Bailey tinha medo do escuro e nunca se apaixonou. Tinha 11 anos e era uma nova utilizadora do Instagram. Tinham-se passado menos de dois minutos desde que ficou online e já estava a receber mensagens. "Quantos anos tens?", lia-se numa. A imagem de perfil daquele utilizador mostrava órgãos genitais. Entretanto, cinco minutos depois, recebeu uma videochamada. Atendeu, mas não falou ou mostrou sequer a cara. "Não sejas tímida", diz o homem que está do outro lado do ecrã.
Bailey é, na realidade, Roo Powel, uma mulher de 37 anos, mãe de três filhos e líder da Equipa de Projetos Especiais da Bark, uma app de monitorização e segurança online, que funciona para proteger as crianças dos perigos do universo online. Em 2017 terão interceptado uma conversa entre uma criança de 12 anos e um pedófilo que andava a abusar sexualmente da menor, coagindo-a e manipulando-a enviar-lhe vídeos e fotografias de conteúdo sexual. "Sabíamos que pessoas como estas andavam por aí, mas surpreendeu-nos ver como este homem foi capaz de manipular esta criança com rapidez e habilidade", pode ler-se na história publicada por Roo Powell na sua página de Medium.
É assim que nasce este projeto que decorreu ao longo de nove meses, até ao final de 2019. Sabendo dos contornos silenciosos e pouco reportados destes crimes contra menores, a Bark quis recolher informação para que os pais soubessem exatamente o que é que se passa online. Criaram contas fictícias, interagiram com predadores. Viram pelos próprios olhos como tudo acontece. Os resultados foram perturbadores.
É assim que nasce Libby, uma adolescente de 15 anos, natural do Indiana, a primeira miúda fictícia que Powel interpretou. "Precisávamos de fotos, mas sabíamos que não podíamos usar a imagem de uma verdadeira adolescente. Tinha de ser alguém da nossa equipa."
Compraram roupas, acessórios, estudaram a linguagem corporal dos adolescentes, assim como as expressões faciais e poses para as fotografias que veio a tirar. Depois, com uma equipa de designers gráficos, retiraram 22 anos à mulher de 37 e deram-lhe o aspeto de uma miúda que dá os primeiros ares de adulta. "Metodicamente, eliminaram sinais de idade como rugas ou marcas."
Todos os aspetos desta adolescente foram estudados ao pormenor para que nunca parecesse fictícia. Havia uma história familiar, havia vários amigos, todos com perfis ativos no Instagram.
Coordenaram-se com as autoridades e observaram aquilo que se seguiu. "Na primeira hora online, sete homens contactaram-na. Ao final de nove dias, o número ia em 92", com mensagens que variavam entre comentários sexuais, pedidos de partilha de fotografias com conteúdo explicito e mensagens manipuladoras.
A atividade do Instagram escalou tanto, que foram necessárias cinco pessoas da equipa para fazer de Libby, mantendo sempre a imagem de Roo. Mudaram-se para um escritório para conseguirem montar uma operação e colher o máximo de informação possível sobre estes predadores. Depois desta adolescente, nasceu o perfil de Kait, com 16 anos, e de Ava, com 14.
Mas havia uma questão: nestes casos, seria mais fácil justificar-se a acção dos predadores alegando a proximidade do aspeto da adolescente com a idade adulta. Era preciso mostrar aos pais que não. Não era isso que está em causa. E questionaram: será que com uma miúda de 11 anos acontece o mesmo?
E chegamos, assim, a Bailey. A já experiente equipa gráfica transforma Roo Powel nesta criança de 11 anos e, ao longo da semana seguinte, o resultado não poderia ter sido mais horrendo.
A primeira fotografia publicada mostra uma selfie inócua e inocente, de uma menina com um sorriso de orelha a orelha. Na legenda lê-se: "Estou ansiosa por ver os meus amigos este fim de semana na festa da Carly!", seguindo-se uma sequência de emojis e da hashtag #friends.
É quase instantâneo. Surgem três novos pedidos de conversa. Começam os diálogos.
A — "Olá! Estava a perguntar-me, há quanto tempo és modelo?"
Bailey — "Ri muito! Não sou modelo"
A — "Não! Estás a mentir-me, Se não és, devias ser modelo. És tão bonita."
Este homem parece ter mais de 40 anos. Quando a Bailey diz que tem 11, ele não abandona a conversa. Em menos de cinco minutos, envia uma fotografia à criança a masturbar-se. "Gostas? Já viste um destes?"
Vão surgindo mais conversas.
B — "Olá! Com estás esta noite?"
Bailey — "Olá, estou bem."
B — "És uma rapariga muito bonita."
Bailey — "Wow! Obrigada!"
B — "É verdade. Amo as tuas fotografias. A tua mãe e pai já te deixam namorar?"
Bailey — "Não."
