A nossa primeira visita ao The Yeatman tinha como objetivo principal conhecer as novidades do Gastronómico, o restaurante de fine dining do hotel de cinco estrelas, que tem como chef o aveirense Ricardo Costa. Mas foi muito mais do que isso. Do quarto com uma vista de suster a respiração à massagem, passando pela visita à garrafeira e pelo mergulho no banho romano, foram quase 24 horas de uma experiência quase perfeita.

Vamos por partes que isto foi uma viagem

Descrever as três horas da experiência gastronómica que vivemos no Gastronómico é difícil mas pode resumir-se numa palavra: sinfonia. Esperávamos que houvesse mais formalidade e rigidez, mas a mestria da equipa de sala, liderada por Pedro Marques (vencedor da distinção Serviço de sala na Gala Michelin Portugal 2024), faz com que tudo seja fluido e fácil, desde o momento que nos sentamos para provar o suspiro LYO, ainda no Dick’s Bar & Bistro, até à garfada final, já com o sol a pôr-se e a pintar o casario de tons ocres.

Restaurante Gastronómico
Restaurante Gastronómico Restaurante Gastronómico

Dos quase 20 momentos que compuseram esta experiência, em que apenas o waffle de espinafres causou alguma desilusão, destacamos a divertida criatividade com que a sandes de atum é apresentada (dentro de uma folha de papel, que diz 'sandes de atum'); a inacreditável crocância do suspiro LYO (que é uma recriação do frango assado no churrasco, e com a pele igualmente estaladiça); a sardinha, um prato composto por um creme salgado e com o sabor do peixe a ser complementado com uma redução de vitela, um casamento explosivo na boca e que se tornou ainda mais inolvidável graças ao pairing inesperado com sake Zaku; a zamburinha galega, molusco que nunca tínhamos provado e que, combinado com a frescura da maçã e do yuzu, proporcionou a sensação cinestésica de estar a experimentar um bom perfume.

Na reta final da refeição, chegou o rei, tratado como só um homem da Beira Litoral o saberia fazer: o leitão, com a pele impossivelmente tostada e a carne ridiculamente amanteigada, a causar sensações pecaminosas na boca, naquele contraste tão bom que só um bacorinho bem confecionado consegue proporcionar. E por falar em finais felizes, a tripa de chocolate. Só quem é dali da zona de Aveiro sabe o que comer uma tripa significa, o sabor a mar, a praia, cabelos alegremente pintados de areia, a despreocupação misturada com o calorzinho morno daquela almofada elástica, recheada de dengoso chocolate (aqui espicaçado com texturas crocantes).

Veja o que comemos no Gastronómico

O menu de degustação (clássico ou vegetariano) tem o custo de 250€ por pessoa. Há dois suplementos vínicos, o Prime Selection (250€) e o The Yeatman Selection (125€). O suplemento de bebidas não alcoólicas tem o custo de 90€ por pessoa. As reservas podem ser feitas através do site do The Yeatman ou do e-mail fb.reservations@theyeatman.com.

Ricardo Costa. "Tudo o que é gestão de recursos humanos, contas, gosto muito de o fazer e nunca abdiquei disso"

O líder da cozinha do hotel de cinco estrelas de Gaia recebeu-nos na sala do Gastronómico durante a tarde. O silêncio das alcatifas contrasta com o burburinho vindo da cozinha. Ricardo Costa, de 44 anos, está na equipa do The Yeatman desde a abertura do hotel, em 2010. São dele as duas estrelas Michelin conquistadas desde 2011, e é dele também a responsabilidade de gerir uma equipa de 80 pessoas e todos os espaços onde é servida comida no hotel, desde o Dick's Bar & Bistro até ao Gastronómico, passando também pelo recém-inaugurado Mira Mira, que fica ali ao lado do hotel, no World of Wine (WoW).

"A vantagem de estar sempre em casa é ter equilíbrio a nível de equipas, de administração, de conhecimento. Isso dá-me uma estabilidade muito maior para estar sempre a fazer mais e mais, a melhorar. São 14 anos aqui no The Yeatman. Foi sempre um crescendo, com coisas boas, coisas menos boas, mas essa estabilidade é que faz a diferença", reflete Ricardo Costa, referindo que "estabilidade" se traduz em "consistência" no seu trabalho.

