Guilherme Geirinhas, 33 anos, é humorista e lançou no final do ano de 2023 a série de ficção com contornos biográficos “Vai Correr Tudo Bem”, no Youtube, que conta com a participação de nomes como Joana Marques, Teresa Guilherme, Ricardo Araújo Pereira e Pedro Teixeira da Mota e onde abordou temas como ansiedade, ataques de pânico e a doença POC [Perturbação Obsessiva Compulsiva].

Rita Pereira adiou o sonho de ter um segundo filho para aceitar projeto no Brasil
Rita Pereira adiou o sonho de ter um segundo filho para aceitar projeto no Brasil
Ver artigo

Guilherme conduz o “ADN de Leão”, o podcast do Sporting Clube de Portugal, e o seu último solo de stand up comedy foi o “Modo Voo”, em 2018, altura em que percebeu que estava cansado de fazer piadas sobre problemas que não tinha. No Youtube, tem o canal “Coisas Chatas com Humor”, que combina humor com literacia, mas parou esse projeto para se focar na série.

À MAGG, conta como surgiu o projeto “Vai Correr Tudo Bem” e quais são os seus objetivos profissionais, revela qual foi o seu episódio preferido do “ADN de Leão” e conta como está a ser a sua jornada da paternidade, tendo sido pai de Vicente há cerca de um ano, fruto da relação com a médica Margarida Santos.

Leia a entrevista.

Lançou o primeiro episódio da série de ficção com contornos biográficos “Vai Correr Tudo Bem” a 26 de novembro e já saíram os cinco episódios. Antes demais, como surgiu esta ideia e como foi pô-la em prática?

A séria fala de coisas que eu vivo e, portanto, aquilo que eu tinha mais propriedade para dizer eram coisas que me aconteciam e não coisas que eu via a acontecer às outras pessoas. Achei que fazia sentido. Consegui também uma série de pessoas que alinharam nisto e que tinham muito talento, muito mais do que eu, e que fizeram todo o sentido para que isto fosse caminhando para ser uma série de ficção semi-autobiográfica. Agora estou a adotar uma designação que vi já não me lembro onde, mas alguém disse que isto era uma tragicomédia e eu a partir de agora digo sempre que isto é uma tragicomédia, porque acho que fica bastante bem dizer isso.

Acho que não estava pensado de raíz, isto no fundo vai-se descobrindo ao longo do tempo o que é que a coisa vai ser. Inicialmente eu não sabia o que isto era, só sabia que tinha coisas para dizer sobre estes assuntos, sobre alguns medos que tinha, e ao longo do tempo fui descobrindo a fórmula. E a fórmula deu nisto. 

Quanto tempo demoraram as gravações? Foi o Guilherme que esteve por detrás de tudo (acting, ideia, edição)?

Já foi gravada há algum tempo. Na verdade, o primeiro dia de filmagens foi em fevereiro de 2022 e o último foi em, se não estou em erro, outubro ou novembro de 2023, mais recentemente. O que mostra o pouco profissionalismo que há nisto, porque nós três semanas antes de lançar estávamos a gravar a primeira cena da série. Não sei, no fundo é como aquela apresentação oral em que nós planeamos tudo na véspera, acho que nos dá algum profissionalismo também. Esse improvisar tem coisas boas também.

No fundo, a minha tarefa foi... no futebol há box-to-box, que faz as ligações entre as várias zonas do campo, que foi o que eu fiz. Isto se calhar é uma desculpa para quem não faz nada e depois arranja este termo, não é? (risos) No acting, é demasiado ambicioso dizer que eu sou ator, portanto sim, como ali estava a fazer de mim próprio era mais fácil. Na escrita tive o Rogério Casanova, na produção houve uma equipa muito grande, na realização também houve uma equipa bastante grande, em todos os departamentos.

Se calhar aqui a minha tarefa foi que tudo soasse ao mesmo. Fazer uma série com tantos departamentos, o desafio, vá, do autor, do criador, é garantir que tudo está a soar ao mesmo e que não há uma parte de “Manhattan” do Woody Allen e outra que é o “Drácula” e outra que é “O Leão da Estrela” e outra que é o “Harry Potter”. Não, tem que soar tudo ao mesmo, essa identidade tem que vir de algum lado. O desafio foi esse, foi ter uma identidade e não parecer uma colagem. Muitas vezes, quando há coisas tão grandes, de estúdios, por exemplo, da Marvel e isso, nós vemos e percebe-se que houve várias cabeças a pensar e às vezes uma ideia levou muita pancada.

