A forma como tem sido discutida a questão da celebração, ou não, na Assembleia da República, do 25 de abril é a demonstração absoluta de que a guerrinha ideológica umbiguista está acima dos portugueses. O que interessa não é o que é melhor para o País, o que interessa não é encontrar uma solução de bom senso, o que interessa não é dar o exemplo, o que interessa é dizer aos senhores da bancada do lado que são mais defensores da liberdade do que eles.
Desde 25 de abril de 1974 que os partidos de esquerda (por simpatia vou incluir aqui o PS) assumem uma postura de posse em relação à data da revolução, como se o 25 de abril fosse só deles, como se os partidos democráticos de direita (não vou incluir aqui o Chega, e não é por simpatia) não fossem, também eles, defensores da liberdade e da democracia. Há algum deputado do PSD ou do CDS que ache que o 25 de abril nunca deveria ter acontecido? Duvido muito. Haverá, sim, muitos que acham que tão importante como o 25 de abril foi o 25 de novembro, e que essa data também deveria ter um peso institucional forte (e não tem), até porque contribuiu com um peso idêntico ao 25 de abril para que, hoje, vivamos em democracia. Mas isso é outra discussão.
Esta guerrinha absurda sobre a celebração do 25 de abril no Parlamento está a dividir o País precisamente porque se pôs a questão de forma errada: quem defende que se deve celebrar o 25 de abril na Assembleia é a favor da liberdade, quem defende que não se deve celebrar o 25 de abril na Assembleia é contra a liberdade. Tudo errado, tudo.
O que está em causa não é o assinalar ou não a data da revolução, o que está em causa é a forma como isso pode e deve ser feito num momento em que o País está em estado de emergência, os portugueses confinados em casa, metade do comércio fechado e em que nos é dito pelas autoridades e pelos políticos que não podemos ir jantar a casa dos sogros, que não podemos receber amigos, e, mais grave do que tudo, não podemos ir ao funeral de uma avó, tia ou mãe. O argumento usado para que se deva celebrar o 25 de abril no Parlamento é o de que irão ser cumpridas todas as regras de segurança. Perfeito. Mas então e qualquer português não poderá argumentar que tem o direito de ir ao funeral da mãe ou da avó já que irá cumprir todas as regras de segurança? Ou os políticos estão num patamar de direitos acima do cidadão comum?
Ninguém me consegue convencer de que o 25 de abril não poderia ser celebrado este ano de forma diferente, mais segura, e que servisse de exemplo a todos os portugueses, precisamente para que o País percebesse que ninguém tem mais direitos, que estamos todos no mesmo barco, que estamos todos a fazer sacrifícios em nome do bem comum. Assim de repente, lembro-me de umas muitas formas diferentes de se celebrar o 25 de abril cumprindo com aquilo que se pede aos portugueses para cumprirem. Deixo só quatro ideias, muito simples, e que, acredito, algumas teriam muito mais impacto real junto das pessoas do que a sessão que irá acontecer no Parlamento.
1. O Presidente da República poderia fazer um discurso em direto da sua residência oficial, que seria transmitido pelas televisões.
2. O primeiro-ministro poderia fazer um discurso em direto da sua residência oficial, que seria transmitido pelas televisões.
3. A RTP, enquanto televisão pública, poderia dedicar toda a sua emissão diária ao 25 de abril, passando documentários, discursos, programas antigos, declarações do dia, marcando de forma transversal a data na sua programação.
4. O Governo poderia comprar espaço nas televisões privadas e emitir programas sobre o 25 de abril, ou poderia haver um acordo com as televisões privadas para dedicarem X horas por dia à data, por forma a reforçar a importância histórica do dia.
Vamos agora ao lado prático desta trica. Quem é que está em pulgas para acompanhar o que se vai passar no Parlamento no dia 25 de abril? Quem é que vai querer ligar as televisões para saber tudo o que se vai passar ali, para ouvir todos os discursos? Pois, não me parece que o País esteja assim tão entusiasmado quanto os políticos, sobretudo os políticos da esquerda que estão no Parlamento (nem acho, sequer, que sejam todos os políticos de esquerda). Isto é uma birrinha, uma birrinha ideológica, de gente que parece não ter muito mais com que se preocupar (e se há muita coisa que nos preocupa neste momento, ui, ui).
Fazer as coisas de determinada maneira só porque, historicamente