Quando começa, somos automaticamente atirados para dentro da cabeça da protagonista. Não só porque será a partir daquele momento que lhe acompanharemos as angústias e os desamores, mas também porque é para nós que ela também fala através de um exercício perverso de reconhecer que a estamos a observar.

Falamos de "Fleabag", a série interpretada por Phoebe Waller-Bridge que nos conduz por um longo e tortuoso caminho à medida que procura respostas para as perguntas que também são as nossas. Quem somos? E para onde caminhos?

No arranque da série, inteiramente disponível na Amazon Prime Video, a protagonista surge tão perdida como qualquer de um nós alguma vez esteve na vida e, assim de repente, está criado o sentimento de identificação que nos unirá a ela ao longo dos 12 episódios.

Na busca da sua própria identidade, Fleabag, assim se chama a personagem principal embora o seu nome nunca seja dito, esta mulher passa por vários encontros amorosos, quase todos eles complexos, e com desfechos trágicos. E tragédia é a palavra chave numa série que, bem ao estilo britânico, é negra, subversiva e irreverente.

O facto de quebrar a quarta parede e falar diretamente para o espectador, transgredindo todas as regras do meio, é um reflexo disso mesmo. Mais do que provocar, Fleabag procura validação e empatia num exercício que, na ficção, já fora utilizado várias vezes, como em "House of Cards" — dando acesso à interioridade da personagem e permitindo-nos perceber exatamente como pensa. Os gestos mentem, mas os pensamentos não.

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Há uma tese que tenta explicar por que motivo a série "Twin Peaks" não se tornou tão memorável como "Os Sopranos", "Breaking Bad" ou "Mad Men". A explicação pode estar na falta de um sacana sem escrúpulos que conduzisse a história, como aconteceu nas três produções que marcaram a era dourada da televisão.

O forte de "Fleabag" pode estar na introdução de uma mulher que, embora não seja uma vilã, é repleta de incongruências, de falhas. Transgride leis, mente, faz pouco dos namorados que se dizem fartos de serem usados por ela e magoa. No caminho, vai-se, também ela, autodestruindo-se, embora já dormente à dor.

Há, nela, um bocadinho de cada um de nós e talvez por isso nos seja tão familiar reconhecer-lhe e acompanhar-lhe o esforço em encaixar-se numa sociedade cada vez mais opressiva e irritadiça.