Um vídeo da atriz Rita Pereira, aparentemente publicado nos stories da atriz da TVI este fim de semana (e que já não está disponível nas redes sociais), está a gerar polémica e a incendiar uma longa discussão sobre as chamadas birras dos bebés. Mãe de dois filhos, incluíndo da bebé Lowé, que nasceu em novembro do ano passado, tendo agora cerca de 5 meses, o vídeo em questão mostra a atriz na cozinha a preparar o almoço e a limpar enquanto a bebé chora na alcofa.

"Vamos falar do choro dos bebés só para ter atenção?", escreveu Rita Pereira no vídeo, enquanto explicava o que estava a acontecer. "Eu sei que há muitos pais que, mal ouvem os filhos a chorar, param tudo o que estão a fazer e vão buscar os filhos. Agora, eu estou sozinha em casa, tenho imensa família a chegar para o almoço, ela [a filha] já comeu, está tudo bem, eu tenho que fazer a minha vida porque eu sei que ela está bem", disse.

Sono dos bebés. "Se deixarmos a criança sozinha, pode assustar-se muito"
Sono dos bebés. "Se deixarmos a criança sozinha, pode assustar-se muito"
Ver artigo

"Está só a fazer birra porque quer colo, eu tenho que fazer o almoço, e agora vão ver como é birra", diz antes de pegar na bebé ao colo. Já com a filha nos braços, Rita Pereira referiu que só "queria atenção". "Não faz mal os bebés chorarem quando estão bem, estão só a chorar de birra", concluiu.

Os vídeos causaram muita polémica e voltaram a incendiar a discussão sobre o choro dos bebé, o que são birras e a necessidade de conforto e ligação ao adulto principal nos primeiros tempos de vida. Para esclarecer todas estas questões, falámos com Filipa Maló Franco, psicóloga clínica e especialista na área perinatal, infantil, parentalidade e sono do bebé.

O erro mais comum dos pais? Assumir que o bebé está bem porque comeu e dormiu

Em entrevista com a especialista, quisemos saber: afinal, desde que o bebé tenha as suas necessidades "principais" asseguradas, como já ter comido, dormido, estar com a fralda limpa, podemos deixá-lo chorar? "Assumimos que as necessidades físicas são o mais importante, e que se estiverem asseguradas, o bebé está bem. E esse é o erro mais comum dos pais", diz Filipa Maló Franco, que acabou de abrir uma clínica em Lisboa, à MAGG.

Filipa Maló Franco
Filipa Maló Franco Filipa Maló Franco, psicóloga clínica e especialista na área perinatal, infantil, parentalidade e sono do bebé. créditos: Instagram

"Compreendo de onde vem, de gerações mais antigas. Desde que o bebé esteja bem cuidado, menosprezam necessidades emocionais, psicológicas e relacionais. Mas hoje em dia sabemos, e a ciência corrobora essa ideia, que para além das necessidades físicas, as restantes são igualmente importantes", refere a psicóloga.

Nos três primeiros anos da vida de um ser humano, "é quando construímos a nossa base". "É claro que passaremos por outros momentos importantes ao longo da vida, mas estes primeiros anos são a base da casa, que vão ser cruciais para a forma como a criança olha para ela própria, marcam a forma como vai lidar com as relações, com a sua auto-estima, para além de serem também importantes na forma como a criança entende o mundo como perigoso ou seguro, é com este primeiro contacto", refere Filipa Maló Franco.

Por outro lado, a especialista, apoiada por várias teorias, garante que os bebés são muito dependentes até aos 2 anos. "Não deve existir dúvidas quanto a isto, existe uma dependência, que nos primeiros meses de vida ainda é maior, quase que é esperada uma fusão com o cuidador principal, daí o quererem estar sempre ao colo. Até porque os bebés são muito imaturos quando nascem, logo há esta dependência e necessidade. Querem estar seguros, querem estar com o cuidador principal", explica.