B — "Talvez eu possa ser o teu namorado do Instagram, se tu quiseres. Tu é que decides."
Novamente, foram necessários poucos minutos para a conversa escalar. Vai de "um namorado de Instagram significa que podemos falar um com o outro, enviar selfies e estar aqui um para o outro", para "já que estamos juntos, estás pronta para enviarmos fotografias sexy um ao outro?".
Só que ela tem 11 anos, portanto não compreende o conceito de "sexy". Ainda assim, ele não se retrai: envia-lhe uma fotografia do seu pénis erecto e pede-lhe uma fotografia sem camisola, assegurando-lhe que explica tudo o que ela tem de fazer.
E prossegue:
B — "Bem, muitos namorados gostam que as namoradas lhes façam sexo oral. Sabes o que isso quer dizer?".
Bailey — "Não, não sei."
B — "Quer dizer que pegas no pénis com a tua mão e o pões na tua boca e chupas como se fosse o teu polegar."
A conversa segue e só piora. Bailey mantém a inocência e ignorância de uma criança de 11 anos e o predador continua a fazer-lhe pedidos, a manipulá-la e a coagi-la.
Ao fim de duas horas e meia, Bailey atendeu sete videochamadas e ignorou outras duas dúzias. Recebeu mensagens de 17 homens e viu os genitais de 11 deles. Recusou múltiplos pedidos de fotografias nuas da cintura para cima e da cintura para baixo. Note-se que Bailey ainda nem tem o corpo desenvolvido.
A equipa de Roo Powel percebeu que o guião destes homens é sempre muito semelhante. "És muito gira", "Devias ser modelo", "Fala comigo, querida", "Não sejas tímida, querida", "Tocavas no meu pénis se estivesses aqui?".
A equipa já estava no final da noite do primeiro dia de Bailey no Instagram. Já se tinham acabado as interacções por chat, mas ainda havia muito trabalho pela frente. Nesta etapa, era hora de organizar informação para passar às autoridades, quer a nível estadual, quer a nível federal. "Todas as conversas e fotos ainda precisam de ser catalogadas, organizadas e empacotadas para enviar aos nossos contatos policiais. Qualquer caso de material de abuso sexual infantil é enviado para o Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas", pode ler-se.
Só em 2018, a Bark alertou o FBI para 99 predadores de crianças. Em 2019, ano em que decorreu este projeto, o número ultrapassou os 300.
"A realidade brutal é que um predador não precisa estar na mesma sala, prédio ou mesmo país para abusar de uma criança. E é isso que eles estão a fazer — a submeter crianças a abusos psicológicos e sexuais", diz Roo.
Roo Powel, que na pele da adolescente Libby chegou a marcar um encontro com um homem para saber se este seria verdadeiramente capaz de cometer o crime em pessoa (em estreita articulação das autoridades que a acompanharam neste momento), deixa uma mensagem positiva: só sabendo é que se consegue combater.
"Saber sobre a difusão da predação na Internet não é um fardo. É um presente. Um que nos ajuda a virar o jogo contra os abusadores. O nosso trabalho resultou na prisão de pessoas que mostraram propensão e disposição para prejudicar crianças. A tecnologia mudou, assim como os métodos pelos quais os predadores encontram, comunicam e prejudicam as crianças. Se eles podem usar tecnologia para abusar de crianças, podemos usar a mesma tecnologia para ajudar a impedir seus crimes."
Ainda assim, alerta para a dimensão deste problema e deixa um apelo aos pais. "O nosso trabalho levou a inúmeras detenções. Mas é uma gota no oceano. O nosso trabalho, o das autoridades ou o da legislação jamais serão capazes de proteger as crianças, da mesma forma que dedicados pais e tutores conseguirão", diz. "Quando me perguntam, o meu conselho para os pais é que falem com os filhos, cedo e frequentemente. Saibam que apps estão a usar e com quem é que estão a comunicar. Ao enfrentarem uma crise, os miúdos precisam de saber que têm um sítio macio para aterrar."
Tiktok cada vez mais usado por predadores sexuais
A UNICEF sugere o mesmo, num guia pensado para pais que têm filhos nas redes sociais. “É importante que as medidas para mitigar os riscos estejam adequadas ao direito das crianças à liberdade de expressão, direito de informação e privacidade. Manter as crianças informadas, atentas e capacitá-las com as habilidades necessárias para usar a Internet com segurança é uma linha de defesa crítica.”
Já várias entidades vieram alertar para os perigos da presença online de menores, sem supervisão. O Tiktok é neste momento a aplicação preferida dos miúdos, contando já com 800 milhões de utilizadores em todo o mundo. A Bernardo's, instituição inglesa de jovens em risco, já alertou para o facto de a aplicação estar a ser utilizada por predadores sexuais, que incentivam as crianças a filmarem atos sexuais.