Portugal entrou em estado de alerta há menos de duas semanas e com ele veio o fecho de creches, colégios e outros estabelecimentos de ensino. Uma vez encerrados, as crianças passaram a ficar em casa, implicando que o pai, mãe ou outro cuidador, tivesse também de deixar o trabalho para lhe prestar os devidos cuidados. Mas será que mesmo encerradas, as escolas ou creches vão continuar a receber a mensalidade paga pelos pais? E o valor é o mesmo?

Antes de responder a esta questão, importa perceber que condições têm os pais para fazer esses pagamentos, dado que muitos trabalhadores vão ver os seus salários sofrerem cortes. Num comunicado feito pelo primeiro-ministro António Costa a 12 de março, o mesmo revelou que seria criado "um mecanismo especial que assegure remuneração parcial em conjunto com as entidades patronais de forma a minorar o impacto negativo no rendimento das famílias”.

Esse apoio chegou sob a forma de um subsídio para a assistência a filhos que é atribuído ao pai ou à mãe para prestar “assistência imprescindível e inadiável a filho, por motivo de doença ou acidente”, de acordo com a página da Segurança Social e aplica-se aos casos de pais que têm de ficar com os filhos dado o encerramento das escolas perante a ameaça de COVID-19.

Este subsídio vai agora sofrer alterações, depois de o Presidente da República promulgar o Orçamento de Estado para 2020, que deverá entrar em vigor a 1 de abril. Se antes disto o apoio dado era de 65% da remuneração média do encarregado de educação, com a aprovação do Orçamento para 2020, esse vai ser coberto na totalidade. Contudo, mesmo com um rendimento igual ao que era recebido antes da quarentena, a questão que se coloca é se faz ou não sentido os pais continuarem a pagar as creches e colégios?

Quanto pagam os pais?

De acordo com dados de 2018 divulgados pelo "Público", das 2750 creches em Portugal Continental, 2090 eram propriedade de instituições particulares de solidariedade social (IPSS), o que representa uma comparticipação do Estado para 63% dos 117.300 lugares existentes nestes equipamentos. Quanto às famílias, estas ficam encarregues de pagar uma mensalidade entre 33 euros e 384 euros, de acordo com o escalão familiar.

Com o encerramento das instituições de ensino, decretado pelo Governo, as instituições e famílias ficam sem saber o que deve ou não ser pago por cada uma das partes. Por isso, foi elaborado um parecer assinado por Lino da Silva Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), com o objetivo de responder a várias questões colocadas por diversas instituições que têm procurado orientação do CNIS sobre o pagamento dessas mesmas comparticipações familiares.

"A questão é a de saber se, no atual contexto de encerramento de diversas respostas sociais, determinado por lei, originando a suspensão da prestação de serviços contratada com os utentes ou seus familiares, se mantém, e em que termos, o dever de pagamento das comparticipações familiares. A questão não tem uma solução uniforme", refere o parecer. A MAGG responde a todas as questões que se colocam sobre o tema.

Que critérios são aplicados para estabelecer quem deve ou não pagar mensalidade?

No parecer divulgado pelo CNIS, são estabelecidas algumas diretrizes no que diz respeito às normas que devem ser aplicadas, invocando para isso vários artigos do Código Civil. É o caso do art.º 437.º que prevê uma “alteração anormal de circunstâncias” no que diz respeito ao acordo entre cada uma das partes sobre o contrato de prestação.

O artigo estabelece então: "Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade", diz e indica ainda que: "Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.”

Estas são duas das opções, mas há ainda uma terceira: "Pode optar-se (...) pela manutenção em vigor do contrato, modificando-o de acordo com as circunstâncias, como se refere na mesma disposição legal". Na prática, significa que pode haver uma redução do valor das comparticipações se houver acordo mútuo — medida que é sugerida pelo CNIS.

O meu filho não vai à creche. Vou ter de continuar a pagar mensalidade?

Numa entrevista à MAGG a propósito das medidas do estado de emergência, a constitucionalista Teresa Teresa Violante revelou que quanto à mensalidade, esta seria "definida pelos estabelecimentos de ensino privados, eventualmente em acordo com os pais".

E quanto ao ensino público? Neste caso as instituições, que fazem parte do IPSS, também vão estar dependentes da decisão interna, mas o CNIS sugere que a decisão seja tomada com base em acordos estabelecidos com as famílias.

Qual seria a medida mais eficaz?

Cada instituição de ensino deve avaliar a sua própria situação, até porque como indica o parecer "a gestão da situação contratual e suas vicissitudes está compreendida na autonomia de gestão das Instituições, devendo cada instituição definir as propostas negociais a apresentar às contrapartes nos contratos de prestação de serviços, consoante os efeitos das medidas excecionais na sua estrutura de custos e proveitos", que se aplica tanto a funcionários como a encarregados de educação.

Contudo, há uma situação já aplicada em Portugal que pode servir de modelo às creches e colégios nacionais: "A forma mais equilibrada de resolver este constrangimento foi a adotada pelo Governo Regional da Madeira, que decidiu no sentido de mandar isentar do pagamento das comparticipações familiares os utentes das respostas encerradas, assumindo o Governo Regional esse encargo", indica o parecer, o que significa que o mesmo pode vir a ser aplicado em Portugal.

Como vou saber se tenho ou não de pagar?

Como refere o CNIS, cabe a cada instituição deve definir e anunciar as medidas a adotar. Contudo, as próprias orientações do parecer têm um "carácter precário", dado que a situação que se vive em consequência do surto de COVID-19 é nova e as alterações administrativas são constantes.

No entanto, a Portaria nº 196-A/2015, de 1 de Julho, da Segurança Social pode dar algumas luzes sobre o que vai ou não ter de pagar, uma vez que estabelece no Ponto 9 relativo à redução de comparticipação familiar que "há lugar a uma redução de 10% na comparticipação familiar mensal quando o período de ausência devidamente fundamentado exceda 15 dias seguidos.”

Esta é apenas uma hipótese, uma vez que o Ponto refere-se à ausência por opção do utente e neste caso o encerramento dos estabelecimentos de ensino resulta de uma medida imposta pelo Governo.