Atenção: este artigo contém spoilers sobre o primeiro episódio da nova novela da TVI.
Apesar de ainda não termos ultrapassado o facto de a TVI ter escolhido o nome "A Fazenda", criando uma confusão dos diabos nas pesquisas no Google devido ao reality show brasileiro homónimo emitido desde 2009 (terá sido de propósito?), foi com a mente aberta e expectativas altas que nos preparámos para assistir ao primeiro episódio.
"A Fazenda", uma coprodução TVI e Prime Video, estreia no quarto canal e na plataforma de streaming a 25 de novembro. E, numa decisão rara em Portugal, pelo menos no que toca a novelas, a estação de Queluz de Baixo decidiu reunir o elenco e exibir o primeiro episódio à comunicação social com quase duas semanas de antecedência. Um pormenor que pode interessar pouco para o leitor, mas que se traduz num maior número de artigos noticiosos ao longo dos dias que antecedem a estreia da novela.
Escrita por Maria João Mira, "A Fazenda" marca o regresso das novelas da TVI a Angola. Realizada por Edgard Miranda, a trama aposta na grandiosidade das paisagens da província de Huíla, em localizações saídas de postais ilustrados, como o deserto do Namibe ou a cascata da Leba, onde se passa a cena mais íntima do primeiro episódio. Mas já lá vamos.
Evandro Gomes (Talu) e Margarida Corceiro (Eva) estreiam-se como protagonistas de uma novela que tem uma história clássica, com mistério, vingança, amor proibido e ganância. A juventude e inexperiência dos jovens atores está devidamente acolchoada por nomes de peso como Diogo Infante (Miguel Lacerda), que interpreta o vilão da trama, Dalila Carmo (Leonor Lacerda), São José Correia (Alba Meireles) ou Julie Sergeant (Alba Meireles).
"A Fazenda" é também a novela portuguesa com mais atores não brancos de sempre, reunindo novos talentos como Cláudio de Castro (que se destacou em "Morangos com Açúcar no papel do divertido Fred e agora dá vida a Duarte Barbosa), Soraia Tavares (Daniela da Cunha) e Sharam Diniz (Nadir Contreiras) com nomes consagrados, como Pedro Hossi (Miro Barbosa), Rita Cruz (Lukénia Nascimento), Ângelo Torres (Manuel Contreiras) e Hoji Fortuna (Januário da Cunha).
A finalizar este elenco está a participação especial de Nuno Lopes na pele de Gaspar, o homem por quem Leonor (Dalila Carmo) se apaixonou e que é um elemento fundamental no desenrolar da história. O ator de 46 anos conta com uma única participação numa novela portuguesa no currículo, "Fúria de Viver", em 2002.
Agora sim, vamos ao primeiro episódio.
A TVI é mestra em arrancar primeiros episódios com paisagens de cortar a respiração. "A Fazenda" não é diferente e a imensidão de cores que nos chega através do pequeno ecrã só nos dá vontade de fazer as malas e zarpar para Angola. Claro que também sabemos que, devido a custos de produção, estas imagens impactantes vão diminuindo ao longo da trama, e que é impossível recriar a luz quente de África nos estúdios de Bucelas (como, infelizmente, já percebemos no primeiro episódio, quando há cenas exteriores que, claramente, foram gravadas a 6000 quilómetros de Huíla).
Logo nos primeiros minutos, ficamos com vontade de sacudir o cabelo de Eva. A protagonista da trama chega de avioneta a uma localização remota em Angola, depois de não sei quantas horas de voo de Lisboa, mas o cabelo está impecavelmente encaracolado, como se tivesse acabado de sair do salão.
O raio do babyliss deve ter andado num corrupio no arranque das gravações de "A Fazenda", tal é a falta de naturalidade do cabelo de Margarida Corceiro neste primeiro episódio, só mesmo ofuscado pelo telemóvel XXL com que tira fotos às paisagens. Será que Magui tem as mãos pequenas ou este Aifónix Plus XXL Ultra Double Caramel parece maior do que a cara dela?
Enfim. Dúvidas.
Eva é uma mulher com uma missão, a de resgatar uma herança deixada por Gaspar (Nuno Lopes), que bate a bota logo no primeiro episódio. Guiada por Joel (João Jesus), que nos parece o guardião de muitos segredos ali da zona, ou não fosse ele "detetive privado", a jovem vai depressa descobrir que há muito mais para saber do que aquilo que a mãe (Dalila Carmo) lhe contou. E é em Angola que vai conhecer Talu (Evandro Gomes).
