Mafalda Fonseca, hoje com 28 anos, cresceu nos anos 90, em pleno apogeu das famosas princesas da Disney. Enquanto brincava com as amigas, disse que queria ser Aurora, personagem do conto “Bela Adormecida”. Lembra até hoje aquele que foi o primeiro comentário em relação ao seu corpo. “A minha melhor amiga disse-me: ‘ Não podes ser a Aurora porque as princesas não são gordas’”, conta à MAGG. “Nunca tinha pensado nisso.” Foi crescendo a achar que era diferente, porque sistematicamente lhe diziam que não cumpria o padrão. A sua adolescência foi marcada pelo bullying, que várias vezes resultou em agressões físicas. “Simplesmente por ser gorda.”

Catarina Sousa, 22 anos, não teve problemas com os seus pares, mas sabe bem o que é ouvir comentários em relação à sua imagem. Há até um episódio relativamente recente: no dia em que foi operada às amígdalas, levou a anestesia e as últimas palavras que ouviu foram: “O que é que estás aqui a fazer? Vais pôr uma banda gástrica? Bem que precisavas”. Eram as enfermeiras. Acordou assustada e perturbada, ainda com a conversa a ecoar-lhe aos ouvidos. Não era, no entanto, a primeira vez que profissionais de saúde teciam comentários semelhantes. “Pessoas que trabalham com pessoas, principalmente médicos e enfermeiros, têm de ter mais empatia.”

“Essas pessoas são as mesmas que dizem que os gordos têm de correr, mas que depois são contra o facto de as marcas terem roupas para eles. A Nike lançou uma linha plus size e as pessoas dizem que é uma promoção à morte e doença. Mas como é que querem que os gordos treinem? Nus?”.

Catarina Corujo, 32 anos, já fez todo o tipo de dieta restritiva, aquelas a que popularmente se dá o nome de ioiô. Como resultado, perdia o peso e depois voltava a engordar. Foi o que aconteceu em 2008, ano particularmente conturbado em termos emocionais. Ganhou mais quilos do que aqueles de que se tinha livrado e começou a rejeitar o seu corpo. Evitava espelhos, passava o dia a chorar. Chegou a maltratar a barriga para ela desaparecer. “Foi uma época complicada. Evitava qualquer vida social. Estava muito isolada.”

Apesar de as três histórias ocorrerem em tempos e espaços diferentes, cada uma será capaz de identificar aquilo que as outras sentiram. É que também Mafalda passou por dietas restritivas, também Catarina Sousa se recusou a sair de casa e também Catarina Corujo sabe o que é ouvir comentários depreciativos em relação à sua forma física. As três sabem o que é crescer com o ónus colocado nos seus corpos.

Mas calma. Estas não são histórias com finais infelizes. Bem pelo contrário. De diferentes formas, com estratégias distintas, trabalho emocional intenso e com o aumento da convicção de que uma pessoa não é um corpo — e de que todas as formas são válidas e merecedoras de respeito — as três mulheres percorreram um longo caminho e são hoje figuras com milhares de seguidores no Instagram. Sem recurso a truques de edição, de lingerie, biquíni, calções e crop tops mostram-se sorridentes, alegres, sexy, exatamente como são e refletem sobre os estereótipos de beleza. Lutam contra a gordofobia. Abraçam a causa da igualdade, da aceitação e da inclusão.

Chamam-lhe o body positivity, mas Catarina Corujo, que hoje é modelo plus size, prefere falar em body neutrality. Isto porque nem tudo tem de ser positivo. Nada é absolutamente cor de rosa e, assim, também a relação com o corpo não é estanque. Acreditar nisso é, aliás, um obstáculo à aceitação. “É normal haver dias menos bons no meio de um processo de positivismo”, diz. “A ditadura do positivo não é uma projecção real do dia a dia das pessoas.”

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Catarina Corujo

No seu caso, depois de vários anos a lutar contra as oscilações de peso e a enfrentar a compulsão alimentar, quis o destino que um livro da autora britânica Melissa Wells lhe fosse parar às mãos. Chama-se “The Goddess Revolution: Food and Body Freedom for Life” e reflete sobre todos estes pontos que são agora a causa das três instagrammers. “Afinal podia pensar de outra forma e não estar numa constante rejeição, a querer mudar-me com base no ódio.”

