6 de fevereiro de 1952, o dia que mudou a vida de Elizabeth Alexandra Mary. Nesse dia, uma princesa perdia o pai, o rei Jorge VI, e tornava-se rainha, não de um país, mas de um império. 70 anos volvidos, a rainha improvável (o pai só ascendeu ao trono porque o tio, o rei Eduardo VIII, abdicou para casar-se com a norte-americana Wallis Simpson) é a monarca há mais tempo no trono britânico. A improbabilidade da coroa, nascida da abdicação do tio e da morte do pai, fez de Isabel II "rainha do mundo", como descreve Alberto Miranda, jornalista e autor do livro "As Dez Monarquias da Europa".
Esta quinta-feira, 2 de junho, arrancam as comemorações oficiais do Jubileu de Platina da rainha Isabel II. Depois de dois anos atribulados, com a saída de Harry e Meghan e também o escândalo sexual que envolveu o príncipe André, Alberto Miranda acredita que estas celebrações são um "tudo ou nada" para A Firma (termo usado para descrever a família real britânica). "Os últimos acontecimentos que mancharam a família real britânica vão ser 'limpos' pela popularidade da rainha, que é intocável", diz o jornalista, referindo que o único momento destes 70 anos em que essa estima popular foi beliscada aconteceu aquando a morte da princesa Diana, em 1997.
"Não há mulher mais popular no mundo do que Isabel II. A sua popularidade ultrapassa as fronteiras do Reino Unido e da própria Commonwealth. Toda a gente, no mundo inteiro, sabe quem é a rainha Isabel II", salienta o jornalista, acrescentando que a rainha "é uma mulher de consensos". "O legado de Isabel II tem de ser visto de vários prismas. Ela viveu a II Guerra Mundial, conheceu não sei quantos presidentes dos Estados Unidos, não sei quantos primeiros-ministros britânicos. As pessoas identificam-se com ela, vibram com a figura dela."
Aos 96 anos, a chefe de Estado de 14 países (além do Reino Unido) já deu sinais de estar a preparar a sucessão. No entanto, como frisa Alberto Miranda, "não quer abdicar". "Esta identificação à escala planetária tem que ver com isso. As pessoas identificam-se com ela, por ela agora andar de bengala, por caminhar com mais dificuldade. Quando teve COVID, as pessoas preocuparam-se, estes pequenos dramas com o filho André, a debandada do neto [Harry]. Isto é subjetivo, mas de certeza que a rainha fica triste, isto abala-a. Ela quer uma família exemplar", explica o jornalista, recordando os laços estreitos que Isabel II tinha com os pais Jorge e Isabel e com a irmã, a princesa Margarida, que morreu aos 71 anos, em 2002.
"A rainha de Inglaterra é, de facto, uma mulher que se projeta na família atual, mas que não esquece a família passada. Era muito ligada à avó, a rainha Mary, de quem herdou uma impressionante coleção de joias, e também muito defensora dos estereótipos: é uma mulher de fé, é chefe da igreja de Inglaterra, chefe das Forças Armadas... tudo isto dá-lhe um estatuto único", argumenta o autor do livro sobre as 10 monarquias europeias.
A sucessão: "Carlos quer reformar a monarquia como forma de contribuir para a diminuição de gastos"
O Jubileu de Platina poderá ser a última grande celebração da vida pública de Isabel II. Atualmente com 73 anos, o príncipe Carlos é o primeiro na linha de sucessão ao trono britânico. Como será o filho mais velho da rainha enquanto rei? Conseguirá manter a popularidade da monarquia? "O reinado de Isabel II e de Carlos vão ser completamente diferentes", começa por afirmar Alberto Miranda.
O autor do livro "As Dez Monarquias da Europa" refere que a monarca "já está a preparar o futuro", o que ficou bem patente aquando o seu 96.º aniversário, quando expressou publicamente querer que, após a sucessão, Camilla tenha o título de rainha consorte.
"Quando foi anunciado o casamento de Carlos com Camilla, a segunda mulher, a mulher que destruiu, segundo Diana, o casamento dos príncipes de Gales, foi dito que Camilla, quando Carlos fosse rei, seria princesa consorte e não rainha. Para não ofender as pessoas que gostavam da Diana. E, como sabemos, os ingleses idolatravam a princesa Diana", recorda Alberto Miranda, salientando a mudança de paradigma catalisada pela rainha Isabel II.