Conceitos como a sustentabilidade, o quilómetro zero e o privilégio pela produção nacional têm vindo a tomar presença cada vez maior na alta cozinha, da qual Ricardo Costa é um dos nomes de proa. O chef diz que sempre houve a preocupação com o desperdício na sua cozinha, inicialmente por causa do "fantasma do food cost" e mais recentemente também por questões ambientais. "A maioria dos produtores e das empresas de revenda foram-se adaptando e temos cada vez mais oferta a nível nacional. Claro que destacamos o peixe e os mariscos, onde somos realmente fortes, mas começámos a apostar nas carnes, o que evoluiu bastante até aos dias de hoje", salienta o chef.

Chef Ricardo Costa
Chef Ricardo Costa Chef Ricardo Costa créditos: ALVARO MARTINO

O menu de degustação, que sofreu algumas alterações, com a introdução de mais peixe e marisco para condizer com a época estival, tem também uma opção totalmente vegetariana. "O nosso menu vegetariano, para ser super honesto e transparente, é uma réplica do nosso menu normal. A experiência é exatamente igual, só que trocámos a proteína animal por uma parte vegetal. O feedback é muito positivo porque encaro o processo exatamente da mesma forma", explica Ricardo Costa, que acredita que "o futuro passa por aí". "Daqui a 10, 20 anos, se calhar 90% dos menus serão constituídos por vegetais, deixando a proteína animal e focando-nos apenas nos vegetais. Alguns já o começaram a fazer, na minha cabeça acho que só daqui a 10, 20 anos", acrescenta o chef.

Com menus de degustação e vista privilegiada para o Douro. Já reabriu o Mira Mira by Ricardo Costa
Com menus de degustação e vista privilegiada para o Douro. Já reabriu o Mira Mira by Ricardo Costa
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Ser chef executivo do The Yeatman significa, como descreve o próprio, ter "uma vida dupla". "Durante o dia faço a parte executiva e à noite venho para aqui". Com a abertura do novo restaurante de fine dining no WoW, Mira Mira by Ricardo Costa, em abril, e o seu espaço em nome próprio no Time Out Market Porto, no início de maio, o chef aveirense tem agora mais dois espaços para gerir, além de toda a responsabilidade de ser chef executivo do The Yeatman, que inclui gerir desde o room service a banquetes, passando pela oferta da piscina. "Às vezes é felizmente, outras vezes é infelizmente. Depende da altura do ano (risos)! O que é certo é que dá muito jeito ser chef executivo do hotel porque, quando falta um cozinheiro, temos o poder de fazer isso [rodar as equipas]. A nível de gestão é muito importante porque eu consigo trabalhar com determinados ingredientes que, se calhar, no Mira Mira, não posso. Podemos aproveitar tudo em diferentes contextos", explica.

Ao contrário da ideia romantizada do que é o trabalho de um chef, Ricardo Costa salienta a importância de conhecer a fundo o processo de gestão. "Gosto bastante da parte executiva. Tudo o que é gestão de recursos humanos, contas, gosto muito de o fazer e nunca abdiquei disso. As grandes propostas que tive na minha carreira foi sempre para [executivo] nunca foi para Michelin. As pessoas até podem admirar, gostar, mas quando se fala em grandes propostas, é sempre para executivo, tomar conta de resorts, hotéis, grandes, porque não há executivos. Eu gosto muito da parte da gestão mas tenho as minhas regras. Gosto de estar a par de tudo, dos números", afirma.

A importância de contas certas e equilibradas, seja num snack bar seja num restaurante com duas estrelas Michelin, é um fator crucial para a sobrevivência do negócio. "Somos todos muito bons mas se os números não funcionarem...", diz ainda Ricardo Costa.

