O silêncio é uma arma fortíssima que quando é usada com sabedoria pode ferir muito mais do que uma imensidão de palavras. Só que o silêncio pode também ser uma forma de proteção, de fuga ao conflito — e não há nenhum mal nisso. Quantos de nós optam, numa base diária, pelo silêncio, só porque sabem que se disserem o que verdadeiramente pensam isso trará discussões, conflitos, problemas. A guerra, mesmo que de ideias, mata-nos a paz de espírito de que tanto precisamos para vivermos equilibrados.
Seria muito fácil para uma mulher como Cristina Ferreira estar sempre calada e seguir com a sua vida, que tem tudo para ser boa. Simplesmente, não ter opinião sobre as coisas. Ou melhor, ter, mas não a dar, guardá-la para si e para o seu ciclo de amigos. Levar uma vida a sorrir e acenar, como os pinguins do Madagascar. Aliás, é isso que quase sempre as pessoas anónimas recomendam que os famosos façam: “Não dês importância”, “Não respondas”, “Não ligues”, “Deixa-os falar”. E é isso que Cristina Ferreira faz na maioria das vezes em que é criticada e atacada, apenas por existir.
Mas vamos atrás. Cristina Ferreira é a mulher com mais notoriedade em Portugal. Ela não procurou isso, vem com a exposição que a televisão lhe dá há muitos anos. E vem, sobretudo, do facto de não ser, nem procurar ser, uma pessoa consensual, de medos ou que se esconda. Cristina Ferreira faz o que tem a fazer, diz o que tem a dizer, atravessa-se quando tem de se atravessar, arrisca, pisa as brasas, vai em frente, recua, dá passos ao lado, dá passos em falso. Erra, erra muitas vezes. Como erram todos aqueles que tentam e tentam e tentam. Mas são sempre esses, os que tentam e tentam e tentam que levam o mundo para a frente, que inovam, que chegam onde quase nenhum outro chega.
É muito mais fácil não tentar, ficar quieto, viver sem criar ondas. Mas, caraças, dá muito menos gozo. Só quem erra e dá cabeçadas na parede, quem se espalha ao comprido vezes e vezes, é que sabe o gozo que dá aquele momento em que a vida vira e se está lá em cima novamente, a saborear uma conquista, seja comprar uns Louboutins, seja a beber um champanhe com amigos, seja sozinho, em casa, na cama, num momento de instrospeção — quem consegue estas conquistas sabe o que isto é.
É também nesses momentos que, lá de cima, se olha para baixo e se vê os detratores, rezingões, a tentar tudo para diminuir quem chegou lá acima, porque se alguém chegou ao topo é porque tem dinheiro, uma vida iluminada, conhece as pessoas certas, move-se nos bastidores, é chico-esperto ou, no caso das mulheres, claro, dormiu com as pessoas certas. Mérito nunca há, nunca.
Cristina Ferreira podia viver caladinha, a mostrar os seus vestidos, a usar filtros nas fotos do Insta, a fazer as suas férias de luxo, a trabalhar no que gosta, e a ganhar o seu dinheiro que lhe vem do trabalho em televisão e das parcerias nas redes sociais. E levaria uma vida de sonho. Mas ela prefere — e já o prefere há muitos anos — andar às cabeçadas com meio mundo a fazer as coisas que lhe dão gozo, as coisas em que acredita e a dizer aquilo que pensa, concorde-se ou não, goste-se ou não. E com isso paga uma fatura elevadíssima: a de não viver na paz dos tolos, dos que se calam perante tudo, porque falar é chato e vai trazer problemas.
Cristina Ferreira não tinha necessidade de fazer uma revista, mas fê-la. Não tinha necessidade de ter uma marca de roupa, mas tem-na. Não tinha necessidade de criar eventos de palestras motivacionais, mas criou-os. Não tinha sequer necessidade de ter saído da SIC e de ter voltado para a TVI, para um cargo que lhe era desconhecido, e que ela já sabia que lhe ia dar muitas dores de cabeça, mas saiu. Cristina Ferreira não tinha necessidade de ir à Assembleia da República defender aqueles que são alvo de ciberbullying nas redes sociais, mas foi. Não tinha necessidade de escrever um livro a relatar aquilo por que passa, diariamente, ao ser humilhada, insultada, ameaçada por desconhecidos, mas escreveu-o.
Também agora Cristina Ferreira não tinha necessidade de falar publicamente sobre o ataque que sofreu — ela e Maria Botelho Moniz — por parte do cronista do “Correio da Manhã” Alexandre Pais. Mas falou. E falou em nome de milhares e milhares de mulheres que se sentiram humilhadas, enojadas, com o que foi escrito.
Ter capacidade de influência não deve servir só para vender carteiras, produtos de maquilhagem ou viajar à borla. Deve servir para ajudar a mudar a sociedade de acordo com aquilo em que acreditamos. Mas pergunto: os que falam dos Louboutins, dos erros no inglês, das apostas falhadas na TVI, do egocentrismo, das palestras de Cristina, esses todos, o que é que fizeram nas vidas que levam para mudar o que quer que seja na nossa sociedade? Que se veja, nada. Que eu saiba, pelo menos, nada. Cristina pode até não fazer tanto quanto queria, mas tenta, e tenta e tenta. E só os que tentam é que mudam o mundo, seja o mundo global, seja o nosso pequeno mundo. Mesmo que com isso vivam sem a tal paz. A paz dos tolos.