"Uma pessoa bastante simples". É assim que o guardião da baliza da Seleção Nacional de hóquei em patins se descreve. Natural de Paranhos, Porto, Ângelo Girão prepara-se para, esta segunda-feira, 7 de novembro, cumprir um dos seus maiores sonhos desportivos: jogar no Estádio Aldo Cantoni, a catedral mundial da modalidade.

Portugal começa esta noite a jornada para tentar conquistar o 17.º título de campeão mundial de hóquei em patins. Em San Juan, na Argentina, a equipa das quinas entra pela primeira vez no ringue para defrontar a França. A partida tem transmissão em direto na RTP1 a partir das 22h45.

A MAGG conversou com o guarda-redes da Seleção Nacional de hóquei, que cumpre a sua nona temporada ao serviço do Sporting Clube de Portugal. Do nascer da paixão pela modalidade, por influência do irmão ao namoro com a ex-jogadora de voleibol Matilde Saraiva, Ângelo Girão revelou também planos para o futuro pós-hóquei.

Esperam repetir o feito de 2019 neste Mundial?
Claro que sim! Sabemos que é difícil. A Argentina tem uma geração muito forte, muito boa. Temos sido felizes contra a Argentina porque os eliminámos nas meias finais do Mundial da China. Ganhámos a Taça das Nações, ganhámos o Mundial, mas a seleção argentina é fortíssima. Jogam em casa, no maior pavilhão de hóquei do mundo, onde vão estar cerca de 10 mil pessoas. Ele são malucos, é uma cidade que vive mesmo o hóquei. Vai ser complicado, vamos ter de estar ao nosso melhor nível para conseguirmos ser campeões do mundo.

O Ângelo tem uma carreira longa, com várias conquistas. Ainda vai com nervoso miudinho para uma competição destas?
Vou ser sincero. Esta é a competição que estou mais ansioso por jogar. Diz-se que a carreira de um hoquista só está feita quando se joga no Aldo Cantoni. É o pavilhão mais emblemático do mundo, é a terra mais emblemática do mundo por toda a envolvência. Pela primeira vez, parece que estou a voltar aos tempos de miúdo. Quero muito jogar lá, acho que é o melhor sítio do mundo para o hóquei em patins.

Porquê o hóquei e, em particular, a posição de guarda-redes?
Vem de família. O meu pai era guarda-redes, inicialmente de futebol de 11, depois de futsal e o meu irmão, nada ligado ao hóquei, uma vez foi fazer um treino ao FC Porto, gostou e ficou como guarda-redes. Eu queria ser como o meu irmão, então optei pelo hóquei e por ser guarda-redes.

Há na sua vida uma grande influência do seu irmão? Era o seu ídolo?
Sim! Quando era miúdo, olhava para o meu irmão e queria ser igual a ele. Queria muito ser guarda-redes, em casa brincávamos sempre os dois. Ele foi um bocado um guia no início do meu percurso no hóquei em patins, a corrigir-me, a ajudar-me a melhorar.

O que é que implica, em termos físicos, ser guarda-redes de hóquei em patins? Parece ser uma posição fisicamente tão contra natura...
Isso é um bocado mito. Associa-se muito a posição do guarda-redes de hóquei em patins a estar de cócoras durante duas horas, o que não acontece. Isso era antigamente, em que eles eram obrigados a estar sempre de cócoras. Hoje em dia, na maior parte do tempo em que a bola está do outro lado, ou estou sentado, ou a alongar. Ou seja, estou numa posição confortável, e todo o treino, durante a semana, é em torno desta posição. Ou seja, para mim, é normal.

Há várias vertentes, independentemente do desporto, em que o corpo tem de se adaptar para se ser um atleta de elite. As pessoas dizem 'hey, é um sofrimento, coitados dos guarda-redes de hóquei!', mas não é nada disso. É um mito que criaram, porque a bola é dura, é pequena, porque passamos muito tempo agachados... mas é um mito, só.

O que é que sente quando se vê um grupo de pessoas a vir, em grande velocidade, na sua direção? Porque, ao contrário do futebol, o tamanho de um ringue é muito menor.
(risos) Nem sei responder porque, quando estou em campo, estou tão focado no jogo que nem penso nisso. Muitas vezes, nos treinos, quando há remates de perto, a nossa tendência é fechar e esperar que a bola não bata em nós. Mas durante o jogo não penso em nada disso.

