Kendrick Lamar soube aquilo que teve de fazer para agarrar o público durante o intervalo da Super Bowl - e também sabe aquilo que terá de fazer no dia 27 de julho, quando atuar no Estádio do Restelo com SZA, concerto que fará parte da digressão europeia dos dois artistas anunciada esta segunda-feira, 10 de fevereiro, pela Live Nation (bilhetes à venda a partir de sexta-feira, 14).

Num espetáculo que levantou todos os adeptos dos Chiefs e dos Eagles presentes no estádio e também aqueles que se encontravam em casa no domingo, 9 de fevereiro, o rapper norte-americano esteve, durante 12 minutos, no topo do mundo, e não deixou ninguém indiferente com a sua performance, acendendo ainda mais o fogo entre si e Drake (mas já lá vamos).

O espetáculo do rapper ficou marcado pela escolha de incorporar “Not Like Us” na performance, canção que conquistou cinco Grammys na cerimónia que decorreu no início do mês de fevereiro. Esta foi uma música feita com o intuito de ser um diss track, uma canção criada com o principal propósito de expor ou insultar alguém, e rapidamente se tornou numa das músicas mais ouvidas de Kendrick Lamar. 

O visado, como se percebe na letra, é o rapper canadiano Drake ao qual chamada, entre outras coisas, abusador de menores. Kendrick Lamar, antes de começar a música, explicou que se calhar não o iria fazer porque “eles gostam de processar”, como disse durante o espetáculo, uma vez que Drake chegou mesmo a processar o rapper em janeiro por difamação. Contudo, Kendrick Lamar acabou por dar ao público aquilo que ele queria - e ainda deu mais, ao pedir a Serena Williams, ex-tenista, que dançasse enquanto o rapper cantava “Not Like Us”. E se não percebeu a referência, nós explicamos: Drake e Serena namoraram em 2011, segundo a “People”, e não acabaram nos melhores termos. 

Mas e de onde vem todo este conflito entre Drake e Kendrick Lamar? A verdade é que tudo começou na música, e a sua relação remonta a 2011. No início, os dois rappers até eram amigos, com Drake a ajudar Kendrick a construir uma carreira, mas ambições falaram mais alto e, hoje em dia, é um dos conflitos mais acesos na indústria e um dos mais comentados por todos os fãs. Com diss tracks a serem lançadas tanto pelo canadiano como pelo norte-americano, há mesmo quem diga que este conflito nunca terá um fim. Mas perceba como tudo começou. 

2011-2012: uma possível amizade começou a surgir 

Kendrick Lamar e Drake
Kendrick Lamar e Drake Kendrick Lamar e Drake no início créditos: Youtube

A relação propriamente dita entre Drake e Kendrick Lamar começou em 2011, de acordo com o “New York Post”, quando o rapper canadiano já tinha assegurado um lugar na indústria e o norte-americano ainda estava a começar, tendo acabado de lançar o álbum “Section.80”. Conheceram-se quando Drake convidou Kendrick para participar no seu novo disco, “Take Care”, e os dois fizeram a música “Burried Alive Interlude”, que ganhou um grande destaque no álbum, e Drake acabou por acolher Kendrick.

A amizade começou a surgir, e o rapper canadiano convidou tanto Kendrick Lamar como A$AP Rocky para serem eles a abrir os seus concertos da digressão Club Paradise, datada a fevereiro de 2012. Depois disso, os dois rappers colaboraram novamente em mais duas canções, lançadas em outubro desse ano, sendo elas “F–kin’ Problems”, de A$AP Rocky, e “Poetic Justice”, que fez parte do segundo álbum de Kendrick Lamar, “Good Kid, MAAD City”. No entanto, esta foi a última vez que Drake e o rapper norte-americano estiveram juntos em estúdio, e o conflito entre os dois começou no ano seguinte, em 2013. 

