Sempre soube que não queria ter "um trabalho normal". E começou do zero. Sem equipamentos profissionais, amigos famosos ou contactos na indústria. Quando a pandemia arrancou, em março de 2020, tinha 400 seguidores no Instagram, todos conhecidos; mas quase dois anos depois, já conta com mais de 116 mil seguidores na mesma rede social e mais de 843 mil no TikTok.
Rafael Santos passou de gravar vídeos caseiros com a irmã, por diversão, para estar prestes a protagonizar um espetáculo de dança produzido por Cifrão, que vai contar com alguns dos maiores tiktokers nacionais: "Criadores de TikTok Show", que estreia já a 5 de março, no Capitólio, em Lisboa.
Mas, afinal, como é que isto aconteceu? À MAGG, o jovem de 22 anos explica tudo o que mudou na sua vida e carreira desde que decidiu deixar a vergonha de lado e encarar as redes sociais como uma profissão. E esclarece a dúvida que assombra os utilizadores da aplicação em Portugal: já é possível viver apenas do TikTok no nosso País?
"[O TikTok] foi o que me permitiu juntar a dança com a minha vontade de aparecer"
Estudou Ciências da Comunicação na faculdade, mas fê-lo apenas pela pressão de ter um plano B, já que "sempre soube que não queria ter um trabalho normal".
"Comecei a criar conteúdo na pandemia, isto quando ainda estava a terminar a faculdade, porque percebi que tinha de aproveitar o meu tempo e fazer algo produtivo. E, pronto: [o TikTok] foi o que me permitiu juntar a dança com a minha vontade de aparecer", começa por explicar, com a ressalva de que "o bichinho das câmaras" já lá estava.
"Não diria que sempre quis ser uma figura pública, mas desde muito novo que faço trabalhos de modelo e figuração, então sempre tive este bichinho das câmaras. Quando apareceu o TikTok, apercebi-me de que se estava a criar uma plataforma enorme, que garantia visibilidade a jovens como eu, e decidi arriscar. Isto ainda sem a ideia de que queria ser famoso ou ter fãs, era mais por diversão", explica.
E apesar de atualmente trabalhar exclusivamente com as redes sociais e o TikTok ser a plataforma em que é mais forte, no que à dimensão do público diz respeito, começou por "torcer o nariz" assim que a rede social Musical.ly [semelhante ao TikTok] surgiu. "Eu era das pessoas que criticava o Musical.ly e cheguei mesmo a dizer que nunca iria gravar vídeos porque era ‘vergonhoso’. E mais de um ano depois, aqui estou a criar conteúdo", conta.
Há tendências e tendências, mas Rafael Santos restringe o seu conteúdo à dança. E explica porquê.
"Não tenho uma história como as outras pessoas"
"Nunca tive nenhuma outra paixão para além da dança e foi esse tipo de conteúdo que comecei a criar, mas nunca tive formação nenhuma. Tudo o que sei, aprendi sozinho", diz. "Comecei ativamente a dançar com 13, mas só aos 19 é que comecei a investir a sério na dança. E só em 2020 é que se tornou algo constante na minha vida", completa, garantindo que o sucesso nas redes sociais não foi instantâneo, ainda que tenha sido rápido.
"Comecei a criar tiktoks que no início nem deram nada, mas, como estava tanta gente online naquele período, foi a fórmula perfeita para chegar a mais gente. Daí esta minha explosão tão rápida. Mas não tenho uma história como as outras pessoas", garante.
"A minha subida foi muito consistente, mas teve altos e baixos. As pessoas têm muito esta ideia de que ser bem-sucedido na internet é ter um crescimento linear até ao topo, onde o número de seguidores e visualizações aumenta sempre. E não é nada disso que acontece."
Rafael Santos explica que antes de criar um perfil no TikTok, ninguém o conhecia. Não tinha qualquer tipo de legião de fãs pré-formada no Instagram ou no YouTube e teve de construir o núcleo de seguidores do zero. "Não conhecia ninguém, entrei nisto completamente sozinho. Antes do TikTok, não conhecia sequer ninguém semi-famoso".
Faz aquilo de que gosta e quanto a isso, diz, não restam dúvidas. Mas reforça a ideia de que trabalhar nas redes sociais nem sempre é fácil.
"É uma frustração constante. Claro que fico muito contente quando algo dá certo, mas é super frustrante utilizar exatamente a mesma fórmula, igual ou melhor, num outro vídeo e ver que não funcionou. E depois entramos numa espiral de pensamentos: será que sou eu que tenho de melhorar? São os meus movimentos ou a minha aparência? Ou será a edição? Tudo isto acaba por nos passar pela cabeça".
Há vários detalhes a ter em conta antes de publicar qualquer conteúdo. É preciso ter em conta as tendências, a hora, a roupa, o ângulo, tudo. Sendo que tudo isto resulta melhor com equipamento profissional, explica.
"Comecei com um Android, não querendo dizer mal dos androids, mas tive de fazer um upgrade. Vi-me obrigado a mudar para Apple, porque noto que o Tiktok e o Instagram favorecem muito quem tem esse tipo de aparelhos. Comprei tudo com o meu próprio dinheiro, do telemóvel à ringlight [fonte de luz] ou ao tripé. São coisas que ajudam, sim, mas não são necessárias. Há quem não tenha nada disto e seja viral na mesma. Até porque o segredo da aplicação é ter conteúdo que pareça real e acessível", esclarece.
