Não há como não rir quando descobrimos alguém cujo nome no Instagram é "Takemybreadaway". Mais ainda quando a pessoa do outro lado é um padeiro e não um fã do Top Gun. Qual Teresa Guilherme dos trocadilhos com farinha e massa mãe (que, fiquem a saber, também pode ser chamada de isco), Paulo Sebastião apresenta-se assim: boné na cabeça, palmier tatuado no braço, blogger e padeiro. O mais recente padeiro de Lisboa.
Dizemos recente porque o Isco (lá está), a padaria que abriu em Alvalade, tem apenas poucos dias, mas Paulo foi um dos primeiros portugueses a dedicar-se à arte do pão, apesar de estar no estrangeiro. "Principalmente por estar no estrangeiro", corrige-nos.
Paulo viveu dez anos na Suécia, para onde foi trabalhar como consultor informático. E tal como acontece a muito boa gente, também Paulo precisou de sair de Portugal para sentir a falta de algo tão banal como o pão. "Limitava-me ao pão de supermercado, que é uma porcaria tanto lá como cá, sejamos sinceros", admite, revelando desde logo um dado que pode servir de exemplo a muitos: "Quantas vezes comprava pão escuro pensando que a cor vinha do centeio, quando na verdade aquela cor vinha de uma dose extra de xarope de caramelo".
Foi nesse momento que tentou fazê-lo em casa. "Deve ser fácil", pensou. Mas não era.
Só depois de muitas falhas, muitas massas para o lixo e de muita paciência conseguiu chegar a um ponto que se revelou sem retorno, o de abandonar a carreira para se dedicar 100% ao fabrico de pão artesanal. "Na verdade não gosto nada de lhe chamar pão artesanal. O que nós fazemos é pão à séria, os outros são meros substitutos de pão", esclarece.
Da Suécia para Alvalade
Não esconde que aquilo que o fez regressar no ano passado a Portugal foi um convite para consultor da Padaria Portuguesa, parceria sobre a qual não se alonga, resumindo o episódio a algo com o qual, afinal, não se identificou. Mas entretanto, aos 33 anos, tinha trazido a mulher, sueca e doutorada em Biomedicina, e o filha para Lisboa, na promessa de continuar cá o trabalho que já vinha a desenvolver em padarias na Suécia.
Da ideia de ter um sítio seu ao dia da inauguração passou um ano, mas um ano que lhe dá a segurança de abrir portas a um conceito que espera que mude a mentalidade de quem está habituado ao tal pão de supermercado.
O pão quer-se mais ácido do que doce (o sabor doce é artificial e o ácido vem da fermentação natural) e o pão que veem na montra do Isco não está queimado, deve mesmo comer-se o pão mais tostado e, por isso, mais protegido do ambiente exterior, do que branco e mal cozido, como em Portugal se está habituado.
A gozar da vantagem de ter uma padaria em nome próprio, as variedades de pão nunca são as mesmas e variam consoante a vontade — e a imaginação — de quem o faz. Mesmo assim, o de trigo (3,50€) e o de espelta (4,50€) vão ser presença constante neste espaço que não se quer ver apenas como um ponto de venda.
"A ideia é vir com calma, falar connosco, beber um café", explica Paulo. E por falar em café, fez questão de trazer para o Isco "os baldes de café" que se habituou a beber na Suécia. "Um expresso é demasiado pequeno para acompanhar um bolo", admite.
É que apesar de ser uma padaria, os doces também têm o seu espaço, desde que sejam "pastelaria de padeiro", como lhe chama, ou seja, pastelaria que implica massas fermentadas, como é o caso dos croissants (1,80€), o painauchocolat (2,20€) e os kanelbullar, uns rolinhos que podem ser de canela ou cardamomo (1,50€), típicos da Suécia. "Faz-me muito mais sentido fazê-los cá, para marcar a diferença, da mesma forma que fazia pastéis de nata na padaria onde trabalhava na Suécia".
Uma padaria de bairro
A escolha de Alvalade não foi aleatória. "Queria ter uma padaria de bairro, daquelas onde as pessoas vêm em família, vemos as mesmas caras todos os dias, conhecemos a família e sabemos o que cada um gosta", refere.
A este lado mais tradicional, Paulo junta a irreverência da falta de uma lista tradicional de produtos sempre disponíveis. "Gosto de provocar, de dizer que não há hoje, não há agora, mas vai haver daqui a duas horas ou no dia seguinte. Tinha um amigo sueco que dizia algo como: 'A ânsia é a chave da degustação'", lembra. E é por isso que os pães nunca são os mesmos, nem estão disponíveis todo o dia — ainda que, ao contrário do que acontece na maior parte das padarias em que o pão é cozido de manhã e fica para o dia todo, se for ao Isco à hora de fecho sabe que tem pão que foi cozido há uma hora.
Mas, qual spoiler alert, deixamos-lhe aqui as edições especiais dos próximos dias: pão de mistura com nozes e pão de centeio dinamarquês, "daqueles cheio de sementes", garante Paulo.