De nome António Graça, mas por todos conhecido como LEFT. Nasceu e cresceu em Carcavelos, viveu a maior parte da sua vida entre esta vila e Oeiras, mas é Lisboa quem o acolhe nesta fase da sua vida. Com 28 anos de idade, foi aos 11 que aprendeu a tocar guitarra, e rapidamente percebeu que queria fazer da música vida. No entanto, nunca a estudou.
Foi para a universidade tirar Estudos Gerais, porque “não sabia o que queria fazer da vida”, então estudou um pouco de tudo. Assim que se licenciou, uma oportunidade caiu do céu: arranjou um trabalho num estúdio de música, em Oeiras, e a licenciatura acabou por não ser exercida. Começou a produzir e a tocar, o primeiro single assinou ainda como António Graça, e depois juntou vários músicos e surgiu o Antony Left como banda.
Tocaram no programa “5 Para a Meia Noite”, participaram no Concurso Nacional de Bandas da rádio Antena 3, em 2015, e venceram. Lançaram ainda um álbum de estreia, antes de se separarem. Em 2019, surgiu LEFT., desta vez a solo, em maiúsculas e com um ponto final no fim, para “fazer uma afirmação”. Começou a lançar singles, a mostrar-se ao público português, e até criou em conjunto com os artistas Luar e Sara Cruz o projeto "Avalanche", um coletivo de artistas que cria música em colaboração.
Agora, LEFT. é um dos artistas que pode vir a representar Portugal na Eurovisão, e vai atuar na semifinal do Festival da Canção este domingo, 24 de fevereiro. Depois de um percurso artístico bastante completo, onde faz da música vida já há 7 anos e há 6 que trabalha como produtor profissionalmente, LEFT. foi quem produziu as músicas que Taina e Edmundo Inácio levaram a este Festival, e agora quer também ele próprio provar um pouco desse espetáculo.
"Volto a Ti" é a canção que o artista português espera levar à competição europeia, que mostra o lado mais vulnerável de LEFT, e é nesta entrevista que descobrimos todos os seus outros lados.
Vamos começar do início. Como é que a música se encaixa no seu percurso?
Foi mais ou menos aos meus 11, 12 anos. O meu pai é muito fã de música, e sempre me mostrou a mim e à minha irmã todos os géneros, desde Boss AC a Sérgio Godinho. Ele ofereceu-me a minha primeira guitarra nessa idade, só que eu não quis saber, queria uma PlayStation! Deixei um bocado de lado. Os meus pais também tentaram com que eu tivesse aulas de piano, só que eu não estava mesmo nada para aí virado. Mas aos poucos fui pegando na guitarra e a começar a ficar interessado por cantores/compositores que tocavam guitarra e voz, como o Ed Sheeran ou o Ben Howard, e comecei a aprender músicas na guitarra. Foi assim que eu comecei a explorar a música, e depois comecei a brincar com a produção no computador e divertia-me assim. Também comecei a fazer beatbox e a ir a uns concursos disso, até fui campeão distrital, e as coisas acabaram por evoluir nesse sentido até ficar mais sério.
O que é que a música começou a significar para si? Sentiu desde cedo que era algo de que queria fazer carreira?
Acho que foi a partir de 2015 com o Concurso Nacional de Bandas da rádio Antena 3 que fiquei “Ah, ok, isto pode ser de facto um caminho”. Até lá fazia sem grandes pressões e só mesmo por diversão, mas nesse momento, com toda essa exposição, fiquei mesmo a achar que poderia ser um caminho a seguir, e depois quando comecei a trabalhar no estúdio e a efetivamente receber dinheiro pelo meu trabalho é que percebi que adorava a música e que era sem dúvidas um caminho viável.
Já teve algumas fases dentro desta indústria. Assinou o seu primeiro tema com o seu nome próprio, António Graça, passou a fazer parte da banda Antony Left e chegou até a vencer o Concurso Nacional de Bandas da rádio Antena 3, em 2015, com este nome, e a lançar o seu álbum de estreia, “Influence”. Acha que esta mudança de nome e o facto de não estar sozinho o ajudou a ser você próprio e a alcançar mais objetivos?
Sim. Eu vejo essas fases como fotografias. Uma coisa que caracteriza o meu percurso para o bem e para o mal é esta necessidade de renovação, fico meio ansioso com a sensação de fazer a mesma coisa e ter a mesma identidade. Quero que isto seja uma das minhas invenções artísticas, ou pelo menos aquilo que eu quero passar lá para fora é que não me conformo, e que podemos todos ser muitas coisas e que somos muitas coisas. A indústria de facto valoriza quem é consistente e quem mantém uma estética e uma identidade, mas acho que também é super válido existir evolução artística. Sim, o Antony Left foi um período muito bonito e onde estava acompanhado por uma banda, e naquele momento fez imenso sentido. Fiz imensos concertos, o “Influence” é um álbum que eu adoro e que ainda me orgulho imenso, mas chegou ali a um ponto em que eu senti que já era outra pessoa, que tinha de me afastar daquele formato.
