O Halloween de 2024 marcou a abertura do Karater – Taste of Georgia, um restaurante que tem como missão dar a conhecer a gastronomia deste país da região do Cáucaso, na Europa Oriental. Quis o destino que o fôssemos conhecer precisamente no Dia da Independência da Geórgia (26 de maio).

Guram Baghdoshvili e Pedro Carvalho são a dupla que quer meter a Geórgia no mapa. O chef georgiano (e rockstar nos tempos livres) e o português, que viveu uma década nesta antiga república soviética e por ela se apaixonou, têm vindo a trabalhar juntos de há alguns anos para cá, sendo o Karater a sua mais recente aventura.

Karater. Já pode provar comida da Geórgia sem sair de Lisboa (como dumplings e croquetes típicos)
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"A nossa ideia era abrir um restaurante para pessoas de leste, mas também para expatriados e portugueses", explica-nos Pedro Carvalho, sócio e co-fundador, que adianta que os outros dois espaços de comida georgiana na capital são "mais virados para público de leste".

Pedro Carvalho acredita que "a cozinha georgiana merece ser reconhecida". Para o chef Guram Baghdoshvili, "é tão boa como comida italiana e francesa", e até tem parecenças, mas "com produtos asiáticos". "É tudo um conforto urbano, easy going, menos é mais. Uma comida muito nobre, fresca e barata", descreve o cozinheiro.

A cozinha do Karater está aberta todo o dia a partir das 12h30. O espaço é pequeno e, também por isso, acolhedor. A poucos minutos a pé do metro da Baixa Chiado, consegue sentar 30 pessoas em simultâneo (algo que vimos acontecer na noite de segunda-feira em que o visitámos).

Foi no Bairro Alto que Guram e Pedro decidiram estabelecer o seu novo projeto, apesar de muitos os terem tentado dissuadir, por se tratar de uma zona em aparente decadência, devido à vida noturna. O par, que detém outros três restaurantes na Geórgia, defende que, em conjunto com os proprietários de outros negócios recém-inaugurados, está "a marcar a diferença" e a "dar outra vida" a este bairro lisboeta.

O cheiro que vai saindo da cozinha, e que não tem muito por onde passar, é um teaser da experiência gastronómica capaz de se viver ali. Ao sair da zona de conforto e abdicar do sushi que já o conquistou, dos hambúrgueres cómodos ou dos kebabs do costume, vai permitir abrir os seus horizontes e conhecer um tipo de gastronomia diferente.

O prato mais instagramável é, sem dúvida alguma, o barco de queijo, ou kachapuri, uma "comida muito antiga", que remonta à Idade do Bronze, assim como nos contou o chef, numa das suas lições de História improvisadas, que, além de nos apresentarem a Geórgia, também servem para ficar a par dos alicerces desta ementa.

Este pão em forma de barco vem recheado de uma mistura de queijos, manteiga e um ovo cru. Tudo é envolvido quando chega à mesa (e convida a gravar aquele vídeo quase obrigatório). Ao servir, os compridos e teimosos fios de queijo aumentam a vontade de provar. "Deve cortar-se o pão à volta com as mãos e demolhar no molho", avisa Guram, sobre este prato guloso e imperdível para os amantes de queijo.

"A comida georgiana usa muitos produtos derivados de laticínios, como o queijo", justifica o chef, destacando ainda a romã, a beringela, os cogumelos e as nozes como presenças assíduas nesta gastronomia. O requeijão com abóbora, hortelã, romã e pimenta (12€), por exemplo, é "muito típico na Geórgia", assim como o chakapuli de borrego, um ensopado georgiano cozinhado lentamente com vinho branco de ânfora, estragão verde e ervas aromáticas (18€).

Também provámos o pkhaleuli com pão de milho, uma seleção de patês de vegetais com ervas aromáticas, especiarias e nozes frescas trituradas, com rolinhos de beringela, espinafres, beterraba e feijão verde (15€) e os clássicos khinkali (10€/8un), uma espécie de dumplings com recheios como queijo e cogumelos.

Para sobremesa, sugerem bolo de mel (8€), com um creme suave e doce, e bolo Napoleão (8€), um dos clássicos desta cultura, com imensas camadas finas de massa folhada. Para ter a experiência completa, terá de se aventurar pelo mundo dos vinhos georgianos, que merecem todo um menu à parte, e que pode provar a copo (desde 6€) ou garrafa (desde 22€), como o Chelti e o Rkatsiteli Qvevri, que produz vinho natural em ânfora.

Neste restaurante informal, não está livre do chef puxar uma cadeira e sentar-se à mesa consigo, para lhe apresentar as suas criações ou conversar sobre tudo e nada entre copos de vinho. Guram Baghdoshvili morou 20 anos em Portugal até voltar para a Geórgia, onde passou outros dez, antes de regressar.

"Passei cá os melhores anos da minha vida", reconhece, como motivo para ter voltado. Diz que tem uma força que o puxa para Portugal e que, cumprida a tarefa que o levou de volta ao local onde nasceu, veio de novo para terras lusas criar aquilo que interpreta como "um gesto de gratificação para contribuir para a sociedade portuguesa", onde se sentiu "integrado desde o dia 1".

"Há 20 ou dez anos não me atrevia a fazer um restaurante georgiano em Portugal", reconhece. "Acho que abrimos na altura certa", afirma, assegurando que tem tido "um feedback explosivo, como fogo de artifício" sobre este "cantinho georgiano no coração de Lisboa", que vive muito do "passa a palavra".

Neste cantinho que foi outrora uma tasca, há enchidos pendurados, música ambiente, uma garrafeira iluminada e uma vontade de impressionar. "Trazemos comida de outro país, mas sempre a respeitar a de Portugal", assegura Pedro Carvalho, que, licenciado em Engenharia Alimentar, é o braço-direito de Guram.

"É uma gastronomia extremamente verdadeira, que valoriza a qualidade do produto. Alternativa, muito vegan e vegetariana", descreve o chef com 36 anos de experiência na área. "Aqui são todos meus convidados, não são clientes", sublinha, esclarecendo: "Sonhos? Temos muitos. Nunca lutaria por uma estrela. Quero ficar mais perto do povo".