Às vezes é preciso que chegue um estrangeiro e nos diga na cara as verdades. E a verdade sobre a Costa de Caparica, a freguesia do concelho de Almada mais conhecida pelas praias da sua periferia do que propriamente pelos areais urbanos, é esta: este é um sítio do caraças. Quem o garante é Gregory Bernard, o mentor do Dr. Bernard (que não são um mas dois espaços, situados na promenade da Costa, nas praias de Santo António e CDS).

Depois de viver nos Estados Unidos e em Inglaterra, Greg mudou-se de armas e bagagens para a Costa de Caparica há 3 anos. “Queria mudar a minha vida”, começa por explicar.

Nascido em Paris, o empresário estava ligado a áreas como a moda, o cinema e as telecomunicações. Até que um dia, tudo mudou. “Tive um esgotamento. Tinha ciática, não conseguia caminhar, não conseguia respirar”, conta. Greg já conhecia Portugal das várias viagens de trabalho que fazia ao nosso País, mas nunca ia além dos hotéis e do aeroporto.

Os problemas de saúde, consequência de uma vida dedicada ao trabalho, colocaram-no no limite. Os médicos queriam operá-lo à coluna mas Greg bateu o pé. Escolheu o surf, o ioga, a alimentação saudável. “Dia após dia, curei as minhas costas e a minha mente”.

A história de como escolheu o lugar em Portugal para viver podia ser muito poética mas não é. “Fui ao Google Maps e procurei um sítio com praia, surf e que fosse próximo de Lisboa”. Em 2016, comprava uma casa na Costa de Caparica, convencido de que não ia meter-se em mais nenhum negócio. A ideia era viver, desfrutar e não trabalhar. “Comprei a casa, disseram-me que o restaurante em frente estava à venda, blá blá blá. Pensei que seria agradável ter um, porque aqui não havia nenhum de que eu realmente gostasse, que tivesse o espírito de Los Angeles. Então pensei ‘por que não?’. Mal sabia o quão difícil é ter um restaurante!”.

O Dr. Bernard e o Dr. Bernard Palms, apesar das várias valências, que vão da restauração ao wellness, passando pelo surf, têm um conceito simples: “uma forma de estar saudável”. Gregory Bernard tem uma visão para a Costa de Caparica, aquela Costa urbana, que tantas vezes sofre por ter uma injusta má reputação. “Gosto da Costa porque não é um gueto de ricos mas também não é um gueto. É uma mistura. Há diversidade, há pessoas de todas as nacionalidades, não há preconceito, pobres, de classe média, de classe alta. Há surfistas, idosos, crianças. Há autenticidade aqui”.

O empresário considera ainda que os portugueses subestimam o potencial da Costa de Caparica. “Provavelmente, serão os últimos a aperceberem-se disso porque este sítio tem má reputação. Mas isso é uma coisa boa porque dá-nos a capacidade de criar algo”.

E o nome? “Pensei em nomes de praias nomes de praias norte-americanas famosas, como Rockaway Beach, Manhattan Beach, Venice Beach… e acho que tem o potencial de se tornar um desses locais, a Santa Monica da Europa. É o único lugar da Europa que tem surf e uma praia urbana. Não é apenas uma vila, é uma cidade”, afirma.

Nenhum desses nomes vingou e a opção foi para algo muito mais pessoal. “Queria tornar este local um sítio dedicado à saúde. Pensei que a palavra Dr. [doutor] era engraçada e também uma homenagem ao meu pai. Quando tive o esgotamento e recuperei de forma natural, partilhei a minha experiência com ele, que é cirurgião oftamologista. Ele dizia que era tudo treta mas… ele tinha Parkinson e, por causa da doença, ficou muito incapacitado", recorda.

"Sendo ele um dos cirurgiões de topo em Paris, foi muito difícil. Eu incentivei-o a lutar contra a doença, levei-o a um centro de wellness para fazer ioga, massagens… ele odiou! Esteve sempre a queixar-se [risos]! Mas fê-lo para me fazer feliz. Ele diz que não mas, numa semana, mudou completamente”. O nome do médico cético está agora pintado nos dois edifícios. “Quando ele vem cá é uma celebridade [risos]!”