Aqui acho que é uma equipa grande para o contexto sobretudo do Youtube nacional, sem dúvida, mas as vantagens de ser uma equipa pequena é que são poucas cabeças a pensar. Cabeças a pensar são assim umas quatro ou cinco. Quando aprovávamos os episódios éramos umas quatro ou cinco pessoas. Depois há mais pessoas a operar no terreno. Há pessoas a puxar cabos, há pessoas a apontar câmaras, a trocar roupa, a pintar caras, a pentear pessoas, a dizer falas, a escrever coisas, mas tudo isso na operação depende sempre de muito pouca gente neste contexto, portanto é muito mais fácil as coisas baterem certo.

Várias figuras públicas participaram no projeto, de Joana Marques a Ricardo Araújo Pereira, Teresa Guilherme ou Pedro Teixeira da Mota. A série foi pensada já com estas confirmações?

A ideia nunca foi: ‘olha temos de ter uma coisa com esta pessoa’. Nós criámos a história, depois havia determinadas pessoas tipo a Joana Marques, Pedro Boucherie, Rui Pedro Tendinha, Fernando Alvim e o Luís Pedro Nunes, em que neste segmento fazia sentido que estivessem pessoas notáveis, vá, da área, porque aquilo eram pessoas que quase estavam a fazer um endorsement da personagem com quem eu me estava a comparar que era o Diogo Batáguas, e fazia todo o sentido que fossem pessoas que já tivessem um programa, um crítico de cinema, um radialista muito conhecido, um humorista com muito sucesso. Se fossem pessoas sem essa notoriedade o Guilherme da série não iria levar tão a sério, porque o que lhe interessava mais aí era a opinião dos pares.

O Ricardo Araújo Pereira serve um determinado propósito e claro que é uma honra tê-lo a fazer isto. Realmente só podia ser o Ricardo ali, mas nenhuma participação foi escolhida a pensar: ‘vamos fazer qualquer coisa para esta pessoa e depois logo decidimos o que é’. Não, foi ao contrário, primeiro decidimos o que queremos fazer e depois que pessoa é que serve melhor isto.

Como está a ser o feedback da série?

Fica-me um bocado indelicado estar a dizer (risos). Acho que as pessoas estão a gostar, não sei, vou ao Letterboxd [rede social de partilha de opiniões sobre filmes] ver e tem boas críticas. O meu barómetro é o Letterboxd, é a minha família, são os comentários no Youtube e acho que há muitas mais coisas positivas que se tem dito do que negativas. Se eu ligo muito mais às negativas? Obviamente, mas não têm sido assim tantas, felizmente. Estou muito contente, acho que fizemos uma coisa de autor e lá está, não estou a dizer que é só da minha cabeça, ou seja, teve várias pessoas a pensar nisto, saiu uma coisa que não é um produto reciclado, não tem uma estética que já foi vista várias vezes. Conseguimos isso, conseguimos criar uma coisa de raiz que tem a nossa identidade e as pessoas reconhecem isso nas críticas.

O feedback mais interessante e o que eu gosto mais de ler são as pessoas que interpretam coisas que eu não pensei. Por exemplo, na Letterboxd há pessoas a dizer que esta última cena representou uma determinada coisa que não tem nada que ver com aquilo que eu pensei, mas faz sentido. Isso para mim é giro. Muitas vezes o comentário limita-se muito, sobretudo no Youtube, a miserável ou génio e se calhar esta série conseguiu trazer interpretações, coisas com mais de cinco parágrafos. Quando há uma crítica com mais de cinco parágrafos já alguém pensou sobre o assunto e se calhar durante mais tempo do que eu acharia que alguém ia pensar. Esse é o melhor feedback, quando uma pessoa elabora uma teoria, escreve uma coisa assim mais densa em que pensou, se calhar pessoas que me levam demasiado a sério do que o que eu achei para a série, outras que acham que eu não me levei nada a sério e até menos do que o que eu queria levar. Essa pluralidade de interpretações para mim é a melhor parte, porque estão a pensar coisas que eu nem sequer tinha no guião. Isso é muito giro.