"Quando vou para fora, a Matilde é a primeira a dar-me apoio porque sabe que a vida de um atleta de alta competição é isto"

A carreira de um hoquista pode ser mais longa do que, por exemplo, um futebolista. Quais são os seus objetivos nesse campo? Já pensa num plano B?
Eu estou muito focado em estar bem no Sporting. O meu plano de carreira seria sempre até aos 40 anos, mas claro que já estou a pensar no futuro, com vários planos pós-hóquei porque o amanhã é já a seguir. Tenho 33 anos, tenho mais três de contrato com o Sporting. Quero já planear para estar preparado para o futuro pós-hóquei.

Quais são esses planos?
Tenho algumas ideias de negócios em que me baseio muito naquilo que os meus amigos me têm vindo a ajudar a fazer e que pode ser bom para ambas as partes. Dado que agora vem por aí uma crise, ver o que pode acontecer.

Tendo em conta que o hóquei é a modalidade em que Portugal já conquistou mais títulos internacionais, considera que é feito pouco para promover o desporto?
Acho que o hóquei perdeu para o futsal, muito por causa do que o futebol arrasta em relação ao futsal. O futsal é uma modalidade que está dentro da Federação Portuguesa de Futebol e, a partir desse momento, todo o marketing e todo o poderio que o futebol tem é arrastado para o futsal. Temos de aceitar. É bom para Portugal, porque o futsal tem estado a um nível altíssimo e esperamos que continue assim.

Em relação ao hóquei, a federação tem feito um trabalho muito forte, mas é preciso chegar a mais sítios, é preciso haver ajuda dos intervenientes em relação às regras para que se torne o hóquei mais atrativo e não tão polémico, e é preciso que haja interesse de parceiros com retorno económico para que se torne o hóquei num espetáculo e não só um jogo. Eu confesso que a federação tem feito um trabalho excelente na procura por parceiros que possam viabilizar essa parte do entretenimento e, a nós, atletas, que façamos essa parte dentro do ringue.

Fez uma curta participação na novela "Festa é Festa", onde havia um clube de hóquei. Acha que teve um impacto positivo no que toca a difundir a modalidade?
O impacto foi bom. O hóquei acabou por ir ao programa da Cristina Ferreira. Tudo o que seja para a promoção do hóquei em patins é muito bom e toda a gente fica a ganhar com isso. A participação no "Festa é Festa" foi um convite da Cristina Ferreira, que eu aceitei prontamente. Fiquei, em primeiro lugar, muito contente por ela se ter lembrado de mim para participar na novela e, depois, que tivessem escolhido o hóquei em patins como uma modalidade enraizada na nossa cultura.

Via-se a fazer televisão no futuro?
(risos) Não, não. Não tenho jeito e aquela participação foi sintomática disso!

Quando se participa numa competição como o Mundial, sobretudo num fuso horário tão diferente, como é que se gere a distância da família e da namorada?
É uma parte difícil de gerir, mais com a namorada. Estamos 12 dias na Argentina, é preciso encontrar a melhor maneira, mas as saudades são muitas. A pior parte destas competições é essa. O preço das viagens também é muito alto, é quase impossível para os atletas terem a companhia das namoradas ou das mulheres aqui.

Numa relação são sempre precisas cedências de parte a parte, mas quando se namora com um atleta de alta competição, ainda mais. Quando começou a namorar com a Matilde, isso foi logo falado?
A Matilde também jogou voleibol, percebe que há coisas que não dá para controlar e que fazem parte do desporto. Ela é a primeira e incentivar-me a estar bem e a fazer com que eu não me sinta mal ou com saudades. Quando vou para fora, ela é a primeira a dar-me apoio porque sabe que a vida de um atleta de alta competição é isto. Somos uma equipa e vamos fazer para que as coisas corram bem.

O que é que gosta de fazer quando não está a treinar ou a jogar?
Eu sou uma pessoa muito ligada ao desporto. Gosto de surfar, de jogar padel. Sou uma pessoa normal extra-hóquei. Gosto de ir, ao final da tarde, tomar um café com os meus amigos. Sou do Porto, a maior parte é do Porto, tenho pena de não os ter tão perto. Gosto imenso de conviver, sou uma pessoa bastante simples fora do desporto, que gosta de coisas normais.