2013-2016: início do conflito e vários diss tracks lançados 

Kendrick Lamar e Drake
Kendrick Lamar e Drake Kendrick Lamar e Drake

Em agosto de 2013, aos poucos, tudo começou a mudar. Depois de Kendrick Lamar conquistar também ele um lugar no mundo da indústria musical, o rapper colaborou com Big Sean na música “Control”, e disparou para todos os lados: J. Cole, Meek Mill, Drake, Big K.R.I.T., Wale, Pusha T, ASAP Rocky, Tyler, the Creator e Mac Miller saíram lesados dos versos de Kendrick Lamar, quando este diz “eu tenho amor por vocês todos, mas quero matar-vos a todos” e “eles não querem ouvir mais um substantivo ou verbo de vocês”.

Ao que tudo indica, segundo a BillBoard, nenhum dos outros rappers visados explorou o assunto, mas Drake teve uma palavra a dizer sobre as insinuações de Kendrick Lamar. “Pareceu-me apenas uma ideia ambiciosa. Foi só isso. Sei perfeitamente que [Kendrick Lamar] não me está a assassinar, de todo, em nenhuma plataforma. Por isso, quando esse dia chegar, talvez possamos voltar a falar sobre ele”. No entanto, em setembro, Drake lançou “The Language”, e os fãs especularam que a música podia estar relacionada com o início do conflito, quando o rapper diz que as músicas de “alguém” não são “assim tão inspiradoras”.

Em dezembro, o rapper canadiano confessou à “VIBE Magazine”, segundo a “US Weekly”, que a música “The Language” não era propriamente uma resposta a Kendrick. “Sou apenas eu a falar o que penso. Nunca senti a necessidade de responder. O sentimento que ele estava a tentar transmitir [em ‘Control’] era o que ele devia realmente sentir. Claro que queres ser o melhor. O que se tornou um problema é que eu estava a lançar um álbum quando essa música saiu, e o lançamento acabou por se focar nisso. Mas eu nunca disse que ele é mau ou que não gosto dele. Acho que ele é um génio por direito próprio, mas também tive de me manter firme”, disse Drake. 

Nos anos seguintes, até 2016, o conflito pareceu acalmar, apenas com algumas farpas dos dois lados para manter acesa a dinâmica que se tinha começado. Segundo a BillBoard, Kendrick Lamar acusou Drake de usar ghostwriters, profissionais que não recebem créditos pelas suas composições na sua música “King Kunta”, lançada em 2015. Nesse mesmo ano, Drake, na canção “100”, deu a entender que podia ter todos os fãs de Kendrick Lamar se não se tivesse virado mais para a indústria pop. Em 2016, Barack Obama entra na conversa, ao dizer ao “The Washington Post”, citado pela BillBoard, que, numa batalha de rap, o rapper norte-americano sairia por cima.

2023-2025: J.Cole, Taylor Swift, Grammys, Super Bowl e pedofilia 

Kendrick Lamar vencedor de 5 Grammys
Kendrick Lamar vencedor de 5 Grammys Kendrick Lamar vencedor de 5 Grammys créditos: Instagram / @complexmusic

E tudo parecia estar finalizado até outubro de 2023. No entanto, um verso numa música de Drake, desta vez em colaboração com J.Cole, acendeu tudo novamente. Ao fazerem história depois de conseguirem com que a sua colaboração em “First Person Shooter” chegasse ao número 1 do ranking Hot 100, de acordo com o “New York Post”, sem saberem, os dois acordaram novamente Kendrick Lamar, ao dizer o seu nome na música. “Adoro quando eles discutem que é o melhor. É o K-Dot? O Aubrey? Sou eu? Nós somos os três grandes como se tivéssemos começado uma liga própria, mas neste momento sinto-me como Muhammad Ali”, disse J. Cole, ao referir-se ao rapper norte-americano pela sua alcunha, K-Dot.