O Guilherme revelou numa entrevista que o investimento foi de mais de 100 mil euros e que acha importante começar a falar-se de valores. Porquê?

A grande vantagem de se falar de valores é que não há corrupção, porque as pessoas sabem o valor que foi investido, veem o que está feito e percebem. Se calhar aqui a corrupção que podiam pensar é: ‘como é que eles conseguiram fazer isto com este dinheiro?’, porque é complicado. Mas eu disse isto porque me perguntaram e eu respondi, não há nenhum segredo. O investimento foi por conta própria, tivemos o apoio do [programa] Garantir Cultura e agora também fizemos uma dinâmica com pessoas a contribuírem e que foram creditadas como produtores executivos da série.

Nós nunca desperdiçámos dinheiro, temos muitas coisas que fizemos para conseguir fazer isto desta forma com este dinheiro. Todas as pessoas da equipa técnica entraram como figuração, porque é mais barato usar pessoas que já estão contratualmente ligadas a nós e que já têm amor pelo projeto e não se importam de aparecer lá atrás a mexer num computador ou a segurar numa câmara, usei muito a minha família, que sai mais barato também, e tudo isso são truques para a série. Eu acho que não é: ‘a série custou 100 mil euros’, é: ‘a série só custou 100 mil euros’. Acho que o “só” aí é uma palavra importante, porque eu acredito mesmo que nós fizemos uma série parecer muito mais cara do que o que ela foi. 

Também disse que era “impensável” voltar a fazer “mais disto” da forma que fez. É por isso mesmo

Não é pelo valor. Eu estou muito cansado. Isto é muito cansativo de se fazer. Quer dizer, está indiretamente relacionado. Eu gostava, por exemplo, que a edição não dependesse só de mim. No final não dependeu, a Margarida, a minha irmã, curiosamente, esteve também envolvida, mas quanto mais dinheiro houver mais eu posso delegar coisas e não concentrar tudo em mim, porque há coisas que eu fiz mesmo por recurso de não termos valor. Na edição toda, eu acho que é importante ter alguém a fazer o alinhamento dos brutos e a fazer o primeiro editing, ou seja, no fundo fazer uma coordenação de edição e conseguir delegar. Mesmo na direção de atores, quando não estou em cena fiz a direção de atores, mas quando eu estou em cena eu gostava de ter alguém que me dirigisse. Poupa-se muito tempo nestas coisas e, portanto, é mesmo uma regra de três simples. Tempo é dinheiro e quanto mais dinheiro tivermos mais pessoas consigo ter a ajudar-nos a fazer. Desta forma é muito exigente e durmo menos horas, nascem mais cabelos brancos, a minha família passa menos tempo comigo... Acho que é importante conseguir numa segunda temporada, se houver, fazer isto melhor.

"Fazer uma série é perder totalmente o controlo das coisas e é ter de confiar"

Na série aborda a doença POC [Perturbação Obsessiva Compulsiva] e partilha que conduzir era bastante difícil para si, porque sentia necessidade de voltar atrás no caminho e até chegou a filmar as suas viagens de carro para se sentir mais seguro. Estas cenas foram exageradas ou aconteceram mesmo na sua vida?

Isso acontecia, sim, mas só temos coragem de falar quando temos um certo distanciamento. Hoje em dia é uma coisa que eu já vejo com alguma distância.

Tem mais exemplos de coisas que fazia, como o lavar os dentes compulsivamente como aparecia na série?

O lavar os dentes foi um exagero de uma certa forma. Tenho muito a coisa dos germes. O lavar os dentes não é exatamente daquela maneira, porque às vezes a criatividade permite-nos também representar o que queremos representar com outros exemplos, porque podemos ser mais criativos. Às vezes estamos tão ligados àquilo e àquela perspetiva da vítima que sofreu imenso e depois não é tão fácil criar. Mas sim, tenho outros exemplos, mas também quero fazer mais temporadas e vender espetáculos e quero guardar esses exemplos para isso (risos).

