Passamos naquela rua praticamente todos os dias e quase todos os dias vemos coisas a acontecer. Na Duque de Ávila ou abre mais uma padaria (Portuguesa ou do Bairro), ou fecha mais um dos restaurante saudáveis que tenta rivalizar com o McDonalds mais antigo de Lisboa.
Numa dessas passagens rápidas a caminho do metro, percebemos que mais um espaço vai mudar de ares. Num dia fecha, noutro está em obras, no seguinte abre. É certo que as coisas não acontecem a este ritmo, mas vamos acelerar o processo e passar ao que interessa. E o que interessa aqui é que no número 32 há agora um restaurante que obriga quem passa a parar. "Vejo muita gente a espreitar, a acenar com a cabeça em sinal de agrado e a arregalar os olhos quando se apercebem da ementa", conta Henrique Costa Pereira. Aqui o espanto não está num menu sem carne nem peixe, que isso já não é novidade em Lisboa. Está sim numa lista de pratos totalmente vegana, servida a preços justos, num restaurante cuja decoração e serviço estão próximos do fine dining.
É assim o The Green Affair, um espaço aberto só ao jantar (para já) e onde é possível comer coxinhas, bifes, hambúrgueres e ceviches, sem peixe nem carne na equação.
O menu, ainda que não totalmente fechado, apresenta opões que vão das entradas às sobremesas, em resultado de um mix de ideias entre os chefs que lideram a cozinha — Marco Farias e Bruno Martine —, o chef e bloguer vegano Alho Francês e o próprio Henrique que, apesar da inevitabilidade de ter que provar de tudo nos outros restaurantes que fazem parte do Grupo Alentejo, no qual trabalha como gestor de operações, diz-se "praticamente vegano". Em casa não se cozinha nada de origem animal e os filhos gémeos, de três anos, provaram no outro dia carne pela primeira vez, numa festa com poucas opções. "Não gostaram nada", admite.
E quase como um teste, vemos uma das clientes a chamar Henrique para perguntar se a cadeira onde se senta não é feita de pele. "Garanto que não, é sintético. Fiz questão que nada que cá entrasse tivesse qualquer tipo de produto de origem animal", garante. Mais descansada, a cliente segue com a refeição e nós damos início à nossa.
A carta
O menu divide-se em duas folhas: uma com comida, outra com bebida. Sim, não pense que vem aqui só para beber um chá. Também o pode fazer, mas saiba que tem disponível toda uma lista de cocktails (com e sem álcool) feitos com fruta fresca, além de vinhos que vão dos veganos aos mais habituais, assim como as cervejas, que podem ser sem glúten, artesanais ou simplesmente, de pressão.
"Queremos democratizar este tipo de restaurante, com opções para todos os gostos", explica Henrique, justificando assim também algumas das escolhas para os pratos, onde não escapam as tendências que se notam na escolha de ceviches e tártaros, mas também os clássicos, como as massas, os hambúrgueres e os bifes. Aliás, é neste último item da carta que paira o mistério. "A nossa receita secreta de Bife de Seitan", escrevem eles. "Tem que provar", dita Henrique. "Vamos a isso", dizemos nós.
Pela mesa já nos tinham passado o tártaro de beterraba e abacate (4,95€) e as 'coxas' de couve-flor (5,95€), a imitar as que seriam de frango mas que, com a textura e a conjugação de sabores certa, ficam ainda melhores na versão vegetal.
O bife de seitan (9,95€), feito de raiz e manualmente na cozinha do restaurante, chega ao mesmo tempo que o tofu marinado com broa de milho, acompanhado de salada e puré de vegetais da época (8,25€). Tudo ótimo à exceção de um pormenor: escolheram pastinaca para desfazer em puré, que apesar de saborosa tendo em conta a mistura de sabores entre a cenoura e o nabo, é uma raiz colhida do outono à primavera. Assim como a batata doce, cuja época terminou em Abril, e que vem como acompanhamento do bife. Mas não queremos aqui tomar a posição de nazi da agricultura e, confessamos que não é por estarmos já no verão que não deixamos de atacar estes palitos gulosos que, por serem na versão laranja do tubérculo, quase que parece um doce.
Já nas sobremesas e em esforço, depois de uma refeição já completa, atirámo-nos a um cheesecake de caju, citrinos, tâmaras e nozes (5,25€) e a uma fatia de bolo de chocolate a três texturas (4,95€). "Por cá não há açúcares nem farinhas refinadas", refere Henrique, na tentativa de tirar peso de uma consciência que não podia estar mais leve depois de uma refeição em que os preços são justos, a comida é saborosa e o ambiente é de requinte.
"Acredito que o futuro da restauração é vegetariano e feminino", arremata Henrique. O vegetariano já percebemos, mas e o feminino? "Sem cair em clichés, é mais que óbvio que é cada vez mais das mulheres a tomada de decisão de tudo, até a do local onde comer fora", lembra, "e como tal, há que dar atenção àquilo que é naturalmente mais feminino: o cuidado com a saúde, a decoração do espaço e a apresentação dos pratos".