Atenção: este artigo contém spoilers sobre o filme "Podia Ter Esperado por Agosto", que chega às salas de cinema portuguesas esta quinta-feira, 18 de julho. 

"Podia Ter Esperado por Agosto" marca a estreia de César Mourão na realização de uma longa-metragem. O ator de 45 anos é criador, produtor executivo e protagonista do filme, que se pode categorizar como comédia romântica. Ou comédia negra. Ou uma mistura de ambos.

Júlia Palha, Kevin Dias (o ator lusodescendente que se tornou mundialmente conhecido na série da Netflix "Emily in Paris), Manuel Cavaco, Luísa Cruz, João Reis e Carla Vasconcelos encabeçam o elenco da trama que se passa entre a aldeia e a cidade, neste caso a aldeia do Soajo, no Minho, o local escolhido para os exteriores do filme, e Lisboa.

"Podia Ter Esperado Por Agosto" encaixa-se num filão já explorado pelo cinema francês e espanhol, com filmes como "Bem Vindos ao Norte" ou "Namoro à Espanhola", em que as idiossincrasias culturais de um país são exploradas com humor, colocando em confronto regiões, sotaques, hábitos diferentes. Temos os estereótipos típicos das terras pequenas, como a coscuvilheira, o padre, o bêbado, e temos também o romance que alavanca a história.

César Mourão é Xavier, sacristão nas horas vagas que ajuda a mãe a distribuir bolos, e que está apaixonado por Laura (Júlia Palha). Guarda o seu número num papelucho e não no telemóvel e, em vez de mandar uma mensagem de WhatsApp para descobrir se é correspondido ou não, lamenta-se ao seu companheiro de sacristia, Julião (Kevin Dias) que vai ter de esperar por agosto porque Laura, que vive em Lisboa (mas não em Marte), só vai à aldeia no verão visitar o avô Armindo (Manuel Cavaco).

A ficção não tem de decalcar a realidade e o telespectador está sempre predisposto a alinhar na suspensão da descrença desde que existam elementos que ajudem a corroborar esse universo paralelo onde se acredita que, num mundo em que existem telemóveis, redes sociais, automóveis e autoestradas, é preciso sofrer um ano inteiro por uma paixoneta em vez de resolver a coisa com uma mensagem ou um stalking no Instagram.

"Podia ter Esperado por Agosto" está magnificamente filmado e editado. Tem uma das melhores fotografias e bandas sonoras que já vimos e ouvimos num filme português (a música "Mão na Mão", de Ana Lua Caiano, parece que foi feita para isto) e os créditos finais são tão bem pensados e executados que vale a pena ficar na sala até ao último segundo. Mas falta-lhe o elemento de realismo mágico (como a flor do Jorge Tadeu, da novela "Pedra sobre Pedra", ou a mulher de branco, de "Tieta), aquele fator sobrenatural que ajudaria a transformar uma história que, à medida que vai sendo contada, se torna tétrica, em divertida e leve.

Com a ajuda de Julião, Xavier decide cometer uma loucura por amor, e que obriga Laura a deslocar-se até à aldeia. Os sacristãos espalham pela aldeia que o avô de Laura morreu. Resumindo os esquemas e peripécias que os dois inventam para toda a gente da aldeia, inclusive o próprio 'morto', acreditarem que a morte é verdadeira: Laura e o pai Francisco (João Reis) rumam à aldeia e Armindo (Manuel Cavaco), convencido que o filho está em coma num hospital algures em Lisboa, ruma sozinho à capital, numa carripana que Xavier rouba à mãe. Sem telemóvel, sem nada.

Claro que a dupla é desmascarada e o que poderia a maior red flag de todas as red flags acaba por ser, para Laura e para o avô Armindo, que afinal é um coração mole, a maior prova de amor que um gajo pode dar a uma mulher. "O que o Xavier fez não tem desculpa mas tem explicação. Ele está apaixonado pela Laura", diz o avô Armindo para travar o filho Francisco que, como qualquer pessoa minimamente sensata, só quer limpar o sebo a Xavier.

"Querida, matei-te o avô. Queres casar comigo?". Spoiler alert: ela diz 'sim'.

A inverosimilhança da história só é superada pela dificuldade em acreditar no par Xavier e Laura. Não queremos ser idadistas mas alguém tem de o dizer: César Mourão é demasiado velho para interpretar um jovem inconsequente e perdido de amores pela menina da cidade. E não tem a ver com a idade do ator, tem a ver com o contexto da personagem, da forma como é apresentada. E nem o facto de a personagem de Júlia Palha dizer explicitamente que tem 32 anos (a atriz tem 25) retira estranheza ao par.

Porque Xavier é um rapaz em início da vida adulta, ocupado entre missas e a vida com a mãe, e não um homem de meia idade. Ficamos a achar que Kevin Dias teria sido uma escolha mais acertada para o papel... mas aí também teríamos perdido a jovialidade e a graça de Julião que, juntamente com Carla Vasconcelos (a bisbilhoteira Inocência), traz leveza e graça a "Podia Ter Esperado por Agosto".

Inocência (Carla Vasconcelos) e Tita (Pedro Lacerda)

Também Pedro Lacerda, que dá vida a Tita, o bêbado da aldeia, tem um dos desempenhos mais deliciosos da longa-metragem, bem como António Fonseca, que dá vida ao padre Benedito. E se esta comédia romântica / negra tem tudo para ser um dos êxitos do ano (e vai ser, já explicamos porquê), depois peca pelo excesso de lugares comuns nos diálogos e por ser incómoda na sua resolução.

Pazes feitas entre Xavier e Laura, e com a cumplicidade de Francisco, Julião, Carmo (a amiga de Laura, interpretada por Vera Moura) e do próprio 'morto', todos decidem que a melhor maneira é, em vez de contar à aldeia que tudo não passou de uma brincadeira de mau gosto, fazer um funeral para Armindo. E o funeral, com Manuel Cavaco dentro de um caixão a sério, num cemitério a sério, não só é estranho como suga toda a alegria e comicidade que o filme tem até ali. Além de, mais uma vez, ser inverosímil porque, como dissemos, há demasiado realismo e zero elementos mágicos ou sobrenaturais que ajudem a apoiar este caminho narrativo.

Independentemente da história, "Podia Ter Esperado por Agosto" não só entretém como tem César Mourão a entreter. O ator, que tem uma legião de fãs de todas as idades e que consolidou esse capital de carinho e popularidade graças ao formato da SIC "Terra Nossa", podia aparecer a fazer de bailarina do Bolshoi que as pessoas iriam ver na mesma. E, em última análise, isso só é bom para o cinema português.

"Podia Ter Esperado por Agosto" irá, depois da exibição nas salas de cinema portuguesas, estar disponível nas plataformas de streaming OPTO e Prime Video.

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