Em março de 2024, na música “Like That” do álbum “We Don’t Trust You” de Future e Metro Boomin (que demorou uma década a ser feito), Kendrick Lamar respondeu a J.Cole, deixando bem claro que tinha “escolhido a violência”, e que não existiam “três grandes”. “Não são três grandes, sou só eu que sou grande”, disse. Em abril, J.Cole respondeu com um diss track chamado “7 Minute Drill”, dizendo que as primeiras músicas de Kendrick “eram clássicas” e que as últimas “eram trágicas”. No entanto, dois dias depois, de acordo com a “US Weekly”, retratou-se, dizendo que se sentia “terrível”, e retirou a música das plataformas de streaming.

Nesse mesmo mês, Drake decidiu voltar à ação, lançando “Push Up”, onde visa não só Kendrick Lamar pela sua altura como também Future e Metro Boomin, e “Taylor Made Freestyle”, onde usou Inteligência Artificial para colocar as vozes de Tupac e Snoop Dog na música. No entanto, o nome “Taylor” remete a Taylor Swift, onde Drake, nas entrelinhas, visa a relação de Kendrick Lamar com a cantora, dando a entender que a grande fama veio depois de “Bad Blood”, a colaboração entre os dois, ter saído. Além disso, o rapper canadiano diz também que o lançamento do álbum “The Tortured Poets Department” de Swift, segundo a "Billboard", foi o motivo que fez com que Kendrick adiasse a sua resposta.

No entanto, poucos dias depois, o rapper norte-americano lança “Euphoria”, um diss track de seis minutos cujo nome remete para a série homónima da HBO, onde Drake foi produtor executivo, questionando o mérito do rapper canadiano no hip-hop e as suas escolhas no que toca à moda, dizendo que é “o seu maior hater”. Menos de 72 horas depois lança “6:16 in LA”, onde afirma que alguém da editora musical OVO de Drake lhe estava a passar informação sobre o rapper canadiano. Em maio, Drake lança “Family Matter”, criticando a relação de Kendrick Lamar com a sua noiva Whitney Alford, afirmando que a relação vive de traições. 

Poucos minutos depois - e sim, minutos -, o rapper norte-americano lança “Meet the Grahams”, sendo Graham o último nome de Drake, com Kendrick Lamar a alegar que o rapper canadiano tem problemas com o álcool e com o jogo, que existem pedófilos na sua discografia e que está a esconder um segundo filho, depois de ter sido pai de Adonis. Horas depois, “Not Like Us” aparece no canal de Kendrick Lamar, onde o rapper acusa diretamente Drake de ser pedófilo. 

“Ouve, Drake, ouvi dizer que gostas delas jovens (...) ‘Certified Lover Boy’?, Pedófilos certificados”, canta Kendrick, ao referir-se ao álbum de Drake “Certified Lover Boy”, lançado em 2021. “Porque é que andas a chatear os outros como um idiota? Não estás cansado? Tenta tocar um acorde e é provavelmente um A menor”, acrescentou. Em retaliação, Drake lança “The Heart Pt. 6”, onde negou as acusações e diz estar feliz por ter motivado Kendrick a voltar “ao jogo”. O rapper canadiano diz ainda que foi ele que espalhou que tinha mais um filho para Kendrick usar essas informações falsas, e sugere que a noiva de Kendrick pode estar à espera de um filho que não é dele. 

No entanto, “Not Like Us” tornou-se numa das músicas mais ouvidas do rapper norte-americano, e teve tanto sucesso que conquistou mesmo o número 1 do ranking Hot 100. Em julho de 2024 lançou o videoclipe, onde se vê a sua família feliz a dançar ao som da música, e em setembro Kendrick Lamar foi anunciado como o artista escolhido para atuar no intervalo da Super Bowl. Em novembro, segundo o “New York Post”, Drake apresentou uma petição, alegando que a Universal e o Spotify tinham inflacionado os streams de “Not Like Us”, e em janeiro de 2025 processou mesmo as plataformas por difamação e assédio. 

Depois disso, a música de Kendrick Lamar chegou ao mil milhões de streams no Spotify, ganhou cinco Grammys - Música do Ano, Gravação do Ano, Melhor Música de Rap, Melhor Performance de Rap e Melhor Videoclipe - e foi uma das mais cantadas na 59.ª edição da Super Bowl.