Depois do livro, juntou-se à academia criada pela autora, que tinha como objetivo tratar a relação tóxica com o corpo e com a comida. Foi neste contexto que participou na Self Love Week, que incluía uma série de desafios para o desenvolvimento do amor próprio, e que foi o pontapé de saída para o trabalho que hoje desenvolve no Instagram. Paralelamente, a modelo plus size, que já fez capa da revista “Cristina”, preparava-se para ser submetida a uma operação bariátrica, para diminuir o tamanho do seu estômago. O seu IMC não a tornava uma candidata, não tinha nenhum problema de saúde. Hoje consegue ver que queria fazê-lo pelos outros — e não por si.

“Conheci uma pessoa, que hoje é muito minha amiga, que tinha lidado com a bulimia e que já tinha uma filosofia mais desenvolvida em relação ao corpo. Ela questionou-me o porquê de eu querer fazer aquilo ao meu corpo”, conta. “Era o meu último recurso, porque estava cansada que as pessoas estivessem sempre a falar do meu corpo. Era o último recurso para agradar aos outros.”

Desmarcou a consulta e optou por outra via. “Comprometi-me a curar o que tinha cá dentro e comprometi-me a mudar os meus comportamentos.”

“Eu não estou gorda, eu sou gorda”

Entretanto, é nesta Self Love Week que publica, pela primeira vez, uma imagem em que não tenta esconder o seu corpo. Era um dos desafios. “[a fotografia] Gerou muita conversa e eu percebi que as minhas amigas, que tinham um corpo completamente padrão, sentiam-se muitas vezes exatamente como eu. O ódio pelo corpo é transversal. Não são só as pessoas gordas que o sentem.”

Foi assim que, gradualmente, a sua conta pessoal de Instagram se transformou. De partilhas relacionadas com momentos banais do dia a dia, de imagens com ângulos meticulosamente medidos e calculados para se esconder, Catarina Corujo passou a defender a causa da igualdade e da aceitação. Em publicações realistas e reflexivas, partilhas relatos das situações que foi vivendo, das coisas que foi sentindo e do processo que continua a atravessar.

Costuma dizer-se que quando se dá amor se recebe amor de volta. Catarina Corujo confirma: a maioria das mensagens que recebe pelo trabalho que tem vindo a desenvolver são positivas. Mas não esquece dois episódios em que foi acusada de estar a promover a obesidade.

“Houve um profissional do fitness que utilizou a minha fotografia para fazer um alerta sobre como a obesidade era uma doença, sobre como as pessoas obesas iam morrer e sofrer ataques cardíacos. Isso foi algo que mexeu muito comigo”, conta. “Essas pessoas são as mesmas que dizem que os gordos têm de correr, mas que depois são contra o facto de as marcas terem roupas para eles. A Nike lançou uma linha plus size e as pessoas dizem que é uma promoção à morte e doença. Mas como é que querem que os gordos treinem? Nus?”.

“Quando somos desrespeitados pela aparência e tamanho, passamos a acreditar que ficar magra nos resolve os problemas.”

Para Catarina Corujo esta tese é um “estigma moralista”. Há pessoas gordas que fazem vidas saudáveis e pessoas magras que têm péssimos hábitos. “Não há nenhum gordo que não saiba os riscos da obesidade. Não acho que seja produtivo as pessoas estarem a diabolizar um gordo só porque ele quer tenta ter uma vida normal. Um gordo não faz a promoção da obesidade se aquilo que promove são fatores que contribuem para uma vida mais equilibrada, física e mentalmente.”

A repressão de pessoas com o excesso de peso, a limitação de visibilidade a que são submetidos, e defini-los de acordo com as suas formas são maneiras de discriminação. São críticas destrutivas. São manifestações de gordofobia, refletidas tanto na atitude do personal trainer de que Catarina Corujo, como nas histórias de Mafalda Fonseca ou Catarina Sousa.

E é por existir este estigma que, ao contrário do termo “magro”, usar a palavra “gordo” causa desconforto. Mas Corujo não tem problemas nenhuns: “Eu não estou gorda, eu sou gorda. É uma característica minha. Se toda a gente o vê, porque é que não o posso dizer? Se nos libertarmos desta conotação negativa, libertamo-nos de tudo o que ela nos condicionou.”

"Sentia-me gozada e sexualizada. Sinto que não tive espaço para ser uma criança.”

Durante muito tempo, Mafalda Fonseca achou que ela é que tinha a obrigação de caber na roupa. E não o inverso. Mas foi quando integrou a equipa da loja de lingerie Dama de Copas que percebeu que não. Eram as peças que lhe tinham de servir.