Quem visita o Dr. Bernard tem fortes probabilidades de ver Greg ou de bicicleta, ou passar de prancha na mão, sempre sorridente, acompanhado das cadelas Capa e Rica, que resgatou da rua. E se Greg é o rosto, Ana Fernandes é a maestra dos bastidores, A diretora criativa do Dr. Bernard é, tal como Greg, uma cidadã do mundo. Nascida em Lisboa, Ana passou 20 anos em Nova Iorque e, recentemente, decidiu voltar a Portugal. É ela a responsável pelas instalações artística do espaço, o programa cultural e também pela decoração irreverente e colorida.

Passámos um dia com o Dr. Bernard e, cumprindo a bula médica, tratámos de cuidar do corpo e da alma.

1. Ioga

A manhã começou cedo com uma aula de ioga com Susana Belo, professora há 7 anos e praticante desde 2003. De bicicleta, fomos do Dr. Bernard até ao Palms, uma distância de 500 metros para ir aquecendo os músculos e desfrutar da vista, com Cascais e a serra de Sintra lá ao fundo. No Ocean Studio, portas abertas de par em par, e com o marulhar das ondas como banda sonora, a aula de power yoga e power flow serviu de aquecimento para aquele que seria o momento mais temido do dia, o batismo de surf. Mas já lá vamos.

No Wellness Center do Dr. Bernard, é possível fazer aulas avulso de ioga, pilates e meditação (12€). O pack de 6 aulas custa 60€ e o passe mensal 35€ (duas aulas por semana).

Dr. Bernard aula de ioga
Aula de ioga no Dr. Bernard Palms com Susana Belo créditos: João Candeias / Caparica Waves

2. Pausa na praia

Depois do ioga, a fome já apertava, por isso optámos por uma tropical bowl de açaí com granola caseira e frutas (8€) no Palms. Mesmo em frente ao bar, há várias cabanas que permitem desfrutar de uma tarde de praia, mantendo o distanciamento social. Cada espaço, com cabana, cama, chapéu de sol e espreguiçadeiras tem a lotação máxima de 10 pessoas. 

Dr. Bernard Palms
créditos: João Candeias / Caparica Waves

3. Aula de surf

Eis o momento temido para quem, desde tenra idade, sempre teve, vamos dizer assim, muito respeitinho ao mar. Regressámos ao Dr. Bernard para nos equiparmos a rigor no Surf Center e Wellness Center & Gym. Naquele espaço, há treinos semanais de crossfit mas, naquele dia, a nossa praia era outra. E metia pranchas e fatos de neoprene. Agora, 1h30 para vencer o medo. Depois do aquecimento e das imprescindíveis medidas de segurança, elencadas pelo instrutor Mário Marques, foi hora de nos fazermos ao mar. E a verdade é que todos os receios sobre pirolitos, chapões e possíveis pranchas a fugirem em direção ao infinito se diluíram naqueles gloriosos 5 segundos em que conseguimos empoleirar-nos na prancha. O mérito? Do Mário, claro. Para os curiosos, há aulas de surf individuais (50€) e também de grupo (25€ por pessoa, 1 instrutor para cada cinco alunos). Os mais experientes podem ainda optar por alugar o equipamento (o aluguer de pranchas custa 15€ por duas horas, 25€ por meio dia; os fatos custam 10€ por duas horas, 15€ por meio dia). 

