Aos 37 anos, Tânia Fonseca (ou Leona, como se popularizou), utiliza a sua presença nas redes sociais com um objetivo: desmistificar a cultura cigana, à qual pertence. Com mais de 30.000 seguidores no Tiktok, mostra que pode viver o melhor de dois mundos (ou culturas), vivendo "em cima do muro" – e que, em momento algum, se arrepende das raízes que alicerçam a pessoa que é hoje.
Leona conta que foi criada de uma maneira muito confortável em termos financeiros. Por esse motivo, da mesma forma que acontece às outras raparigas ciganas, o pai nunca viu nos estudos um percurso pelo qual a filha precisasse de passar. "Na cabeça dele, eu ia ser a típica menina que não ia à escola, ia casar, ia ter uma catrefada de ciganinhos e ia continuar a ser muito rica, porque ele devia achar que o dinheiro não ia acabar", explica. E não era isso que o destino tinha traçado para Leona.
No que ao percurso académico diz respeito, embora tenha sido conturbado, conseguiu levá-lo até ao fim. Num primeiro momento, completou o 4.º ano, até que foi obrigada a sair da escola. "Na altura, não percebi porque é que não podia continuar, porque eu via todas as meninas a ir [à escola] menos eu", revela Leona. Isto porque, de acordo com a cultura cigana, "quando as meninas saem da escola, começa a aprendizagem de se tornarem mulheres", explica, acrescentando que o bichinho da instrução nem por isso desapareceu.
A vontade de saber mais era tão grande que a levou consigo até aos 18 anos – altura em que se pôde "finalmente inscrever na escola outra vez, sem a assinatura dos encarregados de educação". Por isso, como a escola ficava mesmo por trás de casa, conseguiu esconder dos pais as idas às aulas, mascarando-as de outros compromissos. Além disso, a sua professora, que sabia que Leona "não podia levar cadernos nem livros", ajudava-a nesta tarefa.
No entanto, a dois meses de completar o 6.º ano, foi descoberta – e o medo de todos os esforços até então terem sido em vão levaram-na a convencer o pai a deixá-la terminar, pelo menos, aquela etapa. E assim foi – até ao momento em que se casou, perto dos 21 anos.
"Quando eu me casei [com o agora ex], pus as coisas em cima da mesa. Disse que saía da asa do meu pai, mas que ia para algo melhor. Então, eu disse que ia estudar, tirar a carta e trabalhar", confessa, completando ao afirmar que o ex-parceiro "aceitou bem" as suas aspirações, que acabaram mesmo por se materializar.
Assim, terminado o ensino secundário, entrou na faculdade, depois de uma década a trabalhar enquanto mediadora cultural de um projeto em Espinho, de onde é natural, e de várias palestras em universidades e câmaras municipais. No entanto, por motivos de familiares, teve de "utilizar o dinheiro das propinas para preencher algumas lacunas" e, até hoje, não regressou à vida académica, que era o seu "sonho de menina".
A vida seguiu o seu rumo e Leona não se acomodou. Hoje, trabalha como estafeta da Uber Eats – mas claro que os mais atentos à sua página já o sabiam, sendo que filma no carro grande parte dos vídeos que publica, durante os seus tempos mortos.
E, afinal, como é que surgiu o Tiktok na vida de Leona?
"Eu sempre fui muito palhacinha e quem me conhece sabe que eu sempre gostei de memes [conteúdos humorísticos que se espalham rapidamente na Internet]. Quando eu descobri o Tiktok, vi logo que era para mim", conta Leona. Contudo, a missão pela qual grande parte do seu conteúdo se pauta atualmente só começou mais tarde. Isto porque, inicialmente, "só publicava vídeos no Facebook para amigos e família" – até que começou a fazê-lo no Tiktok.
E tudo mudou a 8 de abril, data em que se assinala o Dia Mundial do Cigano: "eu publiquei um vídeo em que explicava melhor a minha cultura, até falei sobre o nosso hino e a nossa bandeira", explica Leona, acrescentando que isto catapultou a sua presença mediática. "Por isso, comecei a ganhar seguidores, até que as pessoas que não são ciganas começaram a topar que eu era", refere.
Como para os interessados uma curiosidade nunca vem só, não tardou muito até a caixa de comentários de Leona estar cheia de questões em relação à sua cultura. Assim, em vídeo, começou a responder uma a uma, o que acabou por cair nas graças dos utilizadores da aplicação – algo que ainda não percebe bem como aconteceu. Quanto ao objetivo, este passa por "tentar mudar mentalidades". Acrescenta ainda que a sua premissa, contudo, não pressupõe "que as pessoas levem [a sua cultura] para a vida delas, mas que compreendam e respeitem".
Por isso, dá um exemplo daquilo que tenta desmistificar no Tiktok, no que toca à distribuição de papéis no seio da sua comunidade: "na educação dos filhos, a mulher é o papel principal. Dentro de casa, o homem opina, mas, se a mulher não quiser, ele não se mete. A nível de dinheiro, ele ganha e, quando traz para casa, vai tudo para a mão da mulher". E, entre gargalhadas, brinca: "as pessoas pensam que nós [ciganas] somos umas coitadinhas (...), mas é como eu costumo dizer: o homem é a cabeça e a mulher é o pescoço – e a cabeça só gira se o pescoço mandar".
Tenta, ao mesmo tempo, passar alguns dos valores que mais preza na sua cultura, como "a pureza da mulher e o valor aos idosos". Assim, explica: "o idoso está acima de qualquer pessoa, é o topo da hierarquia, porque ninguém é mais sábio que ele. Quando um idoso morre, é uma biblioteca que se incendeia. Nós ficamos desprovidos se o perdermos".
Apesar de tudo, refere que não é só a perspetiva "dos brancos" que quer mudar – ambiciona, por outro lado, normalizar alguns aspetos pelos quais já passou, aos olhos da sua própria comunidade. "Se eu consegui influenciar uma pessoa cigana a pensar num trabalho, em ir tirar um curso ou a não ver mal em, como eu, casar aos 20 em vez de casar aos 16, já fico de missão cumprida", confessa, acrescentando que "alguém tinha de o fazer".
Leona diz que, ainda assim, consegue ser quem é sem abrir mão de nada. "Se eu tivesse de abdicar de alguma coisa, iria ser difícil para mim escolher entre os dois mundos. Mas eu vivo ali, em cima do muro. Consigo trabalhar, consigo ter amigos e aquilo que eu não faço não é por ser cigana, eu não faço porque, de facto, não me identifico com isso", explica.
"Eu convivo bem com toda a gente. Há ciganos que não o fazem e se retraem", frisa. No fim, conclui, deixando um apelo: "Eu encorajo todos a verem que nós não somos monstros também. Bebam café connosco, estejam connosco, eu quero mostrar que é possível vivermos todos".