No meio de uma conjuntura mundial suficientemente assustadora e marcada pela incerteza, a ficção virou-se mais para histórias ternurentas e menos para aquelas marcadas por uma densidade que, regra geral, é reforçada por vilões odiosos e sem escrúpulos. Para feio, já basta o mundo pandémico. Movidos consciente ou inconscientemente por essa realidade, a verdade é que foi neste contexto que João Tordo ("Os Filhos do Rock"), Tiago R. Santos ("Parque Mayer") e Hugo Gonçalves ("País Irmão") escreveram a "Até Que a Vida nos Separe", a nova série da RTP realizada por Manuel Pureza e com estreia prevista para fevereiro.

Num comunicado oficial enviado pela estação às redações, a série é descrita com um conjunto de histórias originais e contemporâneas unidas por algo mágico, como o amor. No centro da narrativa está a família Paixão, "uma família real e que pode ser próxima de todos nós", através dal qual "encontramos três visões diferentes" sobre como é viver o amor ao longo de três gerações.

"Entre eles, há um compromisso com o amor e com o casamento", continua o canal. E é um compromisso formal, mais do que abstrato, já que o negócio que sustenta a família passa pela organização de casamentos num universo em que a pandemia não existe, mas que terá influenciado a escrita.

Sobre qual a história que pretenderam contar, o argumentista Tiago R. Santos diz à MAGG que a ideia passou por criar "narrativas contemporâneas, histórias atuais" que, de certa forma, interessassem às três mentes por detrás do argumento. "Todos nós [referindo-se aos argumentistas Hugo Gonçalves e João Tordo] estamos já na idade dos 40 e poucos e quisemos falar, acima de tudo, de relações, de pessoas que tentam fazer o melhor que podem e tentam dar o melhor de si aos outros. Muitas vezes, conseguem. Mas muitas vezes não têm sucesso", explica.

De uma forma sucinta, Tiago revela que "Até Que a Vida nos Separa", é uma série que fala "do que é uma boa e uma má relação", com a diferença de que a abordagem é zero espalhafatosa na medida em que não há "grandes ganchos, mas sim pequenos conflitos que estão na vida de cada um de nós".

"A Generala". Como foi criada uma história que "apela à empatia" e ao "direito à diferença"
"A Generala". Como foi criada uma história que "apela à empatia" e ao "direito à diferença"
Ver artigo

A série sem vilões e que não "magoa ninguém"

Dos três argumentistas, Tiago Santos foi o que menos escreveu para a série assinando apenas dois episódios. "À medida que a série estava a ser feita, estava a filmar uma longa-metragem ["Revolta", que deverá estrear-se entre 2020 e 2021] e acabei por ser o tipo a escrever menos. Mas lembro-me de uma ideia particular do João Tordo que passava por abordar um bocadinho de tudo, mas especificamente sobre pessoas que tentam passar uma vida juntas ou que tentam apoiar-se e tornar os dias uns dos outros um bocadinho melhor."

créditos: Coyote Vadio/RTP

Uma das ideias passou, exatamente, por atribuir o negócio de casamentos à família Paixão. "Se fizermos uma série sobre um casal que organiza casamentos, mas cujo próprio está em risco de ruir, temos aí um conflito e uma ironia dramática que é fascinante de explorar", recorda.

E ainda que a pandemia não surja representada neste universo, talvez tenha contribuído para que, enquanto produto final, "seja algo bastante celebratório" da vida. "Se, neste momento, não estivéssemos a atravessar um momento tão delicado como este, talvez não tivesse sido este o resultado", admite.

É precisamente por isso que Tiago R. Santos considera de extrema importância o facto de em "Até Que a Vida nos Separe" não haver vilões. "Nada do que as personagens façam é feito de propósito para magoar. Ninguém magoa ninguém. As pessoas estão muitas vezes preocupadas em procurar a sua própria felicidade e isso, infelizmente, acaba por entrar em oposição com o que faz a outra pessoa faz."

Albano Jerónimo. "A vida muitas vezes não nos salva e eu gosto dessa crueldade"
Albano Jerónimo. "A vida muitas vezes não nos salva e eu gosto dessa crueldade"
Ver artigo

É esse tipo de conflito que podemos encontrar ao longo da história e que, reforça o argumentista, "nunca é exagerado, na medida em que não se descobre um segredo obscuro, uma amante ou uma filha ilegítima" nas inúmeras reviravoltas criadas.

"Às vezes duas pessoas gostam muito uma da outra, mas afastam-se. Muitas das vezes, esse afastamento é irreversível e quisemos falar sobre isso. Mas sempre com muita empatia e com a subtileza possível, talvez porque estávamos num momento em que essas coisas nos soavam muito bem, mas também porque nos remetem para um tempo a que, infelizmente, ainda não regressámos", lamenta.

"Até Que a Vida nos Separe" tem estreia prevista para as 21 horas de 3 de fevereiro, na RTP1. Do elenco fazem parte nomes como Albano JerónimoTeresa TavaresCatarina GouveiaLourenço OrtigãoJosé CondessaMadalena AlmeidaIsabela ValadeiroMafalda Vilhena e Sara Barradas.