Foi quando, em 2019, nasceu o LEFT. Porquê?
Eu estava a começar a compor e a produzir de uma forma mais eletrónica, porque também estava a tentar acompanhar as coisas que ouvia. Estava cansado do Antony, estava-me a dar dores de cabeça porque as pessoas escreviam mal e diziam “Antony? Mas ele é o António”, e quis rebentar com o Antony. Com a equipa que eu tinha na altura começámos a pensar que se calhar seria interessante dar uma virada no projeto e assumir só LEFT., e foi isso que eu fiz. Lancei a “Indigo”, o primeiro single como LEFT., e correu muito bem. Comecei a criar um novo caminho, fui lançando singles e a tentar cristalizar este projeto.
O que é que quis mudar em si próprio ou na sua forma de estar na indústria da música com esta mudança?
Queria marcar um novo capítulo basicamente. Queria dizer ao público que o período indie folk e Antony Left não chegou ao fim, porque eu até considero lançar um novo EP como Antony Left pois não deixa de ser um heterónimo, mas queria aparecer com uma nova roupagem, uma nova afirmação, e foi nessa onda que comecei a lançar coisas como LEFT.
Foi difícil envergar novamente neste mundo, desta vez a solo?
É sempre difícil, há sempre desafios. Mas também foi entusiasmante porque estava também mais perto da minha arte e da minha expressão em termos de ser eu próprio. Obviamente que há sempre muitos desafios, do tipo criar uma base de fãs, um reconhecimento da minha marca, espalhar que eu existo com este nome, mas no fundo acaba por ser bastante bom. O processo é que é a jornada, sempre filósofa.
Por esta altura, começa a editar os seus primeiros singles, como “Indigo”, “Love”, “Gods Of Nothing” e “Sympathize”, todos incluídos no álbum “Perspective”. No entanto, sempre em inglês. Porquê? Foi uma espécie de escudo que arranjou?
Diria que inglês porque 98% da música que ouvia era inglês. Era um pouco a música que sempre me entrou nos ouvidos, então naturalmente que gostei, sentia-me mais confortável a escrever em inglês. Na verdade, se não fosse o meu trabalho de estúdio e escrever em português com outras pessoas e para outras pessoas eu não teria começado a brincar com o português, mas nasceu o bichinho quando comecei a explorar a língua e pensei “Ok, há aqui qualquer coisa”. É a forma como eu comunico todos os dias, portanto é isso, esta fase do português também acho que é inevitável, porque a determinado ponto eu também queria permitir-me a ter um projeto em português e ver o que acontecia.
Como disse, foi o trabalho de estúdio que fez nascer o bichinho do português, e já existem colaborações em que canta em português, como com Inês Apenas e o rapper Cálculo. Como é que foi juntar o seu mundo ao deles? Acabou por ter de sair da sua língua de conforto.
Foi fixe. Lá está, foi diferente, foi novo, e eu vou sempre à procura disso, do que me parece estimulante e novo. São dois artistas com quem eu me identifico musicalmente, portanto fazia todo o sentido. Essa tendência de destacar a questão das línguas, claro que é uma decisão importante, mas honestamente na minha cabeça eu sinto que a língua sim é importante por causa dos mercados mas é só a língua, sabes? É um dos aspetos da música. Podemos ouvir outra língua e estarmos a vibrar na mesma, não é uma barreira. Tantos artistas portugueses estão a brincar com isso, a MARO está a brincar com isso, o Salvador Sobral está a brincar com isso. Eu não vou parar de escrever em inglês, não vou parar de lançar música em inglês, até porque tenho um mercado lá fora que fui construindo, portanto não é uma afirmação do género “Agora canto em português”. Agora estou a fazer porque me está a saber bem.
Aliás, o primeiro grande projeto que saiu em nome do LEFT. foi o “Pop Snacks”, um EP português. Porquê lançar agora?
O pessoal estava a vibrar e a dizer que gostava de ter no Spotify e eu pensei “Porque não, faço isto a minha introdução ao português”. Continua a ser um desafio que eu me coloquei a mim próprio, que é lançar músicas pequenas, mas é sempre um projeto de que eu me orgulho e que me representa bastante também, tanto pelo humor como pela produção, como por algumas letras mais sérias, como no “Dramático”. Amanhã [esta entrevista foi feita segunda-feira, 19 de fevereiro] vai sair um single antes do festival, que é também um pop snack, mas é um single que me descreve super bem. Chama-se “António” literalmente, portanto é isso, é a minha forma de brincadeira de mostrar “Eu cheguei”.
Acabou de dizer que se sente representado pelo humor. É realmente muito notório em alguns dos seus trabalhos que decide brincar com a ironia, é algo bastante presente na sua expressão artística. Como é que este sentimento se encaixa no seu processo criativo?
