"Os Excesso são tão azeiteiros!". Se, por cada vez que esta frase foi proferida nos últimos 26 anos, se descontasse um euro na dívida pública, Portugal tinha um superavit suficiente para oferecer um Rolls Royce a cada português. A parte boa de ter 40 anos e de, em geral, me estar a marimbar para a opinião alheia é que, chegada a 2023, interessa-me tanto esse tipo de considerações como me interessa saber o que comeu João Galamba no voo Singapura - Lisboa.
Os Excesso são azeiteiros? O que é música azeiteira? Quem é que dita isso? O que nos faz feliz é azeiteiro? Perguntas que ficarão sem resposta porque não só ninguém quer saber, mas também porque o que nos traz aqui é mesmo o que aconteceu no concerto desta sexta-feira, 19 de maio, na Altice Arena, que marcou o regresso do coletivo formado por Carlos Ribeiro, Miguel Moredo (Duck), Gonçalo Vasconcelos (Gonzo), Fernando Melão e João Portugal aos palcos.
As expectativas eram muito baixas, não só porque o outro regresso do ano, o dos D'ZRT, acabou por ofuscar o dos Excesso, mas também porque nunca tinha visto a banda ao vivo. Não sabia bem o que esperar, sobretudo vindo de cinco homens de meia idade, nenhum deles atualmente artista a tempo inteiro, e que já não faziam isto juntos há duas décadas.
Quem esperava um concerto pobrezinho, com cinquentões a ofegarem e a arrastarem os pés, rodeados de umas dezenas de fãs, enganou-se redondamente. Ao longo de duas horas, com o apoio de uma banda e um grupo de bailarinos, rodeados de uma produção de fazer inveja, os Excesso dançaram, cantaram, tocaram (João Portugal passou uma parte generosa do concerto ao piano e Miguel Moredo tocou guitarra) e não desiludiram quem esperou mais de 20 anos por este momento. Cansados, sim (quem é que, com 50 anos, não ficaria?), mas não foi preciso chamar o INEM (Fernando Melão deu uma queda do palco, mas não passou de um susto).
Embora não estando esgotada, a Altice Arena estava bastante composta (talvez a 80%) para receber o coletivo, que arrancou o espectáculo com a energia nos píncaros, interpretando "I Like", "Não Fiques Mais à Espera" e "Eu Sou Aquele", o maior êxito da banda, que levou a plateia, maioritariamente feminina, à loucura.
Embora muito nervosos (e até tensos) no início (em especial João Portugal, que parecia ter no semblante carregado todas as preocupações do mundo), os elementos da banda descontraíram no momento das músicas mais lentas, como os mid tempo "Só Gosto de Ti" e "Quem Me Dera Saber", ou a balada "Não Quebres o Meu Coração". No final da atuação de "És Loucura", já era possível ver Carlos com os olhos turvados de lágrimas e João Portugal visivelmente emocionado.
Carlos Ribeiro, que deixou a Austrália para a reunião da banda, demonstrou que, além de estar numa forma física impressionante, continua a ser o melhor vocalista dos Excesso. Um desempenho apenas superado por João Portugal, que nos relembrou não só do exímio cantor e pianista que é, mas também das 'malhas' pop na sua curta carreira a solo e que ainda hoje se ouvem que é uma maravilha, como o dançável "Quero-te Abraçar" e o incrivelmente subestimado "Foste Tu".
Mas temos de fazer justiça a Fernando Melão, que, com o pop latino de "Coração de Melão", trouxe a casa abaixo, deixando com certeza muita respeitável mãe de família rouca de tanto gritar "ai coração de melão, melão, melão, melão!". A memória já não é o que era, mas, qual não foi o meu espanto quando, lá ao fundo do disco rígido, estavam as letras de "Pecado" e "Bailarina", singles das efémeras carreiras a solo de Duck e Gonzo, respetivamente. Prova de que: a) ainda não estamos xexés; b) devíamos ter passado mais tempo ao ar livre e menos a ver o Sol Música e a "Roda dos Milhões".
Do palco principal, a banda desapareceu e gerou-se um burburinho na Altice Arena. Minutos depois, os cinco Excesso apareciam no meio da multidão, cumprimentando os fãs, tendo subido depois para um palco mais pequeno, no meio da arena, para um momento mais intimista, acústico, durante o qual voltaram a interpretar o novo single (o primeiro em 23 anos), "Na Pressa De Ser Mais", uma canção ritmada, com apontamentos de rock, uma sonoridade mais atual e completamente diferente do que a banda fez no passado.
O regresso ao palco principal culminou com "Eu Sou Aquele", uma chuva de fitas e confetti e com os elementos da banda a serem acompanhados dos respetivos familiares, num momento emotivo e ternurento. Só ficaram mesmo a faltar os isqueiros, esse acessório essencial dos concertos na era pré-smartphone (que, convenhamos, têm um efeito bem mais bonito e menos poluente).
Os anos 90 já não vão voltar e o saudosismo em excesso, por vezes, impede-nos de abraçar o presente, seja ele o amor, a vida, novas tendências musicais ou mesmo um corte de cabelo atualizado. Mas há algo de muito puro e saudável nestes momentos, em que regressamos a tempos em que as nossas vidas eram mais simples, mais esperançosas, em que o próprio País era outro, uma promessa risonha de um futuro moderno, incumprido por pantânos sucessivos, como o que, tristemente, vivemos agora. Será um guilty pleasure uma pessoa esquecer-se disso, nem que seja por meros 120 minutos? Não é. É um dever, até.
Que o diga uma das fãs da banda, que exibia este cartaz (não são precisas mais palavras).
Veja a banda a interpretar o novo single
Quando entrevistei a banda, já num registo mais informal, e depois de ter confidenciado que sempre fui fã de boysbands, alguém me perguntou qual dos elementos dos Excesso era o meu favorito. Devo ter corado e não tive uma resposta pronta na altura. Não tive coragem de confessar que, na adolescência, não era propriamente fã embora (e o concerto provou-o) soubesse as músicas quase todas. Eu era devota, aficionada, membro da legião Backstreet Boys e, do alto do meu fervor adolescente, jamais trairia os meus cinco rapazes de Orlando (nunca subestimem a intensidade teen).
Mas, depois da entrevista, depois do concerto, acho que já sei qual é o meu eleito. Miguel Moredo (Duck), que andou este caminho todo, mais de duas décadas, a acreditar naquilo que ninguém acreditava. A teimar, a ter esperança, a reunir, a congregar os outros elementos (mais ou menos desavindos) em torno de uma ideia, em torno de um sentimento que, afinal, não tinha passado. O que Miguel Moredo sabia é que, dentro dos fãs (fossem eles mais ou menos entusiastas) nunca tinha morrido aquela alegria genuína, aquela liberdade desbragada de poder cantar e dançar em plenos pulmões, sem o cinismo que os anos teimam em colocar-nos nas costas. Eu gosto de histórias assim. E gosto muito de pessoas assim. Os Excesso são um romance que dava um livro (e um filme). Eu sou uma romântica e, suspeito, o Miguel também.
Os Excesso voltam a subir a palco no dia 17 de junho, na Super Bock Arena, no Porto.