Este artigo contém spoilers sobre o filme "Pôr do Sol: O Mistério do Colar de São Cajó". Se não quer saber detalhes, por favor não continue a ler.
"Vergonha? Eu já estive noivo de uma jornalista de lifestyle!". Se é assim que começamos, malta do "Pôr do Sol", começamos mal! Ah e tal, vamos fazer um filme epopeico sobre as origens de uma joia milenar e, pelo meio, desatamos a insultar jornalistas? Mau, Maria.
Viram o que fizemos aqui? Tentámos ter graça. Conseguimos? 99% de probabilidades para o 'não'. "Pôr do Sol: O Mistério do Colar de São Cajó", longa-metragem que serve de prequela à série da RTP "Pôr do Sol", chega às salas de cinema esta quinta-feira, 3 de agosto, e promete mexer com os rankings de receitas de bilheteira de 2023, tal é a expectativa em torno do filme.
Em "Pôr do Sol: O Mistério do Colar de São Cajó" recuamos 3500 anos até ao tempo em que o misterioso colar foi forjado pelos Ourives Celtiberos, mais tarde Ourives de Cister, e que na altura tinha outro nome. Até à atualidade há vários saltos temporais, com as personagens que conhecemos da série a assumirem outros nomes, consoante a época, embora com o mesmo propósito. O filme é também o último trabalho feito em vida por Luís Aleluia, que morreu a 23 de junho. O ator interpreta Sebastião, o fiel funcionário dos Bourbon de Linhaça.
Se as duas temporadas da série, emitidas em 2021 e 2022, tratavam estereótipos absurdos das novelas portuguesas, o filme vai beber inspiração a histórias de fantasia como "O Senhor dos Anéis" ou "Guerra dos Tronos", sempre com um forte pendor de portugalidade (e é refrescante ver alguém fazer humor disparatado com a História lusa, algo que, infelizmente, não estamos habituados a ver a não ser nas inesquecíveis rábulas nos tempos áureos dos programas de Herman José - e que tanta chatice lhe trouxeram).
"Pôr do Sol: O Mistério do Colar de São Cajó" não vai desiludir os fãs mais entusiastas da saga criada por Manuel Pureza, Henrique Dias e Rui Melo. Estão lá as tiradas nonsense, está lá o disparate, estão lá os Jesus Quisto, a banda fictícia que saltou para o mundo real e até já atuou em festivais.
No ano em que "Rabo de Peixe" elevou a fasquia para a ficção televisiva made in Portugal, este filme é a prova de que também é possível fazer bom cinema, pop, para todos e que todos compreendem. "Pôr do Sol: O Mistério do Colar de São Cajó" vai ganhar prémios no Festival de Cinema de Cannes? Não vai nem é esse o objetivo. Se vai rivalizar com "Barbie" e "Oppenheimer" no que toca a receitas de bilheteira? Ai apostamos dois quilos de cerejas da Herdade do Pôr do Sol que vai.
O que adorámos
1. Como Simão se tornou um vilão
Será um exagero dizer que Rui Melo, que dá vida a Simão, leva o filme de "Pôr do Sol" às costas. Mas é justo dizer que o ator, que é também um dos autores da saga, tem um desempenho brilhante, que serve de eixo ao longo de toda a história. Ele não é um, mas vários antepassados de Simão, o filho enjeitado dos vários Bourbon de Linhaça, sendo também, ao longo de séculos, um saco de pancada do pai, Miguel Bourbon de Linhaça (interpretado por José Raposo).
Na longa-metragem ficamos a compreender o porquê de Simão partir tantos copos de whisky e também não conseguimos evitar sentir algum carinho por aquele que é o vilão mais choninhas da ficção nacional. #Simão4Ever.
2. Os anais da "Blaze" (e o núcleo da Madragoa)
Foi preciso esperar dois anos para perceber de onde raio surge a revista "Blaze". Mas valeu a pena. Cristina (Sofia Aparício) e Raul (Rodrigo Saraiva) conhecem-se em circunstâncias, digamos assim, bizarras, e rapidamente decidem fazer nascer a "Blaze", apesar de não terem nada em comum. Carla (Susana Blazer) continua a ser a melhor e mais subvalorizada personagem da "Pôr do Sol". Susana Blazer encarna na perfeição o papel de funcionária subserviente, de mulher insegura e um bocado tonta e protagoniza momentos tão patetas e hilariantes que é impossível não nos identificarmos com aquela candura palerma.
Descobrimos também que Tó Mané (António Melo) e Ivone (Carla Andrino) nem sempre foram um casal e que tudo começou com uma traição (mas não é o que vocês estão a pensar).
3. O início dos Jesus Quisto
Da Idade Média para a Faculdade de Direito são uns séculos de viagem mas é o tempo necessário para percebermos como é que Vera (Madalena Almeida), Diogo (Cristóvão Campos), Jimmy (André Pardal) e Lourenço (Diogo Amaral) se conheceram. Descobrimos que havia outra banda antes dos Jesus Quisto e que - choque! Jimmy nem sempre foi vegan.
4. O melhor product placement do sempre
Na primeira temporada de "Pôr do Sol", tivemos paródias à publicidade indireta de produtos nas novelas. Mas, em "O Mistério do Colar de São Cajó" há um patrocinador a sério, e um dos melhores e mais hilariantes momentos de product placement que já vimos. Vamos só deixar aqui um pequeno teaser...
O que podia ter sido melhor
1. A viagem no tempo do Colar de São Cajó
A ideia de contar a história do Colar de São Cajó é boa, mas achámos que se perde demasiado tempo em saltos históricos quando se podia ter dado mais tempo aos núcleos secundários, como o da Madragoa, ou o da revista "Blaze". Demoramos demasiado tempo até perceber qual é, afinal, a maldição do colar, que nem é assim tão importante para a história.
2. A história de Madalena e o abandono das trigémeas
Gabriela Barros voltar a dar vida às trigémeas Matilde, Filipa e Salomé e, mesmo num estado avançado de gravidez, não deixa de dar o corpo ao manifesto (literalmente), desdobrando em cenas de comicidade física imperdíveis.
Ficamos a saber como começa a relação de amor / ódio de Madalena e Lourenço (Diogo Amaral), percebemos como é que Filipa vai parar à "Blaze", mas fica muito por contar sobre a história das trigémeas. E ficamos com vontade de saber mais porque Madalena (Sofia Sá da Bandeira) está sempre a chamar a atenção para o facto de "nunca ter tido gémeas". Será dica para a sequela?