Atuar num festival pode ser ingrato para um artista que ainda não tem uma carreira consolidada. Pior ainda se 70% dos espectadores só ali estão para ouvir o mega êxito de verão e se estão um bocado nas tintas para o resto do concerto. Foi o que aconteceu na atuação de Pedro Mafama n'O Sol da Caparica, este domingo, 20 de agosto.

O artista de 31 anos, autor e intérprete de "Preço Certo" (sim, aquela música do "quer mandar beijinhos?", cujo vídeo continua no nº1 dos mais vistos do Youtube em Portugal, com 9,3 milhões de visualizações) era esperado às 20h50 num dos palcos secundários do recinto do Parque Urbano da Costa da Caparica, à frente do qual se juntou uma multidão heterogénea.

À frente, adolescentes, algumas crianças acompanhadas dos pais. Mais lá atrás, malta mais adulta, maioritariamente à espera da música do momento (e que saiu em debandada mal Mafama lhes deu o que queriam ouvir).

Fãs entusiastas de Pedro Mafama na primeira fila
Fãs entusiastas de Pedro Mafama na primeira fila créditos: Francisco Moita / O Sol da Caparica

"Onde é que tá o bigodes, car****?", diz, na primeira fila, uma adolescente com idade para que alguém lhe esfregue com sabão macaco na língua, para ver se tem melhores modos. Se calhar somos nós que estamos a ficar velhos, mas não há muita paciência para este linguajar malcriado só para parecer fixe (vão por nós, não é, é só azeiteiro). É domingo, fim de tarde, O Sol da Caparica está a meio gás (mais tarde, o recinto iria encher-se para ver Ivandro, Matias Damásio e Lon3r Johny com Plutónio, que encerraram esta oitava edição). Os Excesso cantam no palco principal, num concerto tão morninho quanto um gin tónico deixado duas horas ao sol.

Pedro Mafama foi ao "Preço Certo" e não conseguimos deixar de abanar a anca com este hit de verão
Pedro Mafama foi ao "Preço Certo" e não conseguimos deixar de abanar a anca com este hit de verão
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"O baile vai começar!". De t-shirt preta, justa ao torso, adornada com brilhantes e de calças brancas largas, com vários rasgões, Pedro Mafama surge em palco. Sorridente, animado, aos saltos, um mix de João Baião no "Big Show SIC" e performer de festa da aldeia. Há duas jovens em palco, uma DJ e uma teclista, que servem também de Mafametes (embora lhes falte alguma energia e, quiçá, umas coreografias).

Os indefectíveis de Pedro Mafama são muitos. Sabem as letras de cor, saltam, impunham cartazes. "Estrada" inicia as hostilidades, o baile faz-se de sonoridades familiares a quem muito penou em festas em honra de nossas senhoras, santinhos e afins, entre algodão doce pegajoso, baladas chorosas para os emigrantes e músicas de caixa de ritmos de sintetizadores para meia dúzia de velhotes abanar o esqueleto à frente do palco. É esse o espírito de "Estava No Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente", o novo álbum de Mafama, lançado em maio deste ano. Sempre com a energia lá em cima, a puxar pelo público, "Virou!", "Lacrau" animam as hostes. Apesar dos comentários que se ouviam na plateia, Mafama não está a cantar em playback. Recorre sim aos efeitos do autotune, que conferem à voz uma sonoridade robotizada, meia hipnótica.

À quarta música, tivemos de abandonar o fosso à frente do palco (zona acessível à imprensa) e fomos para onde conseguimos arranjar lugar. Longe para caraças porque cada vez chegava mais gente, atraída pelo chamariz iminente de "Preço Certo". Segue-se "Golo!" e começamos a ficar ligeiramente aborrecidos porque o tom de baile da aldeia às onze e meia da noite, quando já só estão três crianças bêbadas de sono e um bêbado à frente de palco, teima em não mudar. Tarde falássemos e "Marcha Bonita" acorda-nos do torpor. "Parece um emigrante", comentam umas amigas. "Tu pões os telejornais a gritar", canta Mafama. Correção. São noticiários, Pedro. "Telejornal" é só o da RTP1. #picuinhices.

Enquanto "Vais a ver" é cantado, botamo-nos a filosofar. Será que Pedro Mafama está para a música popular como "Pôr do Sol" está para as novelas? Ou será que falta ali algo mais óbvio para a malta perceber mesmo a mensagem? O novo álbum de Mafama, "Estava No Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente", é uma homenagem a esse universo das festas populares de verão mas não é suficientemente pastiche. As letras não são tristes o suficiente para serem lamentos de emigrante, como Marante ou Graciano Saga, nem têm a marotice de Quim Barreiros ou Emanuel. É como gelado de baunilha. Bom, gostamos, mas precisa de mais qualquer coisa.

Pedro Mafama atuou num dos palcos secundários do festival
Pedro Mafama atuou num dos palcos secundários do festival créditos: Carolina M Rodrigues

"Santo" faz uma viragem para os ritmos latinos, daqueles que acompanhavam as músicas do "Órgão Mágico". O artista bem puxa pelo público, mas este já esmoreceu, mesmo os miúdos que estavam entusiasmados e aos saltos no início do do concerto.  À nossa volta, atualiza-se o feed de Instagram enquanto Mafama canta "Estranha Magia". "Não posso estar parada, 'tou aflita das costas", diz uma moça da nossa idade à mãe. Estamos solidários, que estes declives do recinto não são para corpos sedentários.

Em defesa de Pedro Mafama, a acústica nesta parte do recinto é péssima e só que está mesmo à frente do palco é que consegue ouvir (e sentir) as músicas com volume suficiente para se entusiasmar. Aqui atrás, o som está pior do que aqueles camiões das festas que vendem cobertores e edredões. Algo a rever urgentemente na próxima edição.

"Zimbora!", diz Mafama pela milionésima vez. E, tal como dissemos no início, o ingrato que é atuar em festivais, onde as pessoas vão para ouvir um ou outro artista, ou uma ou outra música, espelha-se na impaciência de espectadores que, talvez pouco habituados a estar em concertos, dizem coisas como "Quanto tempo falta para acabar esta merda? 'Tou cheia de fome" ou "Ó Mafama, canta lá que a gente quer ir ver o Regula", ou ainda "É vida linda, a mulher é linda, a filha é linda...que seca!". Há gente que mais valia que ficasse em casa a ouvir Spotify. Credo.

"Já que estamos aqui reunidos queria perguntar se queriam mandar beijinhos para alguém", diz Mafama, sempre sorridente. A multidão acorda. "Vai Pedro, é agora!". O público, satisfeito, cantarola "olarilólé" para cá, "olarilólai" para lá e, mal "Preço Certo" acaba, é a debandada geral. Mas uma debandada como se Moisés tivesse voltado a fechar o Mar Vermelho e a malta fosse a fugir para não morrer afogada. Mau demais, sobretudo porque Pedro Mafama ainda repetiu "Estrada". Às 21h37, Mafama foi para dentro e, apesar de meia dúzia de vozes terem gritado "só mais uma", não voltou.

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Fotos: Fotoverdiano