candidate à Presidência da República. O facto de esta reportagem acontecer evidencia aquilo que nunca se pensou que pudesse acontecer em Portugal — que uma apresentadora da Malveira, de uma família pouco tradicional e sem intervenção política e cívica pudesse alguma vez ser Presidente", conclui Sofia Lages Fernandes.

Do YouTube ao WhatsApp. Como seria a campanha de Cristina Ferreira nas redes sociais?

Se Cristina Ferreira se candidatasse a Belém, o facto de ser mulher seria, para Marco Gouveia, gestor de marketing online e consultor do Grupo Pestana, uma oportunidade de esta conseguir o apoio de pessoas como Sara Sampaio ou Maria Dolores de Aveiro.

Isto é especialmente importante porque juntas somam mais de 10 milhões de seguidores no Instagram — o que permitiria fazer a sua mensagem chegar a mais pessoas, principalmente ao público jovem que outros políticos não conseguem alcançar.

"No digital, a aposta no target mais jovem teria de ser trabalhada para a sua campanha eleitora. Abrimos a sua página de Instagram e vemos fotografias, mas nada de muito informativo que sirva de defesa a uma causa. E não são fotografias com o Rúben Rua no iate que lhe ganhariam eleitorado", começa por explicar o especialista em redes sociais que reconhece a força de Cristina Ferreira enquanto marca.

Mas Marco Gouveia começa por enunciar um problema que teria de ser resolvido numa primeira fase de campanha: o facto de aquilo que Cristina Ferreira tem, pelo menos em termos de expressão no digital, não lhe pertencer.

"Ao fazer uma pesquisa no Google, aquilo que o sistema nos devolve é a sua página de Instagram. Mas pertence ao Facebook e não a ela", explica. Mas há um detalhe ainda mais preocupante. "Não serve de nada a Cristina Ferreira ter quase 1.5 milhões de seguidores se, a certa altura, as pessoas passaram para outra rede social."

E é verdade que as redes sociais têm este histórico transitivo e efémero no seu currículo. Que o digam redes como o MySpace, o Orkut ou o Hi5. "Está a acontecer o mesmo com o Facebook, no qual ainda há muitas pessoas registadas, mas poucas o usam regular e diariamente", refere Marco Gouveia, antecipando um desfecho semelhante para o Instagram.

A estratégia, portanto, passaria por "apostar naquele que é o principal canal de Cristina Ferreira, que é o seu blogue" e que, para o especialista, está subaproveitado. "Mas esta é uma lacuna transversal a todos os influenciadores que, regra geral, apostam todas as fichas nas redes sociais e descuram as suas plataformas próprias." E a comunicação entre todas as plataformas seria exímia, já que as redes sociais remeteriam para o blogue e vice-versa.

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As redes sociais a serem trabalhadas englobariam o Facebook, o Instagram e até mesmo o Twitter. A explicação é simples: embora, em Portugal, ainda seja de nicho, "é o local onde mais se debatem ideias" e o sucesso da sua campanha, diz Marco, deveria passar também por aí.

Mas Marco Gouveia aponta a mira para dois outros serviços que usámos diariamente e que nem sempre são valorizados no mercado da comunicação, referindo-se ao YouTube e ao WhatsApp.

"O YouTube é o segundo maior motor de pesquisa e a segunda rede social mais usada no mundo, muito porque tem a característica de ser várias coisas ao mesmo tempo. Não serve só para ver vídeos. Tem a vertente de pesquisa ao ponto de, nos EUA, os jovens com idades até aos 13 anos usam o YouTube, e não o Google, para pesquisar", revela.

E continua: "Isto diz-nos que pode haver uma maior tendência para ver do que para ler, e poderia ser através da criação de vídeos que Cristina Ferreira seria capaz de passar uma mensagem sua de forma mais eficiente e com um custo mais baixo. A vantagem é que qualquer um desses vídeos pode, a qualquer altura, transformar-se num anúncio passível de ser transportado para qualquer outra rede."

Sobre o WhatsApp, Marco Gouveia sublinha que, no Brasil, foi eleito um presidente somente através da aposta numa aplicação de chat. E é rápido a responder quando lhe perguntamos de que forma é que o serviço poderia alavancar uma campanha da apresentadora.