4. Almoço no Dr. Bernard

Se a praia abre o apetite, o surf dá vontade de devorar este mundo e o outro. Para abrir as hostilidades, começámos com nachos com guacamole (5€). Depois, para manter o registo saudável, veio de lá uma Bowl Verde (criação de Greg), recheada de coisas maravilhosas: base de quinoa, almôndega vegetariana, guacamole, brócolos, espargos, semente de sésamo e mix de folhas verdes. Depois, sabores bem portugueses: uma dose generosa de amêijoas obrigatoriamente acompanhadas de fofas fatias de pão ainda morninho (16€) e ainda uma travessa de choco frito (15€) que, sem ofensa aos setubalenses, estava como se quer: douradinho e crocante por fora, tenro e macio por dentro. Com maionese, claro, e chips de batata doce para complementar o acto. E porque eram precisas energias para enfrentar o resto do dia, ainda veio para a mesa o peixe do dia (neste dia, era dourada), decorado com batatas e legumes (19€). E se dúvidas houvesse, claro que sobrou espaço para a sobremesa. Ou melhor, para as sobremesas: cheesecake (4€), brownie sem glúten (4€) e, possivelmente, a mousse de chocolate mais decadente que já provámos (4€). 

5. Prova de vinho vivo

Vinho vivo é o termo mais correto para designar o produto que resulta de uma produção sem pesticidas, produtos químicos e outros aditivos. Greg uniu forças com Florian Tonello, da La Di Da Di Wines (tem loja física em Lisboa) para nos dar a conhecer seis vinhos. Da Alemanha a Portugal, passando por Itália e Espanha, as garrafas do líquido que nos parece tão familiar revelaram sensações totalmente novas. Provar um vinho vivo é, para quem cresceu com a tradição da vindima, um regresso à infância, aos aromas crus da fermentação da uva, do vinho pronto a engarrafar, dos cheiros doces e acres que exalam do lagar, dos barris. 

Prova de vinhos vivos
Florian Tonello e Matilde Ferreira conduziram prova de vinhos créditos: João Candeias / Caparica Waves

6. Fim de tarde (e jantar) no Palms

Temos de admitir que, depois de tanta ação, fizemos uma sesta retemperadora na praia. E sim, temos de admitir que nos babámos. Mas não é isso que acontece quando estamos descontraídos e satisfeitos? Regressamos ao Palms, agora já sem bicicleta, para pôr o corpo em movimento e ver com vagar aquele que é um dos mais bem vindos clichés de um fim de tarde de Verão com temperaturas quase tropicais: o pôr do sol. O céu laranja, a bola gigante de fogo a esconder-se atrás da linha do horizonte, o céu tão limpo que conseguimos ver o Bugio e até o Palácio da Pena… estão a perceber. Finalizamos o dia com sabores do México.

A carta do Palms é uma criação do Acidental Chef, ou melhor, o britânico Shay Ola, que, em Lisboa, está ao comando do Queimado. O difícil é escolher, mas vamos começar por onde se deve começar. Totopos & Guacamole, que não são mais do que chips de tortilha (mas das verdadeiras que aqui não há dessas coisas de pacote), com guacamole, pico de gallo, pickle de cebola roxa e queso fresco caseiro (6€). O difícil no Palms é não pedir tudo o que está na carta porque, a cada dentada, mesmo que picante, fica sempre a vontade de provar mais.

Depois dos snacks, as estrelas da carta, os tacos. Há de peixe estilo baja, de carnitas de bochecha de porco e, para os abstémios da carne, de abóbora com especiarias e cogumelos. Cada dose (7€) traz dois mas, acredite na nossa palavra, vai querer pedir mais. Para finalizar, o frango frito ancho (8€), que é de uma opulência que deixa qualquer frango frito desta vida a corar de vergonha. Tentámos, mas fechámos a loja no que toca a alimentar o corpo. Numa próxima visita, está marcado um encontro com as costelinhas de porco com cobertura de agave e chipotle (7€) e com os churros com dulce de leche (4,5€). 

A vida nem sempre permite um dia de praia que termina após o pôr do sol. Mas como um dia não são dias, só atravessámos a Ponte 25 de Abril já a lua ia alta. Receita infalível do Dr. Bernard para o retempero do corpo e da alma.

Dr. Bernard Palms
Fim de tarde no Dr. Bernard Palms créditos: João Candeias / Caparica Waves

Dr. Bernard

Morada: Rua Praia do CDS, Apoio Praia 11, 2825-391 Costa da Caparica
Contacto: 927 461 763
Reservas: https://drbernard.co/

Horários:
Segunda e terça-feira: 11h30–22h30
Quarta a domingo: 11h30 - 00h30