"A Bíblia" do vinho e um lugar mágico onde repousam 35 mil garrafas

Em 2021, o The Yeatman venceu o prémio de Melhor Carta de Vinhos de Hotel do Mundo nos World's Best Wine List Awards 2021. Uma distinção que Elisabete Fernandes, diretora de vinhos do hotel, faz questão de mencionar, e que é fruto de um trabalho que começou quando o hotel nasceu, há 14 anos. Ou não fosse este um negócio que se foi consolidando em parceria com os vários produtores de vinho, não só presentes na garrafeira, à porta de cada um dos 109 quartos e suites e, na realidade, em todos os recantos do hotel.

Elisabete Fernandes, diretora de vinhos do The Yeatman
Elisabete Fernandes, diretora de vinhos do The Yeatman Elisabete Fernandes, diretora de vinhos do The Yeatman créditos: DR

Na garrafeira do The Yeatman, de onde saem os vinhos para todos os espaços de restauração do hotel, 96% do produto é nacional. A génese do The Yeatman, a divulgação da cultura do vinho portuguesa, resultou na estratégia vencedora de formar uma "parceria inovadora" com produtores nacionais. "Os primeiros a aliarem-se a nós foram os compadres do vinho do Porto, nesta parceria inovadora, que é um hotel de cinco estrelas em Gaia, em que tinham a possibilidade de batizar um quarto, decorá-lo a gosto e promover Portugal", explica Elisabete Fernandes, que começou a trabalhar no The Yeatman em 2010 como sommelier.

A relação contratual entre o The Yeatman e os parceiros passa por "um investimento no hotel". "E nós comprometemo-nos a divulgar o melhor que conseguimos, desde a organização de eventos à colocação nas cartas, rotação de stock", acrescenta a diretora de vinhos e responsável pela garrafeira do The Yeatman, um espaço onde é possível viajar por Portugal, do Minho aos Açores, sem sair do mesmo sítio.

O The Yeatman, nos seus vários espaços e experiências, serve como uma verdadeira montra para o mundo, dando a conhecer os rótulos nacionais aos seus visitantes, vindos de vários países. "É um investimento muito facilmente justificado. Imagine que tem uma marca de vinhos e quer dá-la a conhecer. Em vez de fazer feiras e eventos para chegar a um determinado tipo de público, o vinho é colocado na nossa carta, o vinho chega ao público que está aqui de férias, num contexto em que fica completamente deslumbrado com aquele referência e é um embaixador da marca para a vida", frisa Elisabete Fernandes.

Garrafeira do The Yeatman
Garrafeira do The Yeatman Garrafeira do The Yeatman

30 a 35 mil garrafas, o equivalente a entre 1500 a 1700 referências de mais de 100 empresas, descansam neste espaço, e é daqui que saem sempre que é feito um pedido ou uma compra. "Estamos a falar de uma carta que roda três vezes ao ano", explica a diretora de vinhos da unidade hoteleira. Além das várias cartas de vinhos, o The Yeatman tem "a Bíblia", o Wine Book, onde estão todas as referências disponíveis e que qualquer cliente pode consultar (e consumir).

Às quintas-feiras, há jantares vínicos com produtores, além de provas diárias, masterclasses e as já famosas sunset wine parties, que voltarão ao The Yeatman em julho.

Da massagem perfeita a um mergulho que é uma viagem no tempo

O The Yeatman Wine Spa não é um spa qualquer. Sónia Paiva, diretora, faz-nos uma visita por este espaço de relaxamento e descanso do The Yeatman. Uma escada em caracol, encapsulada dentro de uma estrutura que replica uma barrica, relembra-nos que este hotel foi criado para honrar produtores e apreciadores de vinho. "Trouxemos cores para dentro do spa, para tornar a experiência não só relaxante como também vibrante", explica. O The Yeatman Wine Spa divide-se em dois pisos, onde a área de bem-estar, mais íntima, no inferior, inclui sauna, sauna de infravermelhos, duche sensorial, banho turco e, em vez do tradicional jacuzzi, um banho romano. "A ideia foi trazermos o que foi o início dos spas", descreve Sónia Paiva.

O banho romano da zona de wellbeing
O banho romano da zona de wellbeing O banho romano da zona de wellbeing

Distintivo também, perto da fonte de gelo e das camas aquecidas, um lava-pés que, como diz a responsável do The Yeatman Wine Spa, agrada particularmente aos visitantes após um dia cansativo. A piscina interior é "o ex libris" do spa, como refere Sónia Paiva, proporcionando nos dias mais frios um mergulho reconfortante e, claro, com a vista que é a imagem de marca do hotel.

