O nome de Paulo Malo é um dos mais conhecidos no universo da medicina dentária. Nasceu em Angola, estudou na África do Sul em vésperas do início do Apartheid, mas Paulo e a família tiveram de regressar a Portugal depois de terem perdido as fazendas e todo o gado que tinham em África. Anos mais tarde, foi o mais velho de três irmãos que construiu um império, mas de clínicas dentárias.
Há nesta história um enorme ponto de viragem: uma grande inovação que desenvolveu no início dos anos 90, e que revolucionou a medicina dentária não só em Portugal como em todo o mundo. Chamava-se Carga Máxima Imediata, que deu origem ao All-on-4®. Esta tornou-se na solução eficaz e simples para todas as pessoas que queriam implantes mas não o conseguiam fazer por não terem osso suficiente. Desde então, a MALO CLINIC já devolveu sorrisos a milhares de pacientes, entre eles, o Pai Natal do Colombo, Severino Moreira, ou o ator José Raposo, que faz parte do grupo de embaixadores da marca e é um dos rostos da campanha #euconfio, ao lado de Paulo Pires, Alexandra Lencastre, Sara Matos, Rui Veloso, Manuel Luís Goucha, o Chef Kiko e o surfista Garrett McNamara.
Mas a vida no campo continua muito presente na vida de Paulo Malo. É para lá que, tal como nos conta em entrevista, foge quando a vida na cidade começa a ser demasiado exaustiva. Foi nas suas terras que nasceram os MALO Wines, vinhos que já receberam várias distinções internacionais.
São 24 anos de MALO CLINIC, certamente teremos bem mais do que 24 histórias para contar. Qual delas é a mais marcante, para si?
Na verdade, acho que até há mais de 48 histórias para contar. Mas eu diria que, na história da MALO CLINIC, não existe uma mais marcante. Existem vários acontecimentos extremamente marcantes. Um deles foi a capacidade que tivemos de inovar, o que nos deu a oportunidade de crescer a nível económico, de credibilidade e de visibilidade. E nesse aspeto destacam-se vários produtos e várias técnicas cirúrgicas, nomeadamente a Carga Imediata, o All-on-4®, a nova tecnologia do Zigoma, entre outros.
O mais conhecido será, provavelmente, o All-on-4®.
Talvez seja o mais conhecido e é assim porque foi aquele ao qual foi dada mais importância. Mas na verdade o mais importante tecnicamente foi a carga imediata unitária, que deu origem ao All-on-4®. O que aconteceu foi que o All-on-4® foi divulgado como feito por mim, e a Carga Imediata não foi divulgada dessa forma, mas sim por outra empresa. Hoje em dia, toda a gente usa esta técnica mas poucos têm noção de que fomos nós que fizemos os primeiros estudos. Por isso, para mim, foi um salto muito maior.
Mas existem outros momentos importantes nesta história.
Outro dos pontos mais marcantes foi a internacionalização, à qual só conseguimos chegar graças à credibilidade que construímos e à nossa capacidade de inovação. Foi esta visibilidade que fez com que vários investidores em todo o mundo nos propusessem parcerias que nos fizeram chegar aos 22 países onde estamos atualmente.
Depois, existe um outro ponto que importa mencionar, que foi a capacidade que tivemos, ao longo deste anos, de reunir em Portugal um grupo de profissionais altamente qualificados que permitiram a formação de outros profissionais estrangeiros. Além disso, criámos um centro de alta qualidade, o de Lisboa, recebemos pacientes e temos um centro de formação, a MALO CLINIC Education, que traz milhares de profissionais a Lisboa para receberem formação específica.
Falou da carga imediata e, consequentemente, do All-on-4®, duas técnicas criadas por si. Como é que surgiu este desafio? Houve algum caso em particular que o tenha inspirado?
As novas ideias, técnicas e produtos vêm sempre a seguir a um desafio. Ninguém acorda com ideia de fazer qualquer coisa e é por isso que existem dois tipos de inovação: a disruptiva e a lógica. A inovação lógica surge no seguimento de uma necessidade do dia a dia, como, por exemplo, um telemóvel que, primeiro fotografou, depois passou a fazer vídeos e que agora faz vídeos de alta qualidade. Depois, existe a inovação disruptiva, que vem de um problema que não tem uma boa solução.
Este tipo de inovação requer muito “know how”, coisa que não acontece com a inovação lógica. Além disso, para pensar em inovar desta forma é preciso ter a capacidade de ver o problema e a sua solução de forma completamente diferente daquela para a qual toda a gente está a olhar. Foi assim com vários produtos, e também foi assim com a Carga Imediata e com o All-on-4®.