Acho que grande parte da minha personalidade vai à volta disso. Gosto de fazer piadas, gosto de meio que brincar com questões sérias ou tentar aligeirar as situações, e é uma grande parte de mim. Quem me conhece sabe que eu sou um palhacinho. Quanto à música, acaba também por ser uma ferramenta que me ajuda a distanciar e a criar meio que uma barreira entre mim e ela, porque às vezes é preciso. É uma forma também de meio que sarcasticamente ou com alguma ironia falar sobre aquela parte do ego que existe nesta indústria, existe muito o “quero ser uma estrela”, e chega a ser cansativo, então às vezes preciso mesmo de trazer esta ironia para rasgar com isso e meio que gozar com o ridículo de isto tudo. É uma forma de me manter saudável e são.
Além de cantor, também trabalha profissionalmente como produtor há 6 anos. Já trabalhou com alguns dos maiores nomes da música nacional, como Diogo Piçarra, Áurea, Fernando Daniel, e até produziu vários temas que já foram apresentados no Festival da Canção, com a Taina em 2021 e com o Edmundo o ano passado. Consegue desligar-se do seu mundo de artista e entrar no mundo deles? Como é que separa estes dois mundos criativos?
É um desafio mas também é uma arte. Eu gosto de dizer que trabalhar para outras pessoas artisticamente é como se uma grande parte de mim fosse um psicólogo, eu tenho de entrar na sala como um psicólogo, uma pessoa que te vai ouvir e que te quer perceber. Ou vêm já com uma música, ou querem começar do zero, ou há dilemas, então o primeiro passo é ouvir, deixá-los falar. Quais são os desafios? O que é que estás a sentir? E aí eu tenho de me anular em grande parte. Ou seja, eu estou lá enquanto António e enquanto LEFT., mas nessa fase eu estou só a ouvir e a pegar no que me dão e a pôr na música. Obviamente que é impossível eu não colocar um pouco de mim no que estou a fazer e a minha arte e as minhas maneiras, porque sou eu e se não fosse eu as pessoas também se calhar não queriam trabalhar comigo. As pessoas sabem do que estão há procura, que é a minha arte. O mais importante não sou eu e isso é refrescante, e eu acho que não conseguia viver 100% da minha vida artística a solo se não fosse produtor, se ficar só no “Eu, eu, eu” eu fico maluco.
E por falar em Festival da Canção. Como é que decidiu que queria tentar a tua sorte?
Era algo que eu queria fazer há algum tempo, ou por estar envolvido diretamente ou por conhecer pessoal que tenha ido, e pensei “Eu quero fazer parte deste espetáculo, deste pedaço de história”. Este ano pareceu-me o indicado porque vou lançar um álbum em português ["Limbo" será o nome], tenho vários concertos marcados. Eu e a minha equipa acabamos por decidir que era a altura ideal e lá lancei a minha música e tive sorte.
Qual foi a mensagem que quis passar com a música que leva à competição, a “Volto a ti”?
A minha intenção era mostrar-me vulnerável. É um pouco mostrar-me sem filtros e como eu sou e como eu me senti. É uma música altamente pessoal, mas gostava de mostrar a um público maior como esse meu lado vulnerável também é uma grande parte da minha arte. Assusta-me imenso pensar que vou cantar isto no Festival, assusta-me a exposição, especialmente com uma música tão pessoal. Parte de mim gostava de ir aos pulos e aos berros, mas também acaba por ser um ato de coragem, porque sinto que enquanto artista a vulnerabilidade é a maneira como nos podemos expor, tal e qual como somos, e isso é bonito também.
Como é que foi receber o feedback das pessoas? Estava nervoso?
Foi bom, essencialmente bom. O Festival tem um lado um bocado tóxico diria, e há todo o tipo de comentários, mas foi essencialmente bom. Sentir o pessoal a conectar-se com a música, a dizer que sentiu semelhante, é sempre bonito. Claro que estava nervoso, é normal, há sempre essa expectativa, Nós estamos a fazer a nossa arte, fechados, sobre as nossas emoções e os nossos sentimentos, mostramos aos nossos e é uma opinião que nos aconchega mais por serem os nossos, e depois há a parte em que toda a gente ouve e toda a gente pode fazer o que quiser com a tua alma, e é assustador. Mas se fosse por isso ninguém fazia nada.
Tem alguma expectativa para sábado ou prefere entrar sem pensar muito no assunto?
Varia muito, às vezes acordo e penso “Vamos para a Suécia”, outros que é “Tudo bem se não passar, não é o fim do mundo”. Depende da motivação no dia, quero chegar lá e respeitar a equipa com quem estou a trabalhar, honrar, divertir-me, passar um bom bocado, beber o máximo de experiência possível. Mas sim, claro, pelo lado competitivo gostava de chegar à final. Vamos ver, quero muito.
O que é que podemos esperar do LEFT. em 2024?
Um álbum em português, singles a sair. Estes singles vão ser num formato especial, pois vai ser um álbum interativo com as pessoas que o seguem, por isso faço o convite às pessoas que estão a ler isto para me seguirem nas redes sociais. É um álbum jogo, tu podes ouvir as músicas conforme as tuas decisões, e estou muito entusiasmado com esse projeto. Este ano vou brincar com esse formato. Também tenho um concerto em junho no MusicBox, portanto é isso, vai ser um ano de lançar música, tocar e de experimentar, como sempre fiz.