"Acredito que Camilla vai ser aclamada. Estou a imaginá-la na varanda de Buckingham, a acenar, e o povo a gritar 'viva o rei, viva a rainha'. O tempo esbate as memórias, os conflitos que houve", acrescenta o jornalista.
Carlos será, devido à sua idade, rei durante um período muito mais curto de tempo e, como refere Alberto Miranda, quererá introduzir transformações na forma como a família real britânica funciona. "Os analistas ingleses dizem que Carlos quer reformar a monarquia, no sentido de a tornar mais reduzida, de ter menos elementos ativos, como forma de contribuir também para a diminuição de gastos", explica o jornalista, salientando, contudo, que "a monarquia é um forte catalisador da economia inglesa".
"Vais a Inglaterra e compras um souvenir, um porta chaves, um postal. É uma marca, é uma máquina de marketing muito afinado. Toda a gente vai querer fazer uma fotografia em frente ao palácio de Buckingham", diz Alberto Miranda, recordando a célebre fotografia de uma jovem americana de 15 anos que, em 1996, posava em frente ao monumento e que, duas décadas mais tarde, se tornaria membro da família real britânica — Meghan Markle.
Isabel II nasceu em 1926, 10 anos antes de a BBC começar as suas emissões televisivas regulares. Alberto Miranda enaltece a visão inovadora da monarca e a sua capacidade de se adaptar aos novos tempos, quer seja na transmissão televisiva da sua cerimónia de coroação, em 1953, um acontecimento sem precedentes à época, quer nas audiências via Zoom durante os confinamentos da pandemia da COVID-19.
"Falar de Isabel II não tem um fim porque é uma vida dedicada a servir. Os ingleses estão-lhe agradecidos a essa constância. Primeiro a Nação, depois ela. Ela sabe que tem de se sacrificar. E estes eventos que tem falhado ultimamente, por estar com problemas de mobilidade, foi um duro golpe para ela", recorda Alberto Miranda.
Num mundo em constante mudança e convulsão, terão as monarquias os dias contados? "O imaginário dos reis, das rainhas e das princesas faz parte do nosso imaginário coletivo. É uma coisa muito enraizada na nossa cultura e que nos permite falar de uma situação que é anacrónica", explica o jornalista. "Na Europa liberal e democrática, num mundo em que se apregoa a igualdade a liberdade, existe uma pessoa, ou duas pessoas, que herdam um cargo. Eles herdam uma profissão pelo nascimento. Nos Países Baixos, na Dinamarca, aceitam esta instituição, cujo chefe de Estado não é eleito. Não há o princípio da igualdade, isto deve-se ao nascimento. São monarquias constitucionais, mas o chefe de Estado não é eleito por sufrágio", acrescenta ainda o jornalista, referindo-se aos vários países europeus onde vigoram monarquias, da Suécia ao Mónaco.
Harry e Meghan vão estar presentes (mas na sombra), príncipe André também
De quinta-feira, 2 de junho, a domingo, 5 de junho, os britânicos têm direito a quatro dias de feriado nacional para celebrar o Jubileu de Platina da rainha Isabel II. As celebrações acontecem não só em solo britânico mas um pouco por todo o mundo, e não só nos países da Commonwealth.
Um dos temas mais falados e debatidos deste Jubileu é a presença do príncipe Harry e de Meghan Markle. Os duques de Sussex, que vivem atualmente nos Estados Unidos e que se afastaram da família real em 2020, deverão chegar ao Reino Unido esta quarta-feira, 1 de junho. Esta será a primeira vez que a rainha Isabel II vai estar com a bisneta Lilibet, a filha mais nova de Harry e Meghan, que por coincidência completa 1 ano no sábado, 4 de junho. O casal vai ficar instalado na Frogmore Cottage, no castelo de Windsor, depois de lhes ter sido garantida proteção policial durante toda a estadia no Reino Unido.
