Ao longo de duas horas, Bruno Nogueira, Nuno Markl, Salvador Martinha e Filipe Melo têm a tarefa de escrever um argumento. Não mais do que isso. Terminado o prazo, não interessa se a história faz sentido, se fica a meio ou se tem um fim. Será aquele texto que o elenco de atores, composto por nomes como Albano Jerónimo, Jessica Athayde e Nuno Lopes, terá de interpretar. É este o conceito de "Princípio, meio e fim", o novo programa de Bruno Nogueira que tem estreia marcada já para o próximo domingo, 11 de abril, na SIC.

Difícil de catalogar em estilo e forma, já que mistura ficção e realidade ao longo de seis episódios, o formato é a nova grande aposta da SIC para provar que, "na televisão comercial, também há espaço para abordagens disruptivas e originais", diz Daniel Oliveira na conferência de imprensa desta terça-feira, 6.

"[Este programa] significa uma rutura com o que já se fez, um cruzamento da ficção e da realidade que nunca tinha sido feito antes. O mote: 'Fazemos este programa porque podemos e porque queremos' [o que se ouve no primeiro trailer] e assenta nessa liberdade de se criar um programa destes que aposta no humor adulto e que é capaz de surpreender os espectadores", continua.

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Quanto ao horário, o diretor-geral da SIC diz que "será muito perto de 'Hell's Kitchen'", embora, para já, não adiante uma hora exata.

Bruno Nogueira, arriscando descrever o programa, argumenta que se trata da aplicação de "um conceito que não obedece a determinadas regras que são padrão na televisão generalista". Terá sido essa liberdade, garantida por Daniel Oliveira, que Bruno Nogueira viu a possibilidade de regressar à SIC como sendo irrecusável.

Quatro autores, um argumento e o erro de mãos dadas com o falhanço

Ao longo dos seis episódios, diz o humorista, é prestada uma homenagem aos argumentistas que, pelo menos em Portugal, não têm tanto tanto destaque como deveriam. Isto porque será já a partir de domingo que os espectadores terão a oportunidade de ver quatro amigos a escrever um argumento e que, mais tarde, deverá ser representado por um conjunto de atores.

"A única regra era: se o argumento viesse com algum erro de português, o ator tinha de dizer o erro; se as falas fossem escritas com letras maiúsculas, o ator tinha de gritar; se o argumentista escrevesse um sítio inventado, os atores tinham de assumir, e resolver, os erros na representação, numa homenagem a quem escreve, produz, cria e executa em Portugal", refere Bruno Nogueira.

Erros, falta de lógica e um jantar. Assim será
créditos: SIC

Essa liberdade, garante, decorre daquela que foi provando com o sucesso de "Como É Que o Bicho Mexe", os diretos de Instagram durante as duas primeiras vagas do surto da COVID-19 no País. Em televisão, no entanto, há mais contenção num exercício que Bruno Nogueira diz ser de "compromisso entre ambas as partes".

"Não me parece que a linguagem usada no programa seja mais tradicional, mas também não é extrema como acontecia no 'Bicho'. É um compromisso possível em que as duas partes não perdem identidade, até porque, para a SIC, não fazia sentido apostar num programa que não tivesse que ver com a estação."

Um programa dividido em duas partes

"Princípio, meio e fim" terá duas partes diferentes. A primeira será a de acompanhar o processo de escrita do argumento, enquanto a segunda parte será a execução da história. Nuno Markl, que assina o argumento e que também esteve presente na conferência de imprensa, diz que houve um esforço para que a "componente da escrita mostrada nos episódios fossem, também ela, tudo menos monótona."

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"Por vezes, parece um thriller, quase como o desarmar de uma bomba. Vai ser o momento em que as pessoas vão perceber que, afinal, estas coisas [referindo-se a séries, programas ou filmes] também se escrevem."

E como são os argumentistas que detêm o controlo total sobre o rumo das cenas e as situações protagonizadas pelos atores, haverá uma assumida "falta de lógica" na história para que tudo seja espetáculo televisivo.

Cada história começa com um jantar (e não há improviso)

Ao longo de seis semanas, sabemos que cada história nova partirá da mesma premissa: um jantar. "Todas as semanas, os mesmos amigos, que são os atores, juntam-se para jantar. É quase como se houvesse uma falha de memória coletiva e nenhum deles se lembre de que, na semana anterior, tiveram o mesmo jantar", explica Bruno Nogueira. Depois disso, a história desenvolve-se consoante as ideias que o humorista, juntamente com Nuno Markl, Salvador Martinha e Filipe Melo, transmitiram para o papel e que os atores tiveram de representar.

E se, por um lado, é raro haver tanta liberdade na escrita de um argumento, Nuno Lopes ressalva que isso veio com uma certa "rigidez" associada. "A contrapartida de termos um guião tão livre e aleatório é que não podia haver improvisação. Os atores tiveram de seguir à risca tudo o que foi escrito em duas horas."

Apesar de o programa cruzar realidade com ficção, Salvador Martinha garante que quando é mostrado o processo criativo, ninguém está a interpretar uma personagem ou a brincar."Quando estamos concentrados em acabar a escrita, esquecemo-nos das câmaras e são quebradas todas as barreiras. Aquilo a que o espectador tem acesso é a uma espécie de câmara voyeur e a algo que raramente se vê em televisão: o processo de criação que, além disso, não tem retorno. A partir do momento em que as duas horas terminam, não se pode voltar a trás, o que faz com que o tom da série assente muito nessa falta de lógica", explica.

Ainda que nenhum dos envolvidos tenha revelado mais do que aquilo que pode, para não estragar a surpresa de domingo, todos prometem um conteúdo diferente e capaz de surpreender.

E embora seja uma estreia da SIC generalista, Daniel Oliveira diz que há a possibilidade de "algum conteúdo extra" ser adicionado ao catálogo da plataforma de streaming da estação, a OPTO.