Atenção: este artigo contém spoilers sobre o filme "Conclave"
Assistimos à antestreia de "Conclave" nas horas que antecederam o fecho das urnas e a contagem dos votos nos Estados Unidos, na noite de terça-feira, 5 de novembro. Na incerteza sobre os destinos do país mais poderoso do mundo vimos, embora na ficção, como se desenrola outra eleição. Igualmente política, quiçá até mais importante: a de um Papa.
A liderança da Igreja Católica é, em "Conclave", retratada como um processo repleto de intrigas, parcerias, traições, segredos, pecados mas também redenção. Baseado no best seller de Robert Harris, o filme realizado por Edward Berger ("A Oeste Nada de Novo", "Jack", "All My Loving") é protagonizado por Ralph Fiennes, que dá vida ao cardeal Lawrence, decano do Colégio Cardinalício e responsável pela gestão deste sufrágio.
Um conclave acontece de cada vez que há sede vacante (trono vazio em latim). Quando um papa morre ou renuncia às suas funções (como aconteceu com Bento XVI em 2013), os cardeais eleitores (são neste momento 121) reúnem-se no Vaticano para o conclave. No encontro à porta fechada e em isolamento total do mundo exterior, os cardeais votam, iniciando uma série de ciclos de sufrágio até que um candidato atinja dois terços dos votos (embora tal condição possa mudar, caso ao fim de três dias não se tenha encontrado um eleito). Após cada ciclo, os votos são queimados e o fumo visível na chaminé da Capela Sistina indica o desfecho: fumo preto, não há decisão; fumo branco, habemus Papam (temos um Papa em latim).
Após a morte do papa, dois nomes figuram entre os favoritos a usar o anel de São Pedro. O cardeal Bellini (Stanley Tucci), um norte-americano progressista, defensor de um papel mais interventivo das mulheres na Igreja, dos direitos dos homossexuais e de uma Igreja mais aberta ao mundo moderno, e o cardeal Tedesco (Sergio Castellitto), um italiano, conservador e que quer uma igreja mais ortodoxa e conservadora. Antes de os cardeais se isolarem do mundo, um visitante inesperado aparece, vindo de Cabul. A desconfiança e o mistério em torno da figura do cardeal Benitez (Carlos Diehz) perdurarão ao longo da história.
As alianças e as conspirações, as zangas, e o papel subalterno da mulher na Igreja são algumas das temáticas que atravessam "Conclave". Isabella Rossellini, que dá vida à irmã Agnes, tem uma interpretação absolutamente magistral, resumindo em gestos e expressões a espera, os silêncios e as humilhações que as mulheres têm sofrido, ao longo dos séculos, no seio da Igreja Católica. E os pecados mortais, sempre à espreita, a ganância e a vaidade, vão fazendo as suas vítimas ao longo de "Conclave".
"Conclave" é um filme esteticamente belíssimo, que nos dá o prazer de uma visita guiada às mais belas obras de arte do Vaticano. Não corre atrás da acção, usa o silêncio, e a música também, de forma brilhante. A história, no entanto, perde-se nas suas intenções nos 10 minutos finais, e ficamos com a sensação de que aquele desenlace é demasiado forçado, quase como se quisesse preencher certos pré-requisitos. No entanto, ao contrário do mundo real, onde o futuro não se avizinha risonho e os ventos de retrocesso e trevas sopram de oeste, naquela Santa Sé fictícia há uma réstia de esperança.