Antes das câmaras captarem a famosa frase que iria ecoar para sempre na história da família real britânica - “éramos três neste casamento” -, a princesa Diana ficou na sua sala privada, no Palácio de Kensington, a 5 de novembro de 1995, a ver três homens que ela deixou, secretamente, entrar no edifício a preparar material de gravação.
A mesma mandou os seus funcionários para casa e não havia maquilhador, estilista ou a típica equipa de televisão. Esta entrevista para o “Panorama”, programa de investigação da BBC, tinha de ser em segredo, pois era a sua oportunidade para quebrar o silêncio e contar o seu lado da história, segundo a revista “People”.
Décadas mais tarde, tornou-se claro que esta entrevista tinha sido o resultado de uma armadilha extraordinária. Em 2021, uma investigação organizada pelo juiz britânico Lord Dyson concluiu que o jornalista Martin Bashir utilizou documentos falsos para manipular a princesa Diana, um esquema que, depois, os membros executivos da BBC iriam tentar encobrir.
Andy Webb, um jornalista de investigação, passou quase 20 anos a tentar desvendar toda a verdade. Mais recentemente, em 2024, a sua luta pela Liberdade de Informação conduziu à divulgação de milhares de emails adicionais da BBC, embora muitos permaneçam censurados.
O novo livro do jornalista, “Dianarama: Decepetion, Entrapment, Cover Up - The Betrayal of Princess Diana”, lançado esta terça-feira, 25 de novembro, revela toda a extensão da manipulação de Martin Bashir, que atraiu Charles Spencer, irmão da princesa, para ter acesso à princesa Diana, apresentando extratos bancários falsificados que sugeriam que os funcionários do palácio estavam a espiar a mesma, e espalhou falsas alegações de que o príncipe Carlos queria matá-la e que o relógio do filho William era um dispositivo de espionagem.
“A vida dela ficou descontrolada. Foi uma correria entre a entrevista e a morte dela. Há tanta coisa nova que eu queria registar neste livro - um primeiro rascunho de história”, disse Andy Webb à revista “People”.
O antigo secretário de Diana Spencer, Patrick Jephson, revelou à mesma fonte que o jornalista Martin Bashir “escolheu um momento muito oportuno” para mostrar os extratos bancários falsos ao irmão da princesa e convencê-lo de que as pessoas ao redor da mesma estavam a aceitar dinheiro para a espiar.
“Ela estava num estado de ansiedade justificável. Não é paranóia quando tens boas razões para acreditar que alguém te quer ‘apanhar’”, explicou Patrick Jephson.
Após Charles Spencer ter organizado um encontro entre a princesa Diana e Martin Bashir, Andy Webb alega que o jornalista lhe disse falsamente que a ama dos seus filhos, Tiggy Legge-Bourke, estava envolvida com o príncipe Carlos, apresentando um documento falso que sugeria que a mesma tinha feito um aborto pago pelo príncipe. Essas alegações foram a gota de água para Diana Spencer, o que a levou a conceder a reconhecida entrevista.
Quando a entrevista finalmente aconteceu, a influência de Martin Bashir já estava fortemente enraizada. A princesa Diana insistiu numa equipa pequena, constituída apenas pelo jornalista, um produtor e um repórter de imagem. Após a estreia da entrevista, a 20 de novembro de 1995, deu-se escândalo atrás de escândalo: Diana Spencer falou abertamente da relação amorosa do príncipe Carlos com Camilla Parker Bowles, a sua luta contra a bulimia e até confirmou o seu caso com James Hewitt.
As consequências foram imediatas. A rainha Isabel II ordenou que a princesa Diana e o príncipe Carlos prosseguissem com o divórcio e Patrick Jephson renunciou ao seu cargo em janeiro de 1996, sem perceber porque é que a princesa Diana se tinha virado contra ele.
No entanto, os executivos da BBC sabiam que algo estranho se passava. No final de 1995, um designer gráfico informou os superiores que os extratos bancários eram falsos, e, quando confrontado, Martin Bashir admitiu a falsificação, mas insistiu que não os tinha mostrado a ninguém. Só quando se tornou impossível continuar a mentir é que o jornalista disse ter mostrado os documentos falsos a Charles Spencer.
A BBC iniciou uma investigação interna em 1996, que, mais tarde, foi considerada como “lamentavelmente ineficaz”. A investigação aceitou as explicações contraditórias de Martin Bashir, declarando-o inocente de qualquer irregularidade e ocultando factos que só seriam descobertos décadas depois.
“Os chefes da BBC sabiam o suficiente para alertar Diana de que ela estava a lidar com um mentiroso", afirma Andy Webb. “A sua vida teria seguido outro caminho se ela tivesse sido avisada. (...) As consequências foram ‘letais'", concluiu.