"Já tenho proveito do que faço e já consigo investir no meu trabalho de outra forma", revela o tiktoker, que garante que já considera o que faz nas redes sociais a sua profissão principal.
Já é possível viver do TikTok em Portugal? Sim, mas o dinheiro não vem da aplicação
"Ora bem, já é possível viver do TikTok? Creio que sim e não", esclarece Rafael Santos, que já conta com mais de 843 mil seguidores na aplicação. "No meu caso, sou agenciado e considero as redes sociais o meu primeiro trabalho, mas o rendimento que tenho não vem só de uma rede social, é uma combinação de várias. Ser forte em várias redes é muito mais fácil do que tentar sobreviver apenas de uma."
"Por isso é que é tão importante investir numa identidade digital forte e ter uma presença bem marcada. É uma profissão muito instável e os algoritmos alteram muito não só os resultados pessoais do criador como a perceção das marcas face ao valor desse mesmo criador. Portanto, os números são importantes, a verdade é essa e a pressão é enorme", acrescenta.
O que dá dinheiro no TikTok são as livestreams [vídeos em direito] e Rafael Santos revela que tal só acontece porque o criador recebe presentes e ofertas dos seguidores. "Mas é um valor mínimo, cerca de um euro por live e isto se for um direto muito bem sucedido.Dá para ganhar dinheiro através de parcerias, isso sim. Em Portugal, o TikTok não é tão forte ao ponto de pagar aos criadores como paga noutros países."
Por isso, Rafael Santos explica que conta com uma agência para o ajudar a gerir a carreira e desvenda o trabalho de quem atua "nos bastidores" do sucesso não só dos tiktokers, mas dos criadores de conteúdo em geral.
"Todas as agências trabalham de forma diferente. No meu caso, a agência foca-se na promoção do meu trabalho enquanto criador digital e em estabelecer relações com as marcas que me possam representar. Tenho um agente que trata também dos meus orçamentos, seja para o TikTok ou para um conjunto de contas, dependendo do trabalho. E, a partir daí, posso aceitar ou não, tenho liberdade para isso", esclarece. "Às vezes ainda fico chocado com os valores."
Visitar o Brasil e apostar numa carreira internacional
Rafael Santos explica que fica não só chocado com valores altos que lhe são propostos, mas com o alcance do conteúdo que produz. E planeia aproveitar a vasta audiência que já conquistou. Apesar de os próximos meses da vida e carreira de Rafael Santos estarem inteiramente dependentes do sucesso do espetáculo "Criadores de TikTok Show", o jovem garante que quer apostar numa carreira internacional.
"Diria que grande parte do meu público é brasileiro, não sei porquê, simplesmente pegou. Tenho é uma conexão gigante com o Brasil, os meus melhores amigos e o meu namorado são brasileiros, então criei este espaço à minha volta muito alicerçado na cultura brasileira e isso nota-se em mim. No que faço e, por vezes, até no meu sotaque. E isto moldou muito o que sou e o que faço".
Mas Rafael Santos conta que nem tudo o que tem que ver com as redes sociais é positivo. E também os comentários negativos, outrora, influenciaram o que publicava online.
"Acho que todas [as redes sociais] são perigosas, mas no TikTok é tudo mais pesado, porque tem um público mais jovem. As crianças e os adolescentes tendem a ser mais desmedidos nas palavras e podem ser mais ofensivos. Atualmente, não sofro muito com isso, tenho sorte neste aspeto, mas já sofri", diz.
"Recebo mais coisas como ‘não danças bem’, mas não me preocupo com isso. Não sou profissional, quero ser, mas ainda não sou. Por isso, quando me comparam com quem tem quatro aulas de dança em estúdio por dia, isso não me afeta. Claro que será melhor bailarina do que eu, mas continuo a trabalhar para melhorar". E é precisamente o que Rafael tem feito desde setembro de 2021, data em que soube que foi selecionado para um novo espetáculo nacional.
Tiktoker prepara-se para protagonizar um espetáculo encenado por Cifrão
O jovem de 22 anos garante que sempre quis entrar em projetos "fora do ecrã" e garante que tem trabalhado nesse sentido. Atualmente, está prestes a entrar no espetáculo "Criadores de TikTok Show", ao lado de nomes como Constanza Ariza, Leonor Filipa e Rodrigo Alves.
"Como é que isto aconteceu? Fui abordado pela Constanza, que me disse que o agente dela, que hoje em dia também é o meu agente, tinha o projeto ideal para mim. Disse-me que iria amar e que, se amo palcos e dança, era perfeito para mim. E decidi arriscar."
"Entretanto, o Cifrão viu os meus vídeos e achou, palavras dele e não minhas, que eu era uma boa escolha para o projeto. Viu potencial e, pronto, fui adicionado ao projeto", que, segundo conta Rafael Santos, arrancou em 2019, mas tem vindo a ser adiado como consequência da pandemia de COVID-19.
“O ‘Criadores de TikTok Show’ não é só um espetáculo de tiktokers. Tem trends [tendências], coreografias e toda uma interação com o público. Envolve jogos interativos, vá, posso dizer isto. Não é só dança e todos vamos poder falar durante o espetáculo", que estreia já a 5 de março, no Capitólio, em Lisboa.