“Comecei a ter contacto com mulheres todos os dias a fazer consultoria de lingerie e começou assim a minha jornada de amor próprio”, conta. Corrobora a ideia de Catarina Corujo: “Apesar de sermos todos diferentes, somos todas iguais e temos as mesmas inseguranças. Via clientes a falar sobre si de uma maneira nada simpática e percebi que eu fazia o mesmo.”

Nesta altura, a marketeer — que hoje dá pelo nome de My Favourite Milk Shake no Instagram — ainda era estudante. Ao longo de vários anos, e como tantas outras mulheres, foi acumulando ideias sobre aquilo que era um corpo perfeito. Sentia-se excluída desse padrão. “A minha adolescência e o início da idade adulta foram muito complicadas, por causa da minha relação com o corpo”, conta. “Desde criança que sentia que era diferente.”

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Mafalda Fonseca

Cresceu com mais peso que os seus colegas. “Como cresci gordinha, era muito gozada por ser gorda, sofria de bullying simplesmente por ser gorda. Eu acabava mesmo por ser muito abusada, agrediam-me fisicamente.”

Paralelamente, o seu corpo desenvolveu-se mais rapidamente do que o das outras raparigas. “Tive maminhas com dez anos, nesta altura já usava soutien. As minhas ancas também eram mais largas.” As professoras notavam e comentavam: “Lembro-me de me dizerem que eu era uma mulherzinha em ponto pequeno.”

Por mais inocente que possa parecer, a realidade é que a junção destes comentários, destes dois estereótipos, constituíram um cocktail explosivo para a sua autoestima. “Sentia-me gozada e sexualizada. Sinto que não tive espaço para ser uma criança.” Começou a andar curvada, “sempre a esconder o peito.” Sentia-se inferiorizada face às amigas, “todas elas magras.”

No sétimo ano, ao trocar de escola, decidiu que queria mudar. Queria o “fresh new start”, fazer um reset, ter a oportunidade de sentir-se incluída, de sentir-se "normal". Para isso, pensava, precisava de ser como os outros. “Decidi que ia fazer dieta, o que na minha cabeça, por não estar a ser acompanhada, significava não comer nada praticamente”, conta. “Quando somos desrespeitados pela aparência e tamanho, passamos a acreditar que ficar magros nos resolve os problemas.”

Levou a sério a expressão "fechar a boca" e começou a treinar. Não para se sentir bem ou saudável. Apenas para ver os quilos da balança a diminuírem. “Fazia exercício físico que nem uma louca. Fechava-me na garagem dos meus avós três ou quatro horas por dia. Não tinha coragem de ir fazer aquilo para a rua sequer.”

“Portugal está mesmo muito atrasado face a outros países. Sinto que as marcas, quando querem trabalhar connosco, é mais por uma questão de marketing do que de princípio”

Emagreceu, foi para a escola nova e os familiares e amigos comentavam o seu novo peso. Cumpriu o seu objetivo, mas nasceu um problema. “Comecei a desenvolver um distúrbio alimentar, com períodos de dietas altamente restritivas e outros de compulsão alimentar, de grande voracidade”, conta. “Ou não comia quase nada ou comia tudo.”

A psicóloga que a acompanhava na altura explicou-lhe que sofria de compulsão alimentar — o mesmo problema relatado por Catarina Corujo e Sousa — com alguns episódios bulímicos. Enquanto tentava ficar magra, o seu estado de saúde ia piorando. “Era durante o meu período das dietas restritivas que apresentava as análises mais problemáticas. Foi quando tive o meu primeiro colesterol fora dos parâmetros normais.”

Como as outras duas instagrammers, Mafalda Fonseca hoje aposta num tipo de alimentação intuitiva, que passa por percebermos quando é que temos fome, quando é que estamos cheios, que alimentos é que vão nutria o corpo, sabendo distinguir a fome emocional da física.

O trabalho na loja Dama de Copas foi fundamental para chegar até aqui, mas tão ou mais importante foi o acompanhamento psicológico em reeducação alimentar. “Eu digo sempre isto às pessoas: podem ler muito, procurar muito material com o qual se identifiquem, casos de sucesso, de amor próprio, porque também eu o fiz e o impacto é positivo. Mas acima de tudo, quando uma pessoa se vê confrontada com este tipo de problema de saúde é preciso ter um bom acompanhamento profissional por parte de uma psicoterapeuta formada em reeducarão alimentar. Quando uma pessoa passa por estes desequilíbrios é preciso haver reeducação para se ter uma vida saudável e sustentável.”

