Até aos anos 90, a Jugoslávia era constituída por seis repúblicas. Depois disso, fragmentou-se devido a tensões políticas, étnicas e religiosas, que culminaram em conflitos violentos. Esse desmembramento resultou na formação de várias nações independentes, que se tornaram símbolos das feridas do processo de separação. Antes de toda a turbulência desse período, havia um símbolo de união para o povo jugoslavo: a cantora Lepa Brena, que é a capa da mais recente edição da "Vogue Adria".
É mesmo algo simbólico: esta revista é distribuída em vários países dos Balcãs, nomeadamente a Croácia, Sérvia, Bósnia e Herzegovina e Montenegro, que faziam parte da antiga Jugoslávia, pelo que ter um ícone destes como manchete acaba por ser um tributo à sua relevância e impacto. É que a artista, atualmente com 64 anos e que viu a sua carreira descolar num contexto de crescentes tensões sociais e políticas, foi uma das estrelas mais populares da região nos anos 80.
Mas vamos por partes. Fahreta Živojinović nasceu em outubro de 1960 em Brčko, na atual Bósnia e Herzegovina. O nome pelo qual a conhecemos atualmente nada mais é do que uma alcunha atribuída pelo seu treinador de basquetebol no liceu, que a chamava Brena por considerar Fahreta demasiado longo. A alcunha colou – e, mais tarde, foi o famoso apresentador jugoslavo Minimaks que, pouco antes de um espetáculo, lhe acrescentou o Lepa (bonita, que vem do servo-croata), confirmou à "Vogue".
Só a carreira da artista dava um filme, visto que veio do nada. Afinal, com o aval dos pais, começou a cantar em festas de dança no teatro local de Brčko, logo nos tempos do liceu, para ganhar uns trocos. Foi nessa altura que pintou o cabelo de loiro, que se tornou a sua imagem de marca. Depois de acabar o secundário, foi estudar para Belgrado, a capital da Sérvia, e foi lá que, depois de esperar à chuva por muitos autocarros, decidiu mudar a sua vida, avança a mesma publicação.
Escusado será dizer que mudou mesmo. A sua carreira começou a ganhar forma no início dos anos 80, quando se uniu à banda Slatki Greh (algo como Doce Pecado, em português), que foi uma parte fulcral do seu sucesso. O seu primeiro grande êxito foi a canção "Jutro će promeniti sve", lançada em 1982, mas foi graças ao lançamento do álbum "Bojna Čavoglave", em 1984, que começou a ganhar uma popularidade tremenda, particularmente na antiga Jugoslávia, de acordo com o site Alchetron.
O estilo musical de Lepa Brena era um casamento entre o folclore balcânico e o pop, pelo que as suas músicas tinham impacto em todas as regiões. Prova disso é que vendeu mais de 40 milhões de álbuns ao longo da sua carreira, o que faz com que esteja entre as artistas mais populares dos Balcãs, diz o "Balkan Insight". Esta bandeira unificadora até foi exaltada na canção "Jugoslovenka" (Mulher Jugoslava, em português), lançada em 1989, nas vésperas da guerra que viria a separar tudo e todos, tendo-se tornado um hino de melancolia patriótica.
Com um estilo inconfundível – fruto da sua imagem de marca, as pernas quilométricas – e performances carismáticas, a cantora foi também um ícone de moda e uma autêntica embaixadora cultural que, escusado será dizer, transcendeu fronteiras. Aliás, a popularidade da artista era tanta que, em 1984, foi escolhida para cantar na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno em Sarajevo, que consolidou o seu estatuto de estrela. Mas a lista de momentos icónicos não se fica por aqui.
Em 1990, no âmbito de uma digressão, levou a cabo um concerto no Estádio Levski, em Sófia, a capital da Bulgária. Lepa Brena chegou ao recinto de helicóptero, um gesto memorável que foi visto por um público de mais de 280 mil pessoas, de acordo com o site Grand – um recorde para a artista, portanto. Em 1987, foi protagonista de uma série de musicais cómicos, "Hajde da se volimo" (Amemo-nos uns aos outros, em português), que é precisamente o título – simbólico, por sinal – desta edição da "Vogue Adria".
Com a guerra e a separação da Jugoslávia, Lepa Brena manteve-se uma figura importante, mas a sua música e respetiva imagem assumiram novos significados. Para muitos, tornou-se um símbolo de um passado nostálgico, bem como a representante de uma era de harmonia cultural que parecia inatingível no novo cenário geopolítico dos Balcãs. Contudo, mesmo com os horrores do conflito, a popularidade da artista permaneceu intacta.
Aliás, em 1991, casou-se com o tenista sérvio Slobodan Živojinović, que conheceu em 1986, tendo a cerimónia sido alvo de um mediatismo astronómico – e muitos consideraram este evento como o "casamento do século", diz o jornal da Macedónia "Slobodenpecat". Foi um evento grandioso, que contou com 600 convidados e um banquete luxuoso com mais de 650 pratos, com destaque para faisão, lombo de vitela, salmão fumado, leitão e borrego. E até foi documentado e vendido em cassetes por toda a região.
O amor foi duradouro, visto que continuam casados até hoje. O par tem dois filhos: Stefan, que nasceu em 1986, empresário que vai dando um pezinho na música; e Aleksandra, que nasceu em 1992, que conta com projetos ligados à moda e ao entretenimento. E foi precisamente o filho mais velho que foi alvo de uma situação bastante traumática para os pais – parece que nem só a carreira da cantora dava um filme.
Dizemos isto porque a fama também foi a causa de se ter tornado um alvo para criminosos. Em 2000, recebeu uma mensagem que fez com que o seu mundo parasse: "Sr. e Sra. Živojinović, o seu filho Stefan está connosco. Vamos tratá-lo com dignidade, desde que ajam bem connosco. Não lhe faltará um fio de cabelo", lê-se no "Stil". Sim, o filho foi raptado, pelo que a cantora e o marido ficaram sem saber do mesmo durante cinco dias.
Desde a primeira mensagem, Lepa Brena aguardava diretrizes sobre o que deveria fazer para conseguir que o primogénito voltasse para os seus braços. "Disseram-nos que poderíamos resgatar o Stefan de duas maneiras: vivo por 2,5 milhões de marcos alemães na época ou morto por cinco milhões. Disseram também que, no caso da segunda hipótese, iam enviar-nos o corpo do Stefan aos bocados", frisou, citada pela mesma publicação.
A par disto, os raptores avisaram os pais para não informarem a polícia e para enviarem o dinheiro em dois dias – e insistiram para que o pagamento não fosse atrasado. Isto porque, por cada dia de atraso, as mãos de Stefan contariam com menos um dedo e, se não respondessem em 10 dias, o rapaz provavelmente morreria. No entanto, a dupla não perdeu tempo, enviaram o dinheiro e conseguiram resgatar o jovem, que saiu ileso.
Peripécias à parte, uma coisa é certa: para muitos, Lepa Brena representa aquilo que a Jugoslávia poderia ter sido – uma nação diversificada, mas unida. A sua música, que ainda toca em festas e celebrações de casamento por toda a região, continua a ligar gerações, sendo a artista o reflexo de uma união que transcende as feridas da história contemporânea. Se isto já era sabido por quem está familiarizado com ela, o facto de ser a protagonista da capa da "Vogue Adria" só vem reforçar esse estatuto.