"Certamente que vamos ver Harry e Meghan, e André também, a entrar na catedral. Mas, na varanda do palácio de Buckingham, o facto de só estar ela, Carlos e Camilla, William e Kate com os filhos é para mostrar que aquele é o núcleo duro, as gerações seguintes, os futuros reis, a quem cabe o peso de herdar a história dos Windsor. E as pessoas vão perceber isso", explica Alberto Miranda.
Harry e Meghan vão marcar presença em dois eventos: na missa de Ação de Graças, que acontecerá na sexta-feira, 3 de junho, e também no concerto de sábado, o Party at the Palace.
Já em relação ao príncipe André, recentemente envolvido num processo judicial relativo ao alegado abuso sexual de uma menor, que terminou num acordo extrajudicial, também marcará presença no Jubileu de Platina, embora afastado dos membros sénior da família real britânica.
Afastado do núcleo duro da família real, e tendo perdido todos os deveres oficiais, André foi, no entanto, o escolhido para estar ao lado da rainha nas cerimónias fúnebres do príncipe Filipe, que aconteceram em março deste ano. Não sendo certo em que eventos participará nestes quatro dias, o filho da monarca irá participar no Gartey Day. A celebração da Ordem da Jarreteira, que faz parte das comemorações do Jubileu de Platina da rainha Isabel II, acontecerá a 13 de junho no castelo de Windsor.
Jubileu de Platina: um guia prático
Selecionámos os principais eventos dos quatro dias de celebração do Jubileu de Platina, para que possa espreitar o que se está a passar com a família real britânica e, claro, tentar ver se as câmaras focam Harry e Meghan. O canal oficial de Youtube da casa real britânica transmitirá os principais eventos, assim como a BBC. Habitualmente inacessível a quem não vive fora do Reino Unido, o BBC Player estará aberto a qualquer utilizador. Não precisa preocupar-se com o fuso horário, a hora de Londres é a mesma de Lisboa.
5ªa feira, 2 de junho
- Trooping the Colour (10h): parada militar do 1º Batalhão da Guarda Irlandesa. Mais de 1.200 oficiais e soldados, centenas de músicos do exercito e 240 cavalos desfilam para assinalar o aniversário do soberano britânico, tradição que acontece há 260 anos. A parada termina com uma salva de tiros.
Quem vai estar: a procissão real, que se inicia às 10h30, acontecerá durante a Trooping the Colour. Apenas os membros sénior da família real acompanharão a rainha e, depois da parada, surgirão à varanda do palácio de Buckingham para acenar ao público, que encherá o The Mall, a larga avenida que desemboca na residência oficial da rainha Isabel II.
6ª feira, 3 de junho
- Missa de Ação de Graças (11h): cerimónia religiosa de celebração dos 70 anos de reinado da rainha, que acontecerá na catedral de São Paulo, em Londres. O Great Paul, o maior sino do Reino Unido, tocará durante a celebração.
Quem vai estar: esta será a ocasião em que Harry, Meghan e o príncipe André estarão presentes, mas não nos lugares principais. Estarão no meio dos restantes convidados.
Sábado, 4 de junho
- The Derby at Epsom Downs (16h30): aquela que é a mais antiga corrida de cavalos do mundo reunirá a família real britânica no The Jockey Club. O The Derby at Epsom Downs acontece há 243 anos.
- Platinum Party at the Palace (19h30): à semelhança do que aconteceu no Jubileu de Diamante, em 2012, artistas de todo o mundo reúnem-se num concerto único em homenagem à rainha. Elton John, Rod Stewart, Duran Duran, Alicia Keys, Hans Zimmer e Diana Ross são alguns dos artistas que vão passar pelo palco colocado em frente ao palácio de Buckingham.
Domingo, 5 de junho
No último dia das comemorações acontecem os Big Jubilee Lunches, festas de rua não só no Reino Unido e na Commonwealth mas em países como o Brasil, Japão ou a Suíça. À tarde, acontecerá o Platinum Jubilee Pageant, durante o qual serão recriados momentos marcantes dos 70 anos de reinado de Isabel II.
Mais de 10 mil pessoas participarão neste desfile, incluindo celebridades e figuras de vários setores artísticos. O espectáculo está dividido em quatro partes e será encabeçado pela Gold State Carriage, a carruagem oficial na qual Isabel II foi transportada aquando a sua coroação. A rainha não vai estar presente neste desfile.