Depois de mais de um ano de suspense que se seguiu à morte de Virgil Abloh, o diretor criativo das coleções para homem da Louis Vuitton, há finalmente um substituto: Pharrell Williams. Sim, é mesmo o rapper e produtor de música em que está a pensar que vai assumir este cargo na marca de luxo, pertencente ao grupo francês LVMH.
A nomeação do artista norte-americano de 49 anos, considerado um "visionário" pela casa de luxo, tem efeitos imediatos. Trocado por miúdos, isto significa que Pharrell Williams vai pôr mãos à obra o mais rapidamente possível, sendo que deverá estrear-se enquanto diretor criativo com a sua primeira colecção em junho, no decorrer da semana da moda masculina, em Paris, avança a "Vogue Business".
A escolha está alicerçada no facto de a Louis Vuitton considerar que o universo criativo do rapper é muito vasto, indo da música à arte e à moda, tendo-se afirmado como "um ícone cultural universal ao longo dos últimos vinte anos". "A sua capacidade de quebrar as fronteiras entre os diferentes universos que explora encaixa naturalmente da dimensão cultural da Louis Vuitton", lê-se no Instagram da marca.
Mas, além das razões enumeradas pela marca, em que é que isto se traduz? Que ligações tem, efetivamente, Pharrell Williams à indústria da moda? Quem é que poderia estar no seu lugar, se não tivesse sido o escolhido? Fomos à procura de respostas. Vamos a isso?
Da música para a moda foi um saltinho
Pharrell Williams construiu a sua carreira no mundo da música, tendo começado a aparecer no radar da indústria na década de 90, aquando da formação da banda N.E.R.D., na qual desempenhava os papéis de baterista e vocalista principal, e dos Neptunes, uma dupla de compositores e produtores de hip-hop em que participou ao lado de Chad Hugo. Foi isto que possibilitou a sua ascensão ao estrelato, uma vez que o par trabalhou com artistas como Gwen Stefani e Snoop Dogg.
Nos anos que se seguiram, foi trilhando o seu caminho a solo nesse ramo, sendo considerado um dos produtores musicais mais influentes do século XXI. O rapper tem 13 Grammys no seu repertório, a par de uma nomeação para os Óscares, em 2014, que lhe foi concedida graças ao êxito "Happy", que fez furor aquando da estreia de "Gru – O Maldisposto 2", no ano anterior.
Minions e sucesso musical à parte, Pharrell Williams também começou a mandar cartas na moda desde cedo. Em 2003, fundou a marca Billionaire Boys Club, da qual nasceu a subsidiária Ice Cream Clothing, no ano seguinte. Isto tudo em conjunto com Nigo, designer japonês, conhecido por fundar marcas como A Bathing Ape e atual diretor criativo da Kenzo, casa de luxo que também faz parte do grupo LVMH.
Estas duas personalidades uniram forças e assumiram os comandos de ambas as marcas, cujo objetivo era conferir um novo olhar aos estilos clássicos da streetwear, como explicita o próprio site. Desde então, graças às coleções que destas saíram, em que as cores, as estampas e os designs ousados foram os protagonistas, as marcas tornaram-se num marco na indústria da moda, detendo até uma grande influência na música.
Foi precisamente esta dualidade do rapper que lhe concedeu, em 2005, o título de "homem mais bem vestido do mundo", pela revista de moda "Esquire". A publicação norte-americana considerava que o artista tinha a capacidade de conseguir "injetar moda de luxo no hip-hop", segundo a "MTV".
A partir desta altura, Pharrell Williams não teve descanso, continuando a somar a criação de outras marcas, como a Human Made, em 2010, também com a mão de Nigo. Em 2022, abriu as portas da sua casa leiloeira online, a Joopiter, que tem como pressuposto a venda de peças e acessórios de luxo que foram usados por si e que têm estado bem guardados nos cofres e nos arquivos do artista, afirma a "GQ".
Depois, foi marcando presença noutras marcas. Desde 2014, tem feito colaborações com a Adidas, de onde nasceram pares de ténis e peças de roupa com a sua insígnia, avança a "High Snobiety". Em 2019, o rapper também foi responsável por desenhar uma coleção para a Chanel, ainda que já tenha uma relação próxima com a marca (e o respetivo diretor criativo, Karl Lagerfeld, que morreu em 2019) há nove anos. Mais recentemente, em janeiro do ano passado, participou numa coleção da Tiffany&Co, a icónica marca de joias, também comprada pelo grupo LVMH em 2021.