Acha que falar para o seu bebé o acalma? Não podia estar mais enganado, refere a especialista

No vídeo publicado por Rita Pereira, a atriz fala várias vezes para a filha enquanto continua as suas tarefas, tentando acalmá-la e referindo estar "tudo bem", uma atitude que qualquer mãe ou pai já replicou de certeza, achando que estariam a fazer o mais correto e que a voz seria suficiente para o bebé perceber que o seu cuidador estava por perto. Mas, de acordo com Filipa Maló Franco, de nada adianta.

Os "terríveis 2 anos" e as birras: "Ficou deitada uma hora a cuspir para o chão"
Os "terríveis 2 anos" e as birras: "Ficou deitada uma hora a cuspir para o chão"
Ver artigo

"Quando eles são muito pequenos, se o adulto não está no campo de visão dos bebés, é como se não existisse. Principalmente nos primeiros 6 meses, eles funcionam muito nessa lógica de 'não vejo, não há'. Ou seja, podemos achar que estamos a confortar a criança ao falar para ela, mas se ela não nos vir, não resulta", garante a especialista.

Assim, os bebés regulam-se através do toque — o que explica, tal como mostrado no vídeo da atriz, o porquê de pararem de chorar imediatamente assim que são pegados ao colo. "É a forma primária de regular um bebé", completa Filipa Maló Franco.

Não são birras nem manhas, mas sim uma necessidade que precisa de ser atendida

Quem nunca ouviu ou proferiu a velha máxima "isso é colo a mais" ou ligou o colo a manhas ou birras dos bebés? A ideia é mais velha do que o seguro, mas não corresponde à verdade, refere Filipa Maló Franco.

"Se a necessidade que o bebé tem é de proximidade, chorar é a forma de ele dizer 'não estou bem, preciso que estejas comigo'. Logo, se ele vê essa necessidade ser atendida ao ter colo, pára de chorar. Mas não é porque estava a fazer birra ou manha, é porque vê essa necessidade ser suprida", diz a especialista.

No entanto, a psicóloga clínica é a primeira a perceber que há alturas em que não podemos atender no imediato à necessidade da criança, mas reforça que o problema está em perpetuar essas atitudes. "Obviamente que os bebés estão preparados para conseguirem lidar com níveis de stresse normais. Se estamos no banho, se estamos a conduzir e ele vai na cadeirinha, claro que não o podemos fazer logo. Mas o problema não está nestes momentos pontuais, mas sim se a falta de resposta for continuada e em permanência. Se perpetuarmos esta premissa, os bebés podem ficar em níveis de stresse tóxicos para o organismo."

Tal como refere Filipa Maló Franco, estes níveis altos de stresse podem ter impacto no sistema imunitário das crianças, no seu desenvolvimento emocional, na forma como regulam as emoções, em como confiam no mundo. "Este stresse é muito prejudicial", diz a especialista, deixando obviamente claro que os bebés não vão sofrer consequências por não serem logo atendidos quando choram num momento ou outro — mas deixa estratégias.

Dia dos Namorados com um bebé. Especialista diz-lhe como pode manter o romance vivo
Dia dos Namorados com um bebé. Especialista diz-lhe como pode manter o romance vivo
Ver artigo

"Existem truques que podemos utilizar para tarefas e ajudar nisto de termos o bebé connosco, como o babywearing. Também os podemos levar numa espreguiçadeira para a casa de banho quando estamos no duche e assim eles estão-nos a ver, podemos colocar um espelho e brinquedos na cadeirinha do carro. São estratégias para ajudar a criança a estar mais tranquila nos momentos em que estamos a fazer outra coisa", enumera a psicóloga.

O que não pode mesmo acontecer e é muito errado, salienta Filipa Maló Franco, é assumir que o choro não tem consequência. "Tem um impacto negativo. Se o bebé está a chorar, está a comunicar que não está bem, seja de que forma for. E há outra coisa errada, que é assumirmos que sabemos como o bebé está. Nós não temos de compreender ou assumir que o bebé está bem porque chora mas tem a fralda limpa, ou chora mas já comeu. É a forma de ele comunicar que algo não está bem, logo temos de valorizar e reponder a isso", conclui a psicóloga.