Em que é que esta doença afeta a sua vida? Tem melhorado? Sentiu necessidade de recorrer a terapia

Tem muito que ver com o medo de perder o controlo das coisas e, portanto, fazer uma série é perder totalmente o controlo das coisas e é ter de confiar num diretor de som ou num diretor de fotografia, porque eu não consigo fazer tudo, ter de ir a entrevistas, e só isso acho que já é pelo menos um apaziguar dessa pressão para não controlar tudo. A partir do momento em que isto está cá fora mesmo está disponível para o escrutínio de toda a gente e podem escrever o que quiserem sobre a série, dizer que está mau, e logo isso é perder o medo e é uma vitória terapêutica. Já faço terapia há muito tempo, há bastantes anos. Não só por isto, mas também pela POC. É onde eu gasto dinheiro, é neste tipo de coisas (risos).

Também aborda ansiedade e ataques de pânico, nomeadamente antes de entrar no palco para uma atuação. Isto é algo que ainda acontece? E como é que lida com isso sendo esta a sua profissão?

Hoje em dia tenho menos. Claro que continua a acontecer, continuo a ficar muito nervoso. Tivemos o "ADN de Leão" ao vivo no Coliseu [dos Recreios, em Lisboa] e é um mês que interfere sempre com o sistema nervoso, mas pronto, uma pessoa habitua-se e depois depende das fases também. Agora com a série estava mais concentrado nisto e se calhar essa ansiedade tinha mais que ver com o julgamento. Acho que isto é comum a todos os artistas. Nós sentimo-nos sempre especiais, mas somos todos iguais. Todos os artistas quando metem uma coisa cá fora, seja um stand up comedian quando vai entrar em palco, agora neste caso o autor de uma série quando vai expor o seu produto às pessoas, vá lá a sua arte, mas não lhe quero chamar assim, ou mesmo um pintor quando está a expor num museu, estão preocupados com o que os outros vão pensar de si e do seu trabalho. Portanto acho que essa ansiedade é normal, se calhar eu não a sabia digerir às vezes antes de entrar em palco, mas com o tempo e com o hábito as coisas melhoram. E estar na série também é sinal de que eu fiz as pazes com isso. As coisas com as quais eu ainda não fiz as pazes não estão na série, essas ainda estão cá e ninguém sabe, e bem. 

Apesar de ser uma série com contornos biográficos, sentiu necessidade de abordar a saúde mental para reforçar a importância deste tema?

Não, estaria a mentir se dissesse que quis fazer isto para falar da saúde mental. Só falei daquilo que eu conheço. Agora, claro que tenho consciência de que falei de um tema que hoje em dia está na agenda. Mas não pensei nisso, falei do que sei. Se alguém se relacionar e conseguir tirar alguma daqui, ótimo. Se calhar até foi uma perspetiva muito egoísta, que foi: ‘isto é aquilo que eu sei sobre mim, deixa-me escrever sobre isto e fazer uma coisa sobre isto’. Mas não foi nada para salvar o mundo nem para falar sobre saúde mental nem para me convidarem para ted talks sobre o assunto.

Desde 2021 que o Guilherme conduz o "ADN de Leão", o podcast oficial do Sporting Clube de Portugal, que é muito elogiado até pelos adeptos de clubes rivais. O que significa para si isso e como é trabalhar neste projeto, também enquanto adepto do clube?

Enquanto adepto é um sonho. Eu sempre tive gamebox, sempre fui ao estádio, via os jogadores à distância e de repente a distância passou desde a bancada até ter só um microfone entre nós. Claro que é um sonho de criança. Por acaso no "ADN de Leão" ao vivo eu perguntei logo isso no início, quem é que lá estava que não era do Sporting, e havia muita gente de outros clubes, sobretudo dos rivais. A minha esperança é conseguir converter as pessoas. Acho que já converti algumas, de vez em quando dizem-me: ‘converti-me ao Sporting por causa do 'ADN de Leão'’. E eu penso: ‘isto realmente foi a única coisa importante que eu fiz’. Aí sim salvei o mundo, aí sim tenho uma agenda. Quantos mais sportinguistas houver mais pessoas vão estar do mesmo lado que eu e, portanto, é ótimo.

