Não gosto de futebol. Pronto, está dito, não há nada que me fascine no universo das quatro linhas. Não gosto, não vejo e, acima de tudo, não percebo — durante meses achei que Mitrogolo era uma expressão futebolística para quando alguém marcava muitos golos, portanto acho que está tudo dito. Com as lágrimas nos olhos, o meu pai lá me explicou que o nome correto era Mitroglou e que era um jogador.

Não gosto de futebol, repito, mas passei os meus já longos 29 anos rodeada por fanáticos do Benfica. O meu pai não perde um único jogo e faz questão de andar pela casa com o rádio na mão, o meu namorado acaba sempre por encontrar um stream no Twitch. No passado domingo, 10 de fevereiro, achei que estava safa de um Benfica-Nacional — infelizmente fui conhecer a família dele e descobri que tinha caído num ninho de águias.

Adiante. O Benfica venceu 10 a 0 ao Nacional da Madeira e de repente não se falava noutra coisa. Nada de estranho até aqui, era um goleada como não se via há 55 anos. Só comecei realmente a pensar no assunto quando, no dia seguinte, se tornou viral um tweet de Sofia Vala Rocha, vereadora do PSD.

"Contra os 10-0. No alto rendimento não se deve humilhar, nem espezinhar. Aos 5-0, substituía-se a equipa e dava-se tempo de jogo aos menos usados. Tirava-se o pé do acelerador. Sou benfiquista e não gostava de ver a minha equipa assim humilhada. É preciso saber ganhar."

Estamos oficialmente a viver a era do politicamente correto e dos ofendidinhos. Não me venham cá dizer que é a era da informação ou a era tecnológica, não, é a era em que toda a gente se ofende com tudo — até com a vitória de uma equipa sobre a outra.

Um humorista já não pode fazer uma piada sem ser alvo de bullying online, um comentador não pode dar a sua opinião sem ser enxovalhado e pelos vistos o Benfica também já não pode ganhar. Quer dizer, pode. Mas só se for 5-0, está bem? 10-0 já é demais.

Estou a exagerar? Deixo-vos algumas notícias que saíram na imprensa nacional e internacional nos últimos dias.

— Rita Pereira atacada por seguidores por curar gripe com antibióticos;
— Katy Perry acusada de racismo devido a um par de sapatos [um era branco e outro preto];
— Gucci retira camisola de 785 euros do mercado depois de ser acusada de racismo [foi comparada à blackface, maquilhagem usada antigamente em teatros para representar afro-americanos];
— “Guerra dos Tronos”: Atriz é atacada nas redes sociais depois de escrever uma homenagem aos avós, que sobreviveram ao Holocausto [Laura Pradelska foi acusada de estar a tomar uma posição política];
— Revista “Esquire” criticada por fazer capa com um rapaz branco [apesar de ser a primeira capa de uma série de outras histórias que vão refletir a perspetiva de brancos, negros, mulheres e da comunidade LGBTQ sobre os Estados Unidos];
— Cristiano Ronaldo alvo de críticas devido a fotografia sorridente no avião [perguntaram-lhe se não tinha vergonha ou respeito pelo jogador Emiliano Sala, que morreu num acidente aéreo nesse mesmo dia].

Hoje em dia não se pode falar sobre nada. Uma série que retrata a vida de uma ex-gorda é acusada de ser gordofóbica, uma piada de Kevin Hart de 2015 tira-lhe a possibilidade de apresentar os Óscares. Ainda esta semana recebia uma mensagem de uma leitora a dizer que só me saía, passo a citar, “merda pela boca”. Demorei dez minutos a perceber que se referia a uma crónica que escrevi há alguns meses sobre coisas de que não gostava nos hotéis. O texto foi considerado um ataque a toda uma classe de hoteleiros.

Estamos a criar um mundo cinzento — um mundo onde ninguém pode fazer uma piada porque alguém termina ofendido, onde não há críticas, opiniões, ideias. Temos todos de andar de cabeça baixa, ser contidos nos nossos diálogos e o Benfica não pode marcar mais de cinco golos porque é uma humilhação para o Nacional.

Quando era miúda, recordo-me de o meu pai dizer que os prémios de participação eram uma parvoíce. Lembram-se disto? Das competições em que não interessava se o vencedor fosse a Maria ou o José, no final toda a gente ganhava? Ele seria arrasado se dissesse uma coisa destas hoje em dia. Mas eu digo por ele: que raio de sociedade estamos nós a criar se dizemos às nossas crianças que não precisam de se esforçar? Que ganharam só porque participaram?

Não precisam de gozar com gordos nem com gays. Mas podem dar-se à liberdade de brincar — eu fui obesa durante 19 anos e ri-me muito com “Insatiable”. Tenho duas amigas homossexuais e fazemos humor tanto com a homossexualidade como com a heterossexualidade.

Epá, deixem o Benfica ganhar. E, já agora, deixem lá a Rita Pereira tomar um antibiótico, o Ronaldo tirar fotos num avião e eu odiar carpetes nos quartos dos hotéis. Está tudo bem. Não é assim tão importante.

Importante foi a conversa que Inês Ribeiro teve com casais que foram pressionados a abortar, pelos médicos e pela família, depois de vir a confirmação de que teriam um filho com trissomia. Os pais disseram que não e hoje não se arrependem. Já a jornalista Ana Luísa Bernardino andou pelas ruas de Lisboa a perceber para onde é que foi o Casal Ventoso — já se passaram 20 anos desde que foi desmantelado o hipermercado da droga.

Mas há mais. Mariana Leão Costa foi falar com mulheres portuguesas para perceber se sentem que são mesmo mal pagas, mais ansiosas e cansadas, como sugeriu um estudo. Já Catarina da Eira Ballestero fala-nos da forma como o reiki é utilizado no Hospital de São João para reduzir os efeitos da quimioterapia nos doentes oncológicos, e Sofia Venâncio conta-nos as histórias de 5 animadores das manhãs das estações de rádio mais ouvidas em Portugal.

Qualquer coisa, dúvida, ou só um olá, estou aqui: martamiranda@magg.pt. Até sexta-feira e bom fim de semana.