Ambos foram inovações disruptivas porque olhámos para a solução de um problema de forma diferente. Toda a gente olhava para as pessoas que não tinham osso suficiente para fazer seis, oito ou dez implantes e andavam a pensar como seria possível fazê-los onde não existe osso. A única solução era o transplante. Mas, na verdade, ninguém pensou se seria realmente necessário fazer os tais seis implantes, até que nós começámos a questionar que talvez fosse possível fazer só quatro.
Isto estava completamente à margem do que era aceite na altura e era até considerado absurdo e impossível. Ninguém tinha isto em cima da mesa e um dos grandes obstáculos deste tipo da inovação é que temos de questionar aquilo que sabemos que está correto. Só quando começamos a questionar o que sabemos é que vamos descobrir que alguma coisa que assumimos como verdade absoluta pode ter outras soluções.
Com a Carga Imediata e com o All-on-4® abrimos várias portas na área das técnicas cirúrgicas e protéticas. Portas que nós próprios tivemos dificuldade em acreditar serem possíveis de abrir porque nos obrigaram a questionar algo que se julgava estanque.
Foi difícil conseguir que a comunidade de médicos dentistas aceitasse esta técnica?
O caminho da inovação lógica é relativamente simples e onde ninguém impõe grandes questões. O problema é quando temos inovação que é difícil de compreender, seja pela sua técnica ou tecnologia que utiliza. As pessoas não querem aceitar isso, muito pouca gente aceita inovação disruptiva. Dou um exemplo: todos temos um telemóvel que faz chamadas, tira fotografias e grava vídeos. Se conseguíssemos criar um equipamento com quatro centímetros de comprimento e um de largura, que fosse colocado debaixo da sua pele, seria aceite? A primeira coisa que lhe diriam era que ia criar cancro por causa da radiação ou que ia contaminar o sangue. É o desconhecimento que faz com que as pessoas não aceitem coisas novas.
Mas acredito que há duas grandes dificuldades. Uma é sobre as pessoas que a fazem. Quem as faz tem de cortar com aquilo em que acredita para seguir um caminho que não conhece, e isso é muito difícil porque colide com a aprendizagem que essas pessoas tinham anteriormente. É difícil para uma pessoa adquirir um novo conhecimento e não se deixar influenciar pelo conhecimento que tem e que julga correto.
O segundo obstáculo está, como já referi, na capacidade que existe em explicar aos outros que esta técnica é válida e até, eventualmente, melhor do que as outras. Quando o fazemos vamos confrontar-nos com uma população que não tem essa capacidade de questionar e temos de aceitar que só cerca de 10% consegue dar o benefício da dúvida. Os restantes 90% estão em negação porque isso vai contra a rotina e contra o que as pessoas pensam que está correto.
E sente que ainda há dificuldade em aceitar a inovação da carga imediata e do All-on-4®?
Hoje em dia penso que não. Já passaram mais de 20 anos, mas ao fim de 10 anos de andarmos a falar nisto ainda tínhamos resistência. Hoje em dia o que temos são resistências emocionais. As pessoas que dizem que o All-on-4® não funciona estão a agir de um ponto de vista emocional, mas, nestes casos, nós sabemos o que está por detrás e nem vale a pena tentar explicar às pessoas porque as razões da rejeição são emocionais, que estão no ser humano e, na verdade, todos temos direito a isso. Felizmente, hoje em dia, são situações mínimas, até porque o All-on-4® e a Carga Imediata são coisas banais, que já se fazem em toda a parte do mundo.
Falando nesse lado mais emocional, e em mais de 20 anos, tiveram muitos casos pro bono de All-on-4®. Como é que nasce esta vertente mais solidária?
O lado mais solidário esteve sempre presente na MALO CLINIC, desde o início. Sempre fizemos pro bono, mas o que fazíamos era muito limitado porque isso tem a ver com a capacidade económica da empresa e com o tamanho da própria empresa. O pro bono implica custos elevados e hoje em dia gastamos dezenas de milhares de euros por mês. Além disso, temos de ter muita capacidade e credibilidade para que outras empresas se juntem a nós e nos forneçam produtos para o conseguirmos fazer, de maneira a reduzir os custos.
A capacidade de ajudar pessoas em situações stressantes é uma característica do ser humano. Só não se faz mais porque Portugal ainda tem algumas dificuldades económicas e não há assim tantas empresas suficientemente ricas para fazerem alguns pro bonos. Mas temos pessoas inteligentes e que têm ética e civismo acima do normal e que têm capacidade económica para fazer diferenças no mundo. Dou sempre o exemplo do Warren Buffet e do Bill Gates com a Fundação Melinda Gates que dá centenas de milhões de dólares para situações de extrema miséria e carência.