Nas massagens e tratamentos são usados produtos de marcas como Vinoble, Gentleman's Tonic, Natura Bissé e Ila. Fizemos a Wine Experience (130€, 60 minutos), uma massagem focada nas costas, cabeça e pescoço que recorre a diferentes técnicas para aliviar a tensão. Além de termos apreciado o facto de a música ambiente do Wine Spa não ter passarinhos e cascatas (o que, pessoalmente, nos irrita em vez de relaxar), a massagem deixou-nos quase a dormir, de tão eficaz que foi. O momento final, que inclui pisar grainhas de uva, é um acordar suave e o término perfeito desta experiência de deleite total.

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O quarto alentejano, a banheira com vista e a única desilusão

As notícias sobre o The Yeatman ser um dos mais fabulosos hotéis de Portugal são manifestamente exageradas? Não. Diríamos até que subestimam o que este espaço é. O hotel de cinco estrelas, que pertence à prestigiada associação de unidades hoteleiras e restaurantes Relais & Châteaux, é muito mais do que o postal ilustrado que o dá a conhecer: a construção em cascata sanjoanina, a reproduzir os socalcos durienses, e que permite uma vista panorâmica sobre o Porto (tantas fotos no nosso telemóvel, tantas fotos!) de todos os pontos do hotel (todos os quartos e suites têm vista rio) são apenas uma ínfima parte do que este hotel tem para oferecer.

Quase todos os quartos e suites, como referimos anteriormente, têm produtores de vinho como patronos. A nós, calhou-nos a alentejana Herdade do Sobroso, que dá nome a um quarto que é uma verdadeira casa, de tão espaço e luminoso. A decoração clássica, não demasiado faustosa, os sofás onde é possível descansar a contemplar a vista e a varanda com espreguiçadeiras, com a privacidade suficiente para sentirmos que estamos no nosso próprio refúgio sobre o Douro, e o pormenor da janela interior, que permite estar a tomar um banho de espuma enquanto contempla (de preferência de copo de vinho na mão) o por do sol, conquistaram-nos. Nada (mas absolutamente nada) a apontar. 

A nossa única desilusão no The Yeatman? O pequeno-almoço. Este é o único aspecto que pode ser melhorado. Beber o nosso café com uma das vistas mais incríveis de Portugal, e que é particularmente fabulosa quando está sol, é espectacular, mas há pormenores que fizeram a refeição mais importante do dia (pelo menos quando estamos num hotel) ficar abaixo das expectativas.

Não há serviço à la carte, embora tenhamos sido informados de que, se quiséssemos pedir algo que não estivesse disponível no buffet, o poderíamos fazer. É estranho num hotel de cinco estrelas como o The Yeatman não serem apresentadas logo à cabeça opções de ovos mais elaboradas, como os clássicos Benedict. Achámos também que faltavam mais opções saudáveis, como papas de aveia ou um húmus, por exemplo. Também achámos as hash browns e os donuts com um aspecto muito industrializado e pouco apelativo e não fazia mal nenhum que, em vez de papel, os guardanapos fossem de pano.

De acordo com simulação feita no site do hotel para a noite de 10 para 11 de junho, o preço para dois adultos começa nos 485€ em tipologia quarto executivo (com pequeno-almoço incluído, 20% de desconto no Wine Spa, welcome drink, acesso às piscinas interior e exterior, ginásio, área de wellbeing e estacionamento). Os valores podem ir até aos 3197€ na Suite Presidencial (com todas as condições anteriores e ainda jantar no Mira Mira, o novo restaurante do chef Ricardo Costa).

The Yeatman

Localização: Rua do Choupelo, Santa Marinha, Vila Nova de Gaia
Contactos: (+351) 220 133 100

Restaurante Gastronómico
Horário: terça-feira a sábado, com três turnos (18h30, 19h30, 20h30)
Reservas aqui

Site, Facebook e Instagram

* a MAGG visitou o The Yeatman a convite do hotel