Por entre os dribbles constantes e as fintas que Michael Jordan protagonizou em campo ao serviço dos Chicago Bulls, nada o poderia ter preparado para a reviravolta máxima. Aquela que viria abalar o seu mundo mais do que qualquer exposição mediática ou guerra com a imprensa. Estávamos em meados de julho de 1993. Jordan, na altura com 30 anos, tinha acabado de conquistar o terceiro campeonato seguido na NBA e ponderava afastar-se do basquetebol.

A decisão não era aleatória: além de acreditar que não tinha nada mais a provar, estava há vários meses em guerra aberta com a imprensa não só devido ao lançamento do livro "The Jordan Rules" — que expôs alegados conflitos internos na equipa —, mas também devido às suspeitas de vício no jogo.

A pouco e pouco, o mito do culto a Michael Jordan foi perdendo o brilho para revelar, por baixo de toda a aquela personificação do herói, uma pessoa que, como tantas outras, tinha falhas.

E ainda que o documentário "The Last Dance", produzido pelo canal de desporto americano ESPN e exibido internacionalmente pela Netflix, revele que Jordan sempre ponderou sair da NBA depois do terceiro campeonato, sabe-se também que a morte aleatória e violenta do pai, que sempre foi o grande apoio e o grande amigo de Jordan, terá potenciado a decisão.

No final de julho de 1993, James Jordan esteve desaparecido durante várias semanas até ser encontrado, em meados de agosto, com um tiro no peito. O estado do carro quando foi encontrado, com uma janela partida, não deixava margem para dúvidas: tratava-se de um assalto que correu mal.

Este ato de violência completamente aleatório terá acontecido no meio de nenhures quando Jordan, cansado de conduzir, parou o carro à berma da estrada para dormir antes de retomar viagem. Terá sido nesse momento que foi abordado por dois estranhos que o tentaram assaltar. Quando James Jordan acordou, os assaltantes dispararam sobre ele.

Os culpados foram condenados em 1995. Larry Martin Demery e Daniel Andre Green, de 17 e 18 anos, respetivamente, já tinham antecedentes criminais e foram descobertos por terem usado um telemóvel associado a James Jordan para fazer uma chamada. Ambos foram condenados por homicídio e ainda hoje estão a cumprir a pena.

Demery, atualmente com 44 anos, está a aguardar a aprovação para uma saída precária depois de o pedido lhe ter sido negado por duas vezes — em agosto de 2013 e em outubro de 2016. Demery foi quem, ao longo de todo o julgamento, bastante mediático, testemunhou que tinha sido Green a caminhar até ao carro de James Jordan para o assaltar e que assim que este acordou, o colega disparou sem piedade, escreve o "The New York Times".

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No entanto, Green, que agora tem 45 anos e que também continua detido, contou uma história muito diferente. Segundo revelou em tribunal, os dois estavam numa festa quando Demery saiu de repente e voltou, de madrugada, a tremer e muito preocupado.

Terá sido nesse momento que Demery contou a Green que tinha disparado sobre um homem na autoestrada e pediu ajuda ao amigo para se livrarem do corpo. Este aceitou, mas reforçou que nunca tinha estado presente na altura do disparo e declarou-se sempre inocente em julgamento.

Apesar da incoerência dos relatos, ambos foram condenados pelo homicídio de James Jordan. Dois meses depois da morte do pai, Michael Jordan abandonou a equipa e a NBA.

"O que aconteceu fez-me perceber o quão curta a vida é e o quão rápido tudo pode acabar. Há momentos na vida em que tens de pôr de parte aquilo que mais gostas. Quero passar mais tempo com a minha família porque tenho sido muito egoísta ao centrar tudo em mim mesmo. Agora está na altura de deixar isso de parte e estar ao lado deles", anunciou na conferência de imprensa, segundo cita o mesmo jornal.

Mas mesmo afastado do campo, os ataques à reputação do basquetebolista continuaram quando vários cronistas de desporto especularam que poderia haver ligações entre o alegado vício no jogo de Jordan e a morte do pai. As acusações, tiveram resposta por parte do jogador.

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"Estou a tentar lidar com os sentimentos de perda e luto de uma forma que, não tenho dúvidas, deixaria o meu pai orgulhoso. E não consigo simplesmente compreender como é que outras pessoas seriam capazes de, deliberadamente, pôr sal na ferida ao insinuar que alguns dos erros da minha vida poderiam de alguma forma estar ligados à morte do meu pai", respondeu em comunicado oficial.

Apesar de ter abandonado a equipa, Michael Jordan voltaria a regressar à NBA para o campeonato de 1994 e 1995 antes de se reformar novamente em 1998 e em 2003. Ao voltar a vestir a camisola, Michael Jordan ajudou os Chicago Bulls a ganhar três novos títulos consecutivos — em 1996, 1997 e 1998.

A morte trágica de James Jordan é recordado no documentário "The Last Dance", disponível em Portugal exclusivamente através da Netflix.