Nos arredores de Évora, encontra a casa, a ambição e a concretização de António Maçanita. A Fitapreta, conceituado enoturismo, além de uma adega, tem agora um restaurante de fine dining. A Cozinha do Paço é comandada pelo chef Afonso Dantas, com consultoria de Manuel Maldonado.

Nasce daquela que era a antiga cozinha do Paço do Morgado de Oliveira, edifício do século XIV que foi outrora residência de um arcebispo, que, ao longo do reinado do D. Dinis, tinha como missão proteger a família real, assim como nos explicou António Maçanita.

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Corria o ano de 2004 quando o conceituado enólogo e o sócio, David, se serviram de "family, friends and fools" para fazerem acontecer o sonho, numa altura em que o dinheiro escasseava. As vinhas, de produção biológica, foram plantadas do zero, sem produtos químicos (sendo que quase todas as castas são portuguesas), e nasceram as primeiras referências: o Sexy Tinto e o Preta Tinto.

Depois de anos de esforço, dedicação e recuperação, o projeto chegou a bom porto e, em 2017, surgiria o enoturismo. A Cozinha do Paço é "um local onde se reinterpreta a cozinha alentejana". "A nossa missão passa por contar histórias", disse-nos o chef Afonso Dantas, natural do Funchal.

E o que sabe um madeirense do Alentejo? Pelos vistos, muito. Começou por nos servir, como amouse-bouche, um crocante de grão com tártaro de lúcio perca crocante, curado em borras, caviar e lagostim de rio. "Usamos muito peixe de rio", notou, acrescentando: "recuperamos borras da adega e damos-lhes uma segunda vida".

Depois deste começo interessante, e que é só mais uma prova do "grande compromisso com a sustentabilidade", serviram-nos um belo par de cornos. Sim, leu bem. O torricado de veado com pasta de cogumelos e pickle de beterraba descansava nas hastes de um destes animais, num dos empratamentos mais curiosos que já testemunhámos, e que só pecou por ser pouca quantidade (e querermos mais).

"Tento ao máximo que transpareça Alentejo", referiu o chef, sobre a elaboração do menu. A apresentação dos pratos continuaria a surpreender com a chegada do coscorão de borrego, quase uma filhós, mas em versão salgada, com tomatada, gema de ovo confitada e borrego confitado, que tem tanto de maravilhoso ao olhar como ao saborear.

Seguir-se-ia "um prato de proximidade, só com ingredientes de agricultura regenerativa": uma sopa com castanha fermentada, espuma de abóbora, cogumelos em pickle e em pó, que foi o prato que menos nos impressionou. Voltámos ao céu com o pregado de mar com salada de funcho e manteiga de ovelha, dos melhores peixes que já nos passaram pelo estreito.

Ainda sobre os melhores de sempre, o porco preto alentejano deixou-nos um vazio que só este prato poderá voltar a preencher. É apresentado em duas facetas/cortes — lombinho e cachaço, "muita gordura, mas também mais magra" — e cozinhado com algas, torresmo, puré, favas grelhadas e jus dele mesmo.

À primeira garfada, levámos as mãos à cabeça e, enquanto alfacinhas, pensámos "afinal, a carne sabe a isto?". A verdade é que a qualidade esteve presente em cada um dos momentos (sempre introduzidos pelo chef e pelo enólogo), a par da técnica, da dedicação, da criatividade e do profissionalismo.

O final ficou reservado para a doçaria conventual, mas não só. Utilizando açúcares naturais como mel, gema e especiarias, propuseram-nos uma sobremesa fresca e cítrica: um cremoso de manga com laranja, toranja e laranja sanguínea e crocante de açafrão, que, assim como tudo o resto, estava muito bem conseguido.

Depois, algo inédito: invertendo por completo a ordem habitual da refeição, o pão, de soro de leite e feno, chegou depois da sobremesa. Veio quente, no seu próprio ninho, e a completar o trio que representa o começo da vida alentejana: vinho, azeite e pão.

A Cozinha do Paço
A Cozinha do Paço créditos: Ranieri Faraoni

Ao longo deste almoço, provámos referências como Tinta Carvalha 2020, Palpite 2020, Branco de Indígenas, Os Paulistas 2020, A Laranja Mecânica e Preta, sendo que esta última conjugou super bem com os chocolates 70 e 75% de cacau vindos do Peru e de São Tomé e Príncipe que nos serviram para encerrar com chave d'ouro.

Quanto aos menus de degustação n'A Cozinha do Paço, tem à sua escolha o Fitapreta Clássicos, com seis momentos e cinco vinhos, por 135€/pax, ou 180€/pax na vertente Clássicos e Colheitas Antigas, e o Aquém e Além Mar, com nove momentos e sete vinhos de Portugal continental e ilhas (255€/pax) e o Enxarrama, com o mesmo número, mas com old vintages e vinhos exclusivos, por 285€/pax.

Já as salas de refeições são cinco, desde a tribuna da antiga capela do paço ao Salão Nobre. O Fitapreta, além de existir no mais antigo paço medieval civil e no mais monumental edifício civil gótico português, foi considerado o Melhor Enoturismo de Portugal, conquistando o Prémio Nacional do Enoturismo 2025.

A Cozinha do Paço

Localização: Paço do Morgado de Oliveira, EM257 KM 10 Nossa Senhora da Graça do Divor 7000-016 Évora - Portugal
Horário: almoços de terça a sábado às 12h, 13h e 14h; jantares quinta e sexta às 19h
Contactos: 266 243 100 / site / Instagram