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Mafalda Fonseca

Deixou de se forçar a ir ao ginásio, apaixonou-se pelo muay thai, e conseguiu separar o desporto do emagrecimento. “Antes estava atenta ao número de exercícios que fazia, às calorias que queimava. Agora sinto que estou lá porque me faz sentir bem e não pelas mudanças ou manutenção do corpo.”

Curiosamente, viu as suas formas a mudar. “Eu já treinava há quase um ano quando de repente olhei para o espelho e vi que tinha uma linha definida no braço. Notava-se o músculo, o que nunca tinha acontecido. De repente, o meu corpo estava diferente”, conta. “Notam-se as alterações, mas isso não tem o mesmo peso que antes tinha.”

Foi em 2015, quando participou num concurso de lingerie organizado pela Curvy Kate, que partilhou as suas primeiras imagens mais exposta. “Foi difícil, era um desafio, mas eu sabia que isso tinha um intuito que era o de lidar melhor com o meu corpo”, diz. “Fui-me habituando. Comecei a sentir-me mais confortável comigo mesma. Olhava para mim e deixei de apontar defeitos ou a inúmerar coisas que queria mudar. No final, acabou quase por ser terapêutico.”

Hoje dá palestras sobre positivismo corporal e sobre gordofobia, temas sobre os quais fala no seu Instagram, onde também se dedica a reviews de lingerie e fatos de banho plus size. “Passei de uma miúda que andava meia torta e encolhida para assumir as minhas curvas, tamanho e corpo”

“Sou gorda, não tenho colestrol, não tenho diabetes, todos os anos faço exames, não tenho problemas de saúde”

Foi há cerca de três anos que Catarina Sousa, hoje com 22 anos, partilhou a sua primeira fotografia no Instagram. Pensou dias se o haveria de fazer e, ao carregar no botão partilhar, largou o telemóvel e não quis olhar mais para ele, tal eram os nervos. Foi dormir e acordou com uma grande surpresa: tinha 11 mil gostos e 800 comentários. A publicação já andava pelo Twitter.

Hoje já não pensa tanto antes de publicar. Até porque abraçou a causa de ajudar quem sente aquilo que ela, até há bem pouco tempo, sentiu. “Agora, não tenho problema em publicar imagens de biquini. Existem muitas pessoas presas aos complexos e, como há poucas pessoas a falar nisso, é importante haver alguém que mostre e discuta estes temas”, diz. "Alguém que é gordo ou inseguro vai ver a fotografia e pensar: isto é possível, esta pessoa consegue, porque não é que eu não hei-de conseguir? Deixa-me muito feliz saber que posso ajudar pessoas a iniciar o seu próprio processo de aceitação.”

Mais conhecida por Cubana, alcunha que lhe foi atribuída por um antigo professor de lançamento de peso, a rotina mais frequente de publicações aconteceu anos depois de ter criado um blogue de aceitação, “Fat but Gorgeous”.

Aqui desabafava sobre tudo aquilo com que, ao longo da vida, teve de lidar. “Passei a adolescência com muitas inseguranças, tive uma conturbada relação com a comida, com a minha imagem, e na altura decidi começar a escrever sobre a minha experiência.”

Os seus escritos começaram a fazer sucesso e depois fez a tal partilha no Instagram. Mas pouco tempo depois, afastou-se destes meios. Por circunstâncias da vida, começou a ficar em baixo e a isolar-se. “Deixei mesmo de conseguir fazer pequenas coisas, porque não me sentia bem comigo mesma. Tinha medo que as pessoas estivessem a olhar para mim ou a reparar na minha barriga ou nos meus braços. Sei hoje que olham, mas que isso não quer dizer que estejam a fixar. Na minha cabeça as pessoas estavam julgar-me.”

“Isto é tudo um processo. Se na adolescência tivesse percebido isso, talvez me tivesse libertado mais cedo daquela bola negativa."

Cubana via-se e rejeitava-se. “Olhava-me ao espelho e não gostava do que estava a ver. Fui-me completamente abaixo. Não podia ser falsa com o meu público”. Foram necessários cerca de dois anos para se voltar a libertar. E foi necessário surgirem na sua vida outras pessoas do meio plus size. “Comecei a encontrar-me um bocadinho, comecei a ter confiança em mim. Comecei a perceber que não podemos deixar de fazer coisas por causa do corpo.”