"Dificilmente Cristina Ferreira teria uma expressão significativa nas urnas porque as boas características dela, também são as de Marcelo. Além disso, ele é homem e isso, na sociedade portuguesa, ainda é um ponto a favor. Também não podemos esquecer que ele tem experiência e ele não"

"Mensagens automatizadas que apresentam um programa político por tópico e que canalizavam vários vídeos do YouTube que entretanto fossem criados. O WhatsApp, e o Telegram, têm esta vantagem de se poder criar grupos com várias pessoas e de permitir que nenhum dos seguidores esteja preso a uma rede social", explica. Mas há o fator psicológico que não deve ser ignorado. É que um utilizador de qualquer rede social, mesmo que ativo, pode não ver de forma regular as novas publicações de Cristina Ferreira. Se receberem uma mensagem no seu telemóvel diretamente da apresentadora, a história é outra.

"Podem não ler um e-mail, ir ao Facebook, ou fazer scroll no Instagram. Mas quando lhes cai uma notificação de mensagem para ler, é garantido que irão fazê-lo. Especialmente se for da apresentadora. Há um efeito psicológico de ter Cristina Ferreira a falar diretamente com o seu eleitorado, mesmo que não seja ela e sim uma grande equipa de comunicação contratada só para o efeito", continua.

Quando ao tipo de publicação, Marco Gouveia diz que, à superfície, pode ser a partilha de um simples relato sobre algo que lhe correu mal durante o dia — para que depois possa servir como "mensagem política que exija e prometa mudanças significativas na vida de quem votar nela."

Mas o especialista também não descura o LinkedIn, rede que, não tem dúvidas, Cristina Ferreira deveria apostar.

A explicação? "Não só devido ao alcance orgânico das suas publicações, mas também porque é lá que ela poderia chegar a organizações privadas e públicas, decisores nacionais ou internacionais e outras pessoas com um elevado nível de conhecimento."

Uma corrida entre Marcelo Rebelo de Sousa e Cristina Ferreira? Improvável

Um cenário entre Marcelo Rebelo de Sousa e Cristina Ferreira é bastante improvável segundo os especialistas ouvidos pela MAGG. Muito porque a popularidade do atual Presidente da República continua com níveis elevados.

É essa a opinião de Marco Gouveia que admite que, no caso de uma candidatura às próximas presidenciais, "Cristina Ferreira poderia não ganhar". Rui Calafate concorda e tem dúvidas de uma vitória, até porque considera "Marcelo imbatível por este ter um lado muito forte de Cristina Ferreira", no que à popularidade diz respeito.

créditos: Revista Cristina

Sofia Lage Fernandes, estratega de comunicação política, reforça a ideia.

"O mais provável será ela esperar e não candidatar-se agora porque, no fundo, Cristina Ferreira é uma estratega e ainda terá muitos anos de vida e oportunidades de se candidatar ao cargo. Uma corrida contra Marcelo Rebelo de Sousa não seria inteligente. Talvez esperasse pelas próximas nas quais, possivelmente, iria correr contra Marques Mendes que parece estar a fazer o mesmo percurso de Marcelo Rebelo de Sousa antes de ganhar as eleições", explica.

Alda Magalhães Telles também tem pouco confiança na hipótese de Cristina Ferreira concorrer contra Marcelo Rebelo de Sousa, adiantado que seria possível ter alguma votação — ainda que pouco expressiva.

"Dificilmente Cristina Ferreira teria uma expressão significativa nas urnas porque as boas características dela, também são as de Marcelo. Além disso, ele é homem e isso, na sociedade portuguesa, ainda é um ponto a favor. Também não podemos esquecer que ele tem experiência e ele não", defende.

E conclui: "Dificilmente passaria dos 10% nas urnas. Enquanto sociedade, ainda estamos muito longe de eleger pessoas só porque são celebridades e simpáticas. Ainda não estamos aí."

Nas últimas sondagens da Intercampus, realizadas em fevereiro para o "Correio da Manhã" e para o "Jornal de Negócios", Cristina Ferreira já surgiu nas intenções de voto dos portugueses para as Eleições Presidenciais — conquistando apenas 2.4% das preferências.

No primeiro lugar das preferências está Marcelo Rebelo de Sousa que lidera com 58.5% das intenções de voto. Atrás ficou André Ventura (9,3%), Ana Gomes (8.8%), Marisa Matias (4,6%), Jerónimo de Sousa (2.6%) e Cristina Ferreira (2.6%).