É evidente que também há outras pessoas que são suficientemente ricas que podiam fazer qualquer coisa e não fazem porque não têm tanto nível de civismo e humanidade.
Como é saber que está a devolver sorrisos a tanta gente?
Cada vez que tratamos um paciente é uma alegria para nós. Seja uma cárie de uma criança ou adulto ou até nestes casos mais complicados que fazemos, seja o paciente a pagar ou não, até porque aquilo que nos pagam vai, em parte, diretamente para o pro bono.
Todos os pacientes são um prazer e, se não fosse assim, não estaríamos todos aqui a trabalhar. O nosso crescimento, o carinho que temos da população, é prova de que estamos a fazer as coisas bem feitas. Nós tentamos passar para quem trabalha connosco uma educação cívica e humanitária e sinto que essa é uma obrigação nossa, enquanto empresa, dar essa formação aos colaboradores e, por isso todos eles se oferecem, voluntariamente, para participarem neste tipo de ações e trabalham gratuitamente.
Um dos casos que tiveram mais recentemente foi o do Pai Natal do Colombo. Como é saber que está a devolver o sorriso ao Pai Natal?
Pois [risos], o Pai Natal do Colombo é um senhor que faz aquilo com muito carinho e muito gosto pelas crianças. É uma pessoa que, de certa forma, chamou-nos à atenção por ser a pessoa que é, que não passa despercebida. Depois de sabermos a sua situação em particular achámos que devíamos compensá-lo de alguma forma para que pudesse recompensar outros. Mas, sinceramente, não vejo grande diferença desta pessoa para qualquer outra.
Como é que foi contar aos seus filhos que o Pai Natal foi um dos seus pacientes?
Na verdade, não contei, mas eles souberam. Eu tenho dois filhos, uma menina com 12 anos e um menino com cinco. Ela já sabe que o Pai Natal não existe, mas o mais novo ainda acredita. Para ela, foi um ato para ajudar um senhor que precisava mas ele ficou confuso. Nós não adiantámos mais nada, mas ele ainda perguntou "mas o Papá tratou o Pai Natal? Como é que isso é possível?", e nós lá lhe dissemos que o Pai Natal não tinha dentes e o Papá tratou os dentes dele, e ficámos assim.
Por falar nos seus filhos, eles mostram vontade de seguir uma carreira em medicina dentária ou têm outra vontade?
Não, eu não creio que isso vá acontecer. Nenhum deles quer seguir isto. A minha filha quer ser médica mas não quer ter nada a ver com os dentes. Mas eu também queria ser médico e não queria nada disto, e aqui estou. O meu filho, neste momento quer ser mecânico.
E eles têm medo de ir ao dentista?
O meu filho não tem medo. A minha filha tem pânico.
Como é que isso se resolve, com um pai dentista em casa?
Pois, é um problema, mas eu também tinha pânico quando era miúdo. Se há uma componente genética no pânico então o dela vai-se resolver lá pelos 18 anos.
Dizia há pouco que não queria ser dentista. Como é que surgiu a mudança?
Se alguém me dissesse que ia ser dentista eu dizia que essa pessoa estava louca. A minha primeira opção era veterinária ou engenheiro agrónomo. Eu sou de Angola e o meu pai tinha fazendas, portanto seria o caminho normal. Como saímos de Angola e perdemos as fazendas e o gado comecei a fazer biologia marinha, na África do Sul, e depois fui fazer medicina. Entretanto, no quarto ano de medicina, pensei em seguir neurocirurgia mas, depois, estive em casa dos meus tios que são dentistas e, muito influenciado por eles, acabei por desviar para a medicina dentária.
Contou que o seu pai era agricultor e sempre adorou o campo. É daí que nasce esta paixão que leva, mais tarde, a criar os MALO Wines, que inclusive já receberam distinções internacionais?
O meu pai era agricultor e eu vejo-me, acima de tudo, como um agricultor. Eu sou homem da terra, é o que sou. Mas também sou dentista. Sou agricultor e dentista. Felizmente, temos muito sucesso na parte dos vinhos mas também na pecuária, somos o maior criador de leitões bísaro em Portugal, estamos a fazer investimentos em África na agropecuária e temos a parte das pescas. É uma área na qual estou muito dentro, até porque fiz biologia marinha e fiz um curso de agricultura quando era mais novo, com especialidade em pequenos ruminantes. É uma área séria para mim, não é um hobby. Ambas as áreas são muito importantes para mim, uma não é maior que a outra, embora eu passe, obviamente, mais tempo na parte dentária.
Como é que se complementam?