Foi, aliás, com Catarina Corujo que conseguiu fazer, pela primeira vez, trocas de roupa entre amigas. “Nós vestimos o mesmo. Antes mexia muito comigo aquela coisa de ir dormir a casa das colegas e de nunca haver nada delas que me servisse."

Este ano ainda não prescindiu de nenhuma ida à praia. E, tal como Mafalda e Corujo, é ativista contra a gordofobia, é defensora da igualdade e da inclusão. "Sou gorda, não tenho colestrol, não tenho diabetes, todos os anos faço exames, não tenho problemas de saúde. Tive que começar a ver as coisas desta forma. Não há nada que, de facto, me impeça de viver as coisas do meu dia a dia.”

A mensagem que passa é simples e vai ao encontra da ideia das outras duas influencers plus size. “Está tudo bem em não estar tudo bem. Podemos num dia estar ótimas e no outro dia pode dar-nos alguma coisa na cabeça e fecharmo-nos”, conta. “Isto é tudo um processo. Se na adolescência tivesse percebido isso, talvez me tivesse libertado mais cedo daquela bola negativa."

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Catarina Sousa

Faz questão de frisar: fala para toda a gente. A sua mensagem é para todo o tipo de peso e de corpo. “Toda a gente tem inseguranças, seja com estrias, celulite. Temos de aceitar as nossas diferenças e as dos outros. E temos de respeitar a forma como cada pessoa se sente.”

Cubana ressalva ainda que promover aceitação não é promover comodismo. “Eu neste momento sou gorda, mas amanhã posso acordar com vontade de emagrecer 20 quilos. Aceitar o meu corpo gordo hoje faz com que eu viva aquilo que antes deixava de viver. Faz com que eu viva feliz até ao dia em que, se me apetecer, queira perder os quilos que quiser.”

As marcas acabam por incluir um gordo, um negro e um gay para ficar bem"

As três instagrammers são contactadas por marcas, como acontece a outros influencers. Mas fica a dúvida no ar. Será que a indústria se está, de facto, a tornar-se mais inclusiva? Ou será que estão, simplesmente, a capitalizar esta causa?

“O body positivity é um assunto que está muito na moda e que está a ser muito capitalizado, porque as marcas já perceberam que é um tema que vende”, considera Mafalda Fonseca.

Isto acontece sobretudo no mercado português. “Portugal está mesmo muito atrasado face a outros países. Sinto que as marcas, quando querem trabalhar connosco, é mais por uma questão de marketing do que de princípio”, diz Catarina Sousa. “Fala-se cada vez mais sobre temas como o racismo, o inclusão do corpo. As marcas acabam por incluir um gordo, um negro e um gay para ficar bem, para dizerem que lá está. Mas a forma como abordam os assuntos e expõem as situações é absolutamente superficial. Põem só os bonecos, mas não lhes dão voz.”

É o chamado “tokenism”, como diz Mafalda Fonseca. Os sinais estão nas incoerências: marcas que contratam instagrammers plus size para mostrar um modelo de roupa, mas que não têm coragem para publicar a fotografia no feed de Instagram, reservado só para os corpos magros. Marcas que publicitam roupas XXL, que não servem a quem de facto veste um XXL. Mais: a falta de consideração pela existência de pessoas que têm corpos maiores, com necessidades de números maiores e que nem sempre se querem vestir com “roupas da avó”, como lhes chama Catarina Sousa.

Além disso, há uma espécie de segregação. Influencers plus size só trabalham produtos plus size. São excluídas de qualquer campanha ou parceria que inclua produtos que não dependem das formas ou do peso.“Reduzem-nos às marcas de tamanhos grandes. Quando seria absolutamente normal termos uma blogger plus size a trabalhar com uma marca de maquilhagem, que é uma coisa que nunca acontece”, frisa Mafalda Fonseca. “Sinto que há preconceito em trabalhar com influencers plus size. É muito raro fazerem-nos propostas, o que não faz sentido nenhum porque a mulher portuguesa existe em todas as formas e tamanho.”

De facto, se formos a números, percebemos: um relatório da OCDE, divulgado em novembro de 2019, mostra-nos que faria todo o sentido representar este tipo de corpo e criar mais roupas, modelos e marcas com números maiores. É que 67,6% da população acima dos 15 anos tem excesso de peso.

Ou seja: no mundo real há mais pessoas gordas do que magras. No Instagram é que é diferente.