"No dia mais triste da minha vida, vou lembrar-me deste momento". Lavado em lágrimas, Filipe Pinto subiu ao palco principal do MEO Marés Vivas este domingo, 21 de julho. Se (e a vida é feita destes cruéis 'ses') as coisas tivessem corrido de outra forma na carreira do músico de 36 anos, vencedor da segunda temporada do talent show "Ídolos", talvez este concerto fosse em nome próprio.

Filipe Pinto foi, juntamente com Samuel Úria e Ana Deus, convidado especial da atuação dos Ornatos Violeta no festival gaiense, e contribuiu de forma substancial para que este fosse, de longe, o melhor concerto desta edição do Marés Vivas. Mas do coletivo liderado por Manuel Cruz não se esperaria outra coisa, não fosse a sua base de fãs, além de apaixonada e entusiasta, composta por várias gerações, algo tão raro em Portugal, ainda para mais para uma banda de rock alternativo.

Voltemos a Filipe Pinto. Cantou com Manuel Cruz uma das mais sanguíneas músicas do repertório da banda, "O.M.E.M.", de uma forma tão crua, tão despojada, como se a sua vida dependesse daquele momento, que foi inevitável que toda a multidão tivesse ficado em suspenso, como que hipnotizada por aquela interpretação. Havia no olhar tristeza e esperança, havia muito ali, naquela curta participação do artista no concerto dos Ornatos Violeta, que merecia ser falado.

Filipe Pinto atuou com os Ornatos Violeta no MEO Marés Vivas
Filipe Pinto atuou com os Ornatos Violeta no MEO Marés Vivas Filipe Pinto atuou com os Ornatos Violeta no MEO Marés Vivas créditos: MEO Marés Vivas

Falemos de Filipe Pinto. E daquela final da terceira edição de "Ídolos", em 2010. Houve um momento de, chamemos-lhe assim, histeria coletiva em torno daquela final. Imprensa e SIC promoveram como nunca a emissão derradeira daquele talent show como se da final da Super Bowl se tratasse. Fizeram-se capas e capas e capas, fizeram-se apostas. Fizeram-se reportagens infindas. Filipe Pinto vs. Diana Piedade (nessa edição, um desconhecido chamado Salvador Sobral ficar-se-ia pelo sétimo lugar). O rock vs. o pop. Filipe Pinto venceu, foi endeusado pela máquina. Músicos consagrados renderam-se à voz rouca e ao azul olhar ensimesmado do menino de São Mamede de Infesta. A máquina quis transformá-lo numa estrela pop, mas Filipe queria só ser músico. E a máquina não lhe perdoou.

Também a imprensa, numa altura em que não havia redes sociais e em que a agressividade de jornais e revistas era outra, foi extremamente cruel com Filipe Pinto. Porque também ele, tímido, se recusou a jogar o jogo. E perdeu (ou ganhou?). A carreira discreta, da qual constam quatro álbuns de originais, podia ter sido outra. Ele podia ter sido, como na altura vaticinaram, o novo Rui Veloso. Mas será que ele ainda não vai a tempo de ser ainda melhor do que Rui Veloso? Será que Filipe Pinto ainda não pode, se Portugal se penitenciar e voltar a ouvi-lo com olhos de ver, o novo Filipe Pinto? Era bonito se assim fosse.

Ornatos, o alívio existencial para a "Geração Rasca"

"O amor é uma doença, quando nele julgamos ver a nossa cura", a frase mais escrita em cadernos A4 de linhas ou quadriculados, a frase mais rabiscada em tédios de aulas de História, Matemática ou Geografia. A frase mais tatuada a BIC azul num braço, num pulso. A frase que simboliza a angústia geracional de um tempo que prometeu e não se cumpriu.

Os Ornatos Violeta foram apropriados pela "Geração Rasca", os indolentes do grunge e a mais falhada geração do pós 25 de abril, mas, na verdade, eles pertencem aos millennials. A angústia do corte abrupto da inocência, consubstanciado no 11 de setembro, bate mais certo com a alegria triste que é querer casa e não ter, com a alegria triste, por vezes revoltada, das palavras, das músicas da banda do Porto.  "Ouvi Dizer", que no MEO Marés Vivas contou com a voz de Ana Deus para proferir a frase eternizada pela rouquidão de Vítor Espadinha, continua a ser o mais conhecido êxito dos Ornatos Violeta, e é bonito de ver que tantos - mas tantos miúdos,  alguns nem com 18 anos - sabem a letra de cor.

Os Ornatos deram o melhor concerto desta edição do MEO Marés Vivas. De longe. Uniram uma plateia que, durante uma hora e meia, não se distraiu com brindes e selfies e cangalhadas afins que tomam, cada vez mais, conta dos festivais. E o melhor deste concerto? Não foi televisionado. Quem estava, estava. Quem não estava, estivesse. E quem esteve, sabe porque é que valeu a pena.

Veja as fotos do concerto

Fotos: Miguel Oliveira e Rui Bandeira / MEO Marés Vivas