Isto não é mais do que um regresso
Ainda que Pharrell Williams esteja a agarrar um cargo de peso na Louis Vuitton, a relação com a marca é bem mais antiga. O artista colaborou com a casa francesa em 2004 e em 2008, tendo surgido desta última parceria (intitulada Milionaire) uma coleção de óculos de sol e de jóias, relançada pelo antecessor Virgil Abloh, em 2019.
Embora a primeira colaboração do cantor com a Louis Vuitton tenha acontecido há 19 anos, o interesse pelas peças continua viva e de boa saúde. Na verdade, desde o anúncio do novo cargo de Pharrell Williams, a procura ainda aumentou mais, segundo a "WWD". Aquando do lançamento, os óculos custavam 1.200 dólares (cerca de 1121€), mas atualmente estão a ser vendidos por preços que vão dos 1500 dólares (cerca de 1401€) aos 4000 dólares (cerca de 3738€), avança a mesma publicação.
Tendo isto em conta, não é por acaso que Pietro Beccari, atual diretor-executivo da marca, disse que estava feliz "por receber Pharrell de volta a casa", segundo a publicação de Instagram que anunciava a novidade. "A sua visão criativa vai mais além da moda e irá, sem dúvida alguma, levar a Louis Vuitton a um capítulo novo e muito empolgante”, continuou o responsável.
Esta novidade reflete, então, a primeira grande decisão de Pietro Beccari desde que assumiu os comandos da maior marca de luxo do mundo, a 1 de fevereiro. Tendo ocupado esse cargo noutra marca, a Dior, constitui-se atualmente como o sucessor do anterior diretor-executivo da Louis Vuitton, Michael Burke, explica a "Vogue Bussiness".
Além disso, o facto de Pharrell se assumir como diretor criativo das coleções masculinas também é simbólico. Isto porque assinala a segunda vez que um designer negro ocupa um cargo de liderança na casa de luxo francesa, depois de Abloh ter feito história em 2018, afiança o "The Guardian".
Adeus, designers de profissão
Depois de o novo cargo de Pharrell Williams ter sido anunciado esta terça-feira, 14 de fevereiro, chegaram ao fim longos meses de especulação sobre quem seria o substituto de Virgil Abloh. Os especialistas de moda acreditavam que as britânicas Grace Wales Bonner, Martine Rose ou Telfar Clemens podiam ocupar esta posição, por estarem em linha com a streetwear luxuosa que o norte-americano pôs em prática na casa francesa, afirma o "The New York Times".
Aliás, a par da experiência na indústria, ainda que noutros moldes, Pharrell Williams é extremamente popular e conta com mais de 14 milhões de seguidores no Instagram. Ultrapassa, então, designers como Donatella Versace, que tem quase dez milhões de seguidores, o diretor criativo da Balmain, Olivier Rousteing, com nove milhões, ou Simon Jacquemus, fundador da marca homónima, com mais de cinco milhões.
Isto vai ao encontro da estratégia que várias marcas têm posto em prática: uma tendência crescente de colocar o seu futuro nas mãos de celebridades e não em designers de profissão. É uma decisão que contrasta com a da Gucci, que optou por escolher um criador quase desconhecido para o público, Sabato de Sarno, que trabalhava nos bastidores com Pierpaolo Piccioli na Valentino, segundo a "Business of Fashion". A nomeação de Pharrell Williams poderá também ter sido influenciada pelo próprio Virgil Abloh, de quem era bastante próximo, segundo a mesma publicação.
Tendo isto em conta, houve uma diversidade de opiniões a assolar as redes sociais. Se há quem considere que o artista é a escolha acertada, graças à sua experiência no ramo e ao facto de se predispor a seguir os passos de Virgil Abloh na direção criativa, há quem tenha deixado algumas críticas ferozes a esta decisão. Isto porque, além de pôr em cheque a escolha de designers de profissão para estes cargos, faz com que a moda se cinja a estratégias de marketing e não a arte.
Por exemplo, basta deslizarmos pela caixa de comentários da publicação de Instagram da Louis Vuitton para perceber que as opiniões são unânimes. "Espero que ele seja bem sucedido, mas parece que estas celebridades estão a roubar cargos de pessoas que foram treinadas para isto", comentou um utilizador da rede social. "Talento e visão não são suficientes. Este é um trabalho que não pode ser improvisado", disse outro.
Apesar de tudo, é esperado que Pharrell Williams continue o legado de Abloh, sem grandes reviravoltas, mas com uma aposta maior na cor e nos acessórios, aspetos que constituem a sua imagem de marca. A escolha faz com que seja possível que o grupo LVMH, que detém marcas como a Tiffany, Bulgari e Moët & Chandon, continue a crescer, depois de ter registado os lucros mais altos da história em 2022, faturando 14 mil milhões de euros, segundo o "The Guardian".