A pandemia trocou-nos a todos as voltas. Susana Correia investiu as poupanças de uma vida num negócio na área da restauração, tendo mesmo chegado a vender alguns dos seus bens pessoais. Os contratos estavam todos assinados, incluindo o de arrendamento de um espaço nas Avenidas Novas, em Lisboa, onde este restaurante iria abrir. O espírito era positivo, porque nos tempos do pré-COVID este era um dos setores, a par da hotelaria, em grande expansão.
"Era o tempo das vacas gordas para a restauração. Com um bom chef, uma boa equipa e com um bom produto só podia correr bem", conta à MAGG. "Sempre fui muito sociável, gosto muito de receber e, portanto, sempre sonhei ter um restaurante para bem receber."
A proprietária — jurista, antiga diretora de eventos do Barclays e ex-diretora geral de uma empresa de automóveis de luxo — desde o início que tinha definida "a rock star", como lhe chama, do seu restaurante: o chef Abel Moura e Cunha, antigo chef-executivo do restaurante Rabo d’Pêxe e do Hops Beer & Co., no Campo Pequeno, de onde saiu para se atirar a este novo desafio.
As obras começaram em março e, de repente, vêm os estados de emergência e o fecho do país — e do mundo — devido à COVID-19. Com isto, começa o escorrer de dilemas de quem não conhece o futuro e tem entre mãos um projeto a nascer num setor que, de um dia para o outro, paralizou. "Caiu-me isto em cima da cabeça e, a dada altura, não sabia o que fazer."
Qual seria o caminho certo a tomar? Era seguir em frente: "Vendo o pouco que me sobrava, decidia que avançar — até porque tinha criado a expectativa dos postos de trabalho e faltar à minha palavra é a pior coisa que me pode acontecer."
As obras, que deveriam, ter ficado concluídas em abril, terminaram, afinal, em junho. Antes disto, o conceito, a decoração e os orçamentos tiveram de ser ajustados ao inesperado novo panorama que se enfrentava. Houve procedimentos que se tornaram mais dispendiosos, porque a exposição ao mundo pandémico valorizou os serviços. Mas também houve a empatia de quem entendia a delicadeza do momento. "Tive uma grande sorte com senhoria que reduziu a renda para metade durante 3 meses", conta.
Por isso, no sítio em que tinha sido idealizado um restaurante na linha "mais luxuosa" do fine dinning, nasce o Lucky Nr 5, numa alusão ao número da sorte de Susana Correia que, desde pequena, pensa neste algarismo com carinho, não tivesse uma forma semelhante à inicial do seu nome. "Achei que precisávamos toda a sorte do mundo."
O fine dining foi deixado de lado. Era preciso ter um conceito adaptado às novas circunstâncias que o país atravessa, onde começa a não existir muita margem para o luxo das refeições muito caras. Assim, do luxuoso, a formulação deste restaurante muda de figura e, com um cunho que se quer sofisticado, mas relaxado e com bom ambiente, segue para um imaginário de Saint-Tropez o sítio preferido de Susana Correia para passar férias. Há leveza e alegria das cores e as flores, a sofisticação dos materiais, os contraplacados, que "fazem lembrar a areia da praia", montando a "atmosfera boémia, chique, mas não carregada" da riviera francesa.
Seja vindo de um dia de trabalho na adjacente Caixa Geral de Depósitos ou ainda com a pele salgada do mar, aqui apela-se à transversalidade dos momentos em que se quer relaxar. "É um restaurante em que a pessoa pode vir de fato e gravata, como pode vir saído da praia. Quisemos criar esta confluência de diferentes tipos de clientes, que venham para um sítio onde se sintam bem."
Com opções para partilhar ou para uma refeição individual completa, a carta pensada por Abel Moura e Cunha não segue uma forma ou ordem convencionais e, por isso, não vai encontrar uma secção de entradas e uma de pratos principais. "A carta está dividida em dois: há as opções raw e as opções cooked", explica o chef. "Não há diferenciação entre pratos principais. Todo o produto é português, de origem nacional, tanto carne como peixe."
Na parte crua vai encontrar inspirações que vão desde a América do Sul ao Japão: há chevice (9€) tártaros de atum ou novilho (9€), tataki de espadarte (8€), tiraditos de peixe (8€), massa fria (9€) ou salada de burrata (10€). É também aqui que encontra a Lucky Box (60€, para duas pessoas), a experiência de assinatura do restaurante e que consiste numa degustação composta por cinco momentos, onde o cliente tem a oportunidade de provar os cinco peixes do dia. "
Neste prato de assinatura não há pratos standard, tanto que o objetivo é ir variando diariamente, também consoante o produto com que se está a trabalhar. Por isso, o início desta degustação começa com o cliente a observar a caixa com os cinco peixes, que serão depois confeccionados de formas diferentes. Só o primeiro momento é que sempre igual, ainda que o produto varie: "Começamos sempre com sashimi que inclui todos os peixe que estão na caixa, para as pessoas perceberem a variedade dos produtos que vão provar nos pratos a seguir, trabalhados com outras técnicas."
Abel Moura e Cunha tem um carinho especial pelo peixe, não fosse este o grande protagonista no seu background. "É o produto com o qual gosto muito de trabalhar. É mais sensível, temos de ter muito mais cuidado. Facilmente se estraga se não tiver bem fresco — e também o temos de saber trabalhar."
Para o chef, não há nenhum motivo para em Portugal este não ser um produto de destaque. "Temos o melhor peixe do mundo", diz, acrescentando que, pelo Lucky Nr 5 vão passar cavalas, carapaus, salmonetes, sardinhas ou a a nobre barriga de atum.
Do lado dos pratos cozinhados, há baos com caranguejo de casca mole (10€), pica pau de atum (9€), robata de camarão com packshoy (11€) e ainda carnes maturadas, seja chuléton (13€, 200g), da vazia (13€, 200g) ou acém (14€, 200g) ou ainda presa de porco preto (13€).
"É uma carta para um grupo de amigos com gostos diferentes", refere a proprietária. "Uma das melhores sensações num restaurante é o da pessoa poder entregar-se ao chef e, por isso, é que quis trabalhar com o chef Abel Cunha, que conheci como cliente no Rabo d'Pêxe. Temos carta, mas temos um chef intuitivo e que é capaz de sugerir fora dela."
Quanto aos vinhos, são quase todos nacionais. "De fora, só temos um champanhe francês, o Ruinart, que é um reflexo do meu gosto pessoal", conta Susana Correia. Além disso, boas notícias para os apreciadores de vinho (tinto, branco e até rose), que nem sempre têm quem os acompanhe: "Quisemos contraria aquela ideia de ter só o pior vinho para servir de forma individual e, por isso, temos um leque vasto de vinhos a copo."
A única secção convencional é a que fecha e adoça as refeições. Na parte das sobremesas, pode optar por uma tarte de caramelo salgado (5€), por um mix de frutas (4,5€) ou ainda por um éclair da famosa pastelaria da Duque d'Ávila L'eclair (5€).
Aberto há seis dias, a primeira semana está a correr bem. "Nunca houve um turno sem trabalho", conta. Sobre o futuro, que continua imprevisível, Susana Correia fala numa certa "inquietude" face à possibilidade de serem levantadas novas restrições. "Estou com algum receio das medidas que possam ser levantadas", conta. Em relação ao trabalho que tem sido feito, está segura. "O feedback de quem nos visita tem sido fantástico."