Mas eu não tenho nada uma perspetiva bélica sobre o desporto e acho que é saudável haver adeptos de outros clubes a verem o conteúdo, até porque o "ADN de Leão" acabou por se tornar um conteúdo, sempre sobre o Sporting, mas mais sobre os jogadores e os atletas em si e não sobre futebol ou sobre outra modalidade. Eu falei com jogadores de futsal sobre pantufas, é um tema um bocado transversal, não tem que ver sobre se a bola entra ou não entra

De todos os episódios que já fez, quais foram os seus convidados e episódios favoritos? E os menos, consegue eleger?

Isso é muito ingrato, mas eu digo sempre que o contexto também é importante e falo sempre do episódio a seguir a sermos campeões, que fiz com o Paulinho. Esse episódio teve uma leveza, eu fui para lá de megafone e com a cara pintada. É completamente diferente fazer um episódio depois de se ser campeão ou a meio de uma época que correu menos bem ou a meio de uma jornada que empatamos em casa com um clube teoricamente inferior. Tem sempre que ver com o contexto. Trabalhando num clube, eu tenho a plena noção de que o que importa não é o "ADN de Leão", é vencer. Eu próprio, como adepto do Sporting, tenho consciência disso e ficaria muito chateado se a prioridade fosse que o "ADN de Leão" corresse bem. Não, o Sporting tem de ganhar tudo.

O Paulinho também é muito inteligente, tem muita graça, consegue gozar com ele próprio. Normalmente os atletas que conseguem gozar com eles próprios é o mais fácil, porque é suposto ali ninguém se levar a sério. Em regra geral, isso acontece e o Paulinho, especialmente, de todos os atletas que eu entrevistei, foi aquele que gozou mais com ele próprio. Na altura ele marcava poucos golos e ele próprio gozou com isso. Gostei muito desse episódio, por exemplo.

Além do podcast “Sozinho Em Casa”, que criou em 2019, também tem um canal de Youtube, “Coisas Chatas com Humor”, que combina humor com literacia. Parou de publicar vídeos há 1 ano. Planeia voltar?

Parei por causa série, foi o encadeamento normal. Não sei se é um projeto parado ou não, mas depois de fazer isto [a série “Vai Correr Tudo Bem”] acho que o meu percurso vai mais por este caminho e não tanto por aí. Tenho muito orgulho do que fizemos no “Coisas Chatas com Humor”, sobretudo o meu produtor tem muito orgulho porque era um conteúdo mais barato, não era preciso este investimento maluco, só dependia de nós e era uma coisa muito mais fácil de executar. O texto dava muito trabalho, mas depois em termos de realização e de produção era menos ambicioso. Se calhar um arquiteto que constrói uma ponte depois não quer ir fazer um centro comercial outra vez. Se calhar eu agora quero fazer mais pontes, vamos ver. Mas atenção, às vezes há centros comerciais excelentes. Não quer dizer que voltar atrás para fazer o mesmo [é mau], se fizermos bem...

"Eu gostava de conseguir pagar as minhas contas só a fazer séries e filmes"

O seu último solo de stand-up comedy foi o “Modo Voo”, em 2018, que o fez perceber que estava cansado de fazer humor sobre problemas que não tinha. Está nos planos um próximo solo?

Não sei, para já ainda não pensei nisso. O Ricardo, o meu manager, pensa muito mais nisso do que eu. Não sei mesmo. Gostei demasiado de fazer isto [a série] e gostava de só conseguir a fazer isto, mas a questão é que fazendo só isto, por enquanto, perde-se dinheiro. Portanto inevitavelmente terei de fazer outras coisas, mas eu gostava de conseguir pagar as minhas contas só a fazer séries e filmes. Não sei se é possível para já, não sinto que esteja no circuito, que em Portugal é muito pequeno, e que dê para fazer isso. Mas pronto, é um caminho e no que depender de nós também vamos forçar para termos o nosso lugar. Sem dúvida que ainda sou muito mais desse lado do stand up, já fiz o primeiro solo, mesmo a Kilt é uma agência de stand up comedians, não é uma agência de eventos ou de produção de filmes e séries. No fundo estou desse lado a tentar adaptar-me um bocadinho ao outro e, portanto, sei que é muito mais fácil fazer um novo solo do que fazer uma nova temporada disto.