E se é para capitalizar juventude, é para o fazer a sério, e a TVI faz questão de mostrar, logo nas primeiras cenas, Evandro Gomes em tronco nu e, mais à frente, os protagonistas semidespidos, banhando-se na incrível cascata da Leba. Se é para ser, é para ser em bom. Sem medos. Só ficámos com pena de não vermos mais de Isaac Alfaiate, que só aparece assim de relance, mas com umas vibes de western que nos deixaram em alerta vermelho.
Se há aspecto que não desilude no primeiro episódio de "A Fazenda" é a banda sonora. Temos genérico de Matias Damásio com Héber Marques, temos Slow J, temos música que apela a várias gerações e sai um bocado fora dos cânones habituais das novelas.
E se, no primeiro episódio, não conseguimos perceber muito bem porque é que Leonor (Dalila Carmo) está internada numa clínica psiquiátrica que parece invadida por nevoeiro permanente, dá perfeitamente para entender que Miguel (Diogo Infante) é um estupor do piorio, mas também autor da melhor frase. "A vida torna-se muito mais confortável com croissants ao pequeno-almoço". Subscrevemos.
O deserto do Namibe é palco do romance proibido entre Leonor (Dalila Carmo) e Gaspar (Nuno Lopes) e estamos com vontade de apanhar o avião só para ver se encontramos um guia assim, jeitoso, que nos leve ao êxtase, ao ponto de ficarmos completamente aparvalhadas. Mas não ao ponto de deixarmos para trás marido e família, como Leonor acaba por decidir. Ficámos tristes pelo Gaspar.
O uso de expressões tipicamente angolanas, como "meu canuco", a forma como Joel (João Jesus) e Talu (Evandro Gomes) se tratam, bem como o uso de sotaque por Weza (Cláudia Semedo) ou Januário (Hoji Fortuna) emprestam autenticidade à trama. E mesmo que percebamos perfeitamente que aquela fazenda é capaz de ser mais ali para os lados de Santarém, conseguimos acreditar que as personagens estão e vivem em Angola.
O primeiro encontro entre Eva e Talu dá-se numa circunstância que, tendo corrido mal, estaria na primeira página do "Daily Mail" e a abrir os noticiários da CMTV. Quando o jipe onde segue com Joel fica sem combustível, Eva sugere ficar no meio do nada absoluto, enquanto o guia / detetive vai a pé procurar ajuda. Animais selvagens? É capaz de haver. Vai ficar sem luz em breve porque estamos perto do pôr do sol? Sim. Mas nem Eva parece importar-se com isso, ficando alegremente sozinha. E é aí que aparece Talu, a cavalo (romântico) e rumam os dois à cascata da Leba onde, mesmo sem se conhecerem de lado nenhum, se banham semidespidos e, depois, enfardam o piquenique. Claramente, Eva não é moça para ouvir podcasts de true crime.
Apesar de este ser o pôr do sol mais longo de sempre (quando Joel parte rumo à gasolina o sol está a pôr-se e, depois do banho de cachoeira, a luz mantém-se, como por milagre), temos não só de elogiar a cena como também o respeito e a elegância como está retratada. Sim, Evandro Gomes e Margarida Corceiro são jovens, têm corpos bonitos e isso vende. Mas, ali, faz sentido, o enquadramento é lindíssimo e os dois atores conseguem recriar a alegria juvenil de um romance prestes a despontar.
O melhor
- Margarida Corceiro. Se dúvidas houvesse, a participação na série "Citas Barcelona", da Prime Video, dissipou-as. A atriz de 22 anos pode não ser a mais experiente da sua geração, mas tem aquele fator X, aquele carisma que enche o ecrã e prende o telespectador. E, à semelhança do que aconteceu com José Condessa em "Cacau", a TVI aqui a capitalizar a projeção internacional dos seus atores;
- as paisagens de cortar a respiração;
- as frases hilariantes de Weza (Cláudia Semedo) e Januário (Hoji Fortuna). "Esse teatro todo. Já lhe vi" e estava a ver se as moscas me cumprimentam" vão fazer parte do nosso léxico habitual;
- Ter Nuno Lopes numa novela portuguesa é um luxo e só temos pena que a personagem de Gaspar não se prolongue na trama e que vá ficar circunscrita a flashbacks;
- a dupla mãe e filho Alba Meireles (São José Lapa) e Duarte Barbosa (Cláudio de Castro). Cheira-nos que nos vão proporcionar muitos momentos de maldade.
O que pode ser melhorado
- deixem o cabelo de Margarida Corceiro em paz. Aqueles caracóis à la Goldilocks são contraproducentes com a personagem;
- as diferenças de luz e paisagem dos espaços escolhidos para simular os exteriores das cenas passadas em Angola. Há momentos em que a iluminação consegue colmatar o facto de as gravações acontecerem em Portugal, outros em que, seja pela luz fria, seja pelas árvores, é impossível disfarçar essa discrepância.