Já se passaram mais de 12 horas desde que Sónia Tavares relatou a sua bizarra expulsão da zona VIP do Rock in Rio. Emails enviados, contactos feitos, silêncio total, quer do lado da organização do festival, quer do lado da SIC, canal para o qual a cantora estava a trabalhar no momento em que ousou comer um croquete e beber uma imperial sem ter a devida pulseira VIP. É mais um tema do dia, que vai desaguar em nada, qual rio Trancão a desaguar no Tejo.
O que é que o facto de a cantora dos The Gift ter sido, segundo o seu próprio relato, arrastada para fora do recinto por ter comido um croquete e bebido uma imperial quando não tinha autorização para isso interessa ao leitor? Muito pouco. Mas talvez interesse ficar a saber como funcionam os bastidores deste grandioso festival por um mundo melhor.
Sejamos honestos: o Rock in Rio é uma máquina de tal forma bem oleada que não precisa da comunicação social para nada. Atingiu de tal forma uma popularidade não contestada que tanto faz ter Ed Sheeran como uma batata assada a cantar no Palco Mundo que a malta vai à mesma, atraída pelo facto de ir ao Rock in Rio, postar nas redes sociais que vai ao Rock in Rio e levar uns brindes para casa a dizer Rock in Rio.
Mas nem sempre foi assim. Há muitos, muitos anos, era o Rock in Rio apenas um bebé em Portugal, a tal zona VIP de onde Sónia Tavares foi expulsa era um oásis. Staff, equipas técnicas, comunicação social em geral, celebridades, políticos, parceiros institucionais e demais figuras de relevo circulavam por ali, em salutar convívio. Havia comida e bebida com fartura e nunca vi (eu, que já sou anciã destas coisas), ninguém reclamar porque um fotojornalista tinha comido um canapé ou um repórter de imagem tinha bebido um sumo de laranja a mais.
Claro que houve situações de algum abuso e algumas peripécias caricatas, como aquele célebre episódio, em 2006 (se a memória não me falha), em que uma figura pública se envolveu num confronto físico com uma jornalista. Outros tempos, em que não havia redes sociais, telemóveis com boas câmaras de filmar. Quem viu, viu, quem leu, leu. Quem não viu nem leu não vale a pena procurar na internet que não há registo disso.
Ali por volta de 2010, creio, as regras do jogo mudaram. Já bem estabelecido em Portugal, o Rock in Rio começa a impor restrições de circulação aos jornalistas na zona VIP, onde outrora se fazia reportagem, se entrevistavam e fotografavam artistas e celebridades, sem que alguém alguma vez tivesse ficado melindrado com isso (quem não queria ser visto, ia para o meio da multidão). Uso de coletes, tempo cronometrado, circulação limitada, reportagens acompanhadas por elementos da organização. E, claro, a proibição de tocar em comida e bebida. E não estou a exagerar quando digo que a proibição é levada à risca, com seguranças e elementos da organização a repreender alto e bom som ou mesmo a retirar daquela zona quem se atrevesse a pegar num copo de sumo.
Regras são regras e, não sendo um espaço público, acata quem quer. Quem não quer, vai à vidinha. Só que estava tudo certo se, na altura, houvesse condições mínimas para trabalhar no Rock in Rio. Que, à época, não havia, e só muito recentemente, melhoraram substancialmente. Pode o leitor estar a pensar que isto são problemas de primeiro mundo ou capricho de jornalista. Mas não é. Trata-se de ter condições mínimas para trabalhar.
Um dia de trabalho num festival de música pode começar de manhã e prolongar-se até altas horas da madrugada. Mesas, cadeiras, tomadas, cacifos com chave (porque estamos a falar de material avaliado em milhares de euros, além de bens pessoais), casas de banho, água e comida são os mínimos olímpicos para uma sala de imprensa minimamente decente, onde se possa trabalhar sem desfalecer a meio do dia ou ter de passar horas em filas para comer ou fazer necessidades. Porque, embora possa parecer um privilégio ter acesso a um festival, nós, jornalistas, estamos ali para trabalhar. Não vamos para ali coçar a micose. Mas, a avaliar pela postura da organização, ao meter a sala de imprensa no cu de Judas, obrigando a verdadeiras maratonas recinto fora, mais parece que estão ali a fazer-nos um grande favor.
E culpa nossa, jornalistas, editores, diretores, administradores de empresas de comunicação social, que fomos deixando a coisa passar. E não tivesse sido esta situação caricata de Sónia Tavares, a coisa ia continuar na mesma, como a lesma.
Desde que tenho algum poder de decisão que evito ir trabalhar para o Rock in Rio. Nunca gostei da forma como tratam os jornalistas, não gosto do conceito do festival, abomino a obsessão do público do RiR pela corrida ao brinde. Mas, tal como escrevi, a máquina tornou-se tão poderosa, tão incontestada e tão bem oleada que a minha opinião é uma gota no oceano e não contará para nada. Haverá mais Rock in Rio, edições esgotarão, outras pessoas levarão um sopapo na mão por terem tocado num croquete ou ousado bebericar uma imperial. E tudo ficará novamente bem.
O meu único consolo é que está quase a chegar o NOS Alive.