O seu percurso começou num grupo, os Bumerangue, juntamente com Pedro Teixeira da Mota, Carlos Coutinho Vilhena e Manuel Cardoso. Que ferramentas lhe deu esse início de carreira?

Eu acho que é muito importante começarmos no início com amigos ou colegas ou com alguém que partilhe os mesmos interesses do que nós, porque ao início sozinho é muito frustrante e ainda não nos conhecemos muito bem. Não quer dizer que agora me conheça, mas ao início muito menos. Se calhar rodeado de três pessoas, no meu caso, era muito mais fácil ter consciência dos erros que cometia porque estava a bater bolas com eles, enquanto que quando estamos sozinhos o processo é muito isolado e é mais complicada essa evolução.

Depois há outra questão, que é: quando pouca gente nos conhece, quando somos mais somos mais a divulgar o nosso trabalho. Ao início, inevitavelmente, quem nos enchia a sala eram os nossos amigos e os amigos dos amigos. Se fosse só uma pessoa era mais difícil disso acontecer. Portanto juntámo-nos quatro, havia um que conhecia um realizador, havia outro que conhecia um restaurante onde podíamos gravar, havia outro que conhecia um tipo para fazer o som e isso fez com que as coisas resultassem. Acho que tivemos sorte também, porque às vezes há grupos que não funcionam e nós juntámos pessoas muito afinadas, nós gostávamos das mesmas coisas, víamos as mesmas coisas, éramos muito parecidos. Apesar de sermos parecidos, tínhamos a nossa forma de pensar e hoje em dia a prova disso é que continuamos com a nossa carreira em várias áreas diferentes. Acho que isso é uma mais valia sem dúvida.

Já disse que gostava de continuar a fazer séries. Que outros objetivos profissionais é que tem?

Primeiro, tenho que recuperar o investimento da série. Vou ter de pensar um bocadinho. O Ricardo está sempre a dizer-me que eu penso mais naquilo que quero fazer e menos no que devo fazer, porque de facto não se pode só viver de estarmos a endividar-nos. Isto foi um investimento e eu acho que o meu futuro profissional a curto prazo é tentar arranjar aqui, no fundo, uma forma de fazer isto rentavelmente. Se pudesse ser com uma série, ótimo. E há formas de o fazer, se conseguirmos ter acesso a uma plataforma ou se conseguirmos ter um investimento de alguém que confia em nós para uma segunda temporada. Mas acabei de sair de uma, ainda não pensei muito bem no meu futuro profissional. Agora tenho de ir de férias, tenho de descansar, tenho de dedicar-me à minha família, porque é complicado estar a fazer uma série em Portugal e estar presente ao mesmo tempo.

O Guilherme foi pai há pouco tempo do Vicente, fruto da relação com a médica Margarida Santos. Como está a ser a jornada da paternidade?

É bastante mais fácil (risos). Acho que tive bastante sorte, porque tenho um puto saudável, bem-disposto, é muito mais agitado do que eu, eu sou um bicho do mato que gosta de estar sossegado e ele dá-se bem com toda a gente, e não tem ansiedade social como eu. É bom, porque acho que é muito importante haver áreas da nossa vida em que nós nos sentimos confiantes. Na série estou sempre neste escudo de achar que não é suficientemente bom, porque de facto acredito nisso, e na paternidade por acaso não tenho isso. Acho que sou um bom pai e não tenho vergonha de dizer isso.

Os seus medos e ansiedades aumentaram com o nascimento do bebé ou apaziguaram?

Diminuíram. Eu achava que iam aumentar, mas diminuíram. Recomendo terem filhos, recomendo procriarem (risos). O último episódio está dedicado a ele. O último frame é para o Vicente, porque ele editou comigo a série. Ele nos primeiros meses de vida era muito sossegado, contrariamente a agora, então eu editava com ele ao colo. Portanto achei que faz todo o sentido creditá-lo.

Créditos das fotos: @macedo, @guilherme_____martins, @bernardocbmv, @afonsodbatista