Elas complementam-se perfeitamente porque a parte dentária dá com qualquer pessoa em louco. Nós temos de ter um escape e a medicina dentária é uma área que consome muita tensão e paciência, é muito desgastante. Trabalha-se com muitos problemas e é preciso ter um escape. Há pessoas que o escape é a caça ou o desporto. O meu é, precisamente, conseguir fugir durante uns dias, esquecer que sou dentista e estar em cima de um trator no campo. Isso é extremamente importante para mim porque, sem isto, eu tinha de arranjar um outro escape, e a maior parte dos escapes que os médicos arranjam custam dinheiro. Eu, felizmente, arranjei um que é produtivo.
Como é que nascem os vinhos?
Foi uma coisa lógica. Na minha vida, ter a parte agrária, pecuária ou das pescas é lógico. O que é não lógico é ser dentista.
Nunca lhe passou pela cabeça, então, ter um hobby como o golfe, por exemplo?
Não, nada disso. Eu fui desportista profissional, joguei na seleção portuguesa e sul-africana de râguebi. Xadrez, golfe ou atividades desportivas que não carecem de suor ou esforço físico estão completamente longe de mim. É-me impossível ver-me a jogar golfe.
Acha que podemos dizer, passando a expressão, que gosta de ter mãos na obra? Enquanto dentista tem de trabalhar com as mãos, assim como na agricultura.
Completamente. Eu sou um fazedor. Para mim era impossível ser advogado ou político, por exemplo. É tão impossível ser advogado e político como jogar golfe. São coisas que são totalmente o oposto de mim. Eu quero fazer coisas, quero chegar ao final do dia e dizer "olha, eu fiz este buraco no chão", ou "eu fiz aquela parede", ou "eu tratei aquela pessoa". Tem de ter uma coisa física e isso é muito importante para mim. A minha alma é engenharia, seja ela qual for. Aliás, o meu filho dizia-me há uns dias que queria ser "arranjador", o que ele quer dizer é que quer ser a pessoa que arranja os carros, os pneus ou as torneiras, e eu sou um "arranjador".
Eles também gostam de estar com as mãos na terra?
O meu filho, nesse aspeto, é um fazedor e arranjador. A minha filha é mais virada para as artes. É uma pessoa sobredotada na parte estética. O desenho e tudo o que seja cores e estética ela é acima da média.
Com tantas clínicas espalhadas pelo mundo, em 22 países, mais concretamente em 66 cidades, há uma pergunta que se impõe: Portugal é o seu País de eleição?
Não, nem nunca foi, na verdade eu estou aqui de empréstimo porque sou africano. Eu saí de Angola porque houve uma guerra civil, depois saí da África do Sul porque houve o início de uma guerra civil. Vim para a Europa porque os meus pais queriam estabilidade. Mas estou aqui como peixe fora de água. Eu não sou europeu, não consigo viver com tanto cimento, com tanto alcatrão e com tanta confusão.
Daí o escape para o campo..
Exatamente. Eu detesto cidades. Não consigo viver com tanta gente e com pessoas a reclamarem com tudo e a falarem mal umas das outras a toda a hora. A minha vida é fugir das pessoas o máximo possível. Eu era incapaz de ser político por causa disso.
Se não tiver de estar a trabalhar aqui na clínica, vai ver-me sozinho, ou com dois ou três amigos no campo, a tratar das cabras, das ovelhas, a pintar ou a fazer uma casa. Sim, porque eu também sei pôr tijolos e fazer cimento. Não me vai ver em restaurantes, bares ou discotecas. Isso só acontece em ocasiões especiais.
Se tivesse uma situação na sua vida que o obrigasse a optar entre a medicina dentária e o campo, o que é que escolhia?
Tem que ser as duas. Eu adoro as duas profissões. Adoro a medicina dentária porque é uma profissão de engenharia, não é como a medicina simples, de passar receitas e auscultar, é fazer coisas e eu adoro isto. A parte da agricultura é fazer coisas também, portanto eu preciso das duas para me compensar, não posso viver sem as duas. Eu sou uma pessoa flexível e adapto-me a tudo, mas estas duas componentes, a parte do campo em que saio da cidade e o estar aqui, a tratar pessoas na clínica, são duas partes que, para mim, se complementam perfeitamente.
Não consigo estar muito tempo dentro de quatro paredes, mas como adoro a minha profissão consigo estar aqui. Mas depois tenho de sair, estar fora, de calções, botas e T-shirt a andar na terra. Se não consigo, pelo menos, a cada duas semanas estar dois dias no campo, começo a ficar menos tolerante, e são as pessoas que estão à minha volta que não tolero tanto, e isso não é justo. Nessa altura peço logo desculpa e fujo para fazer coisas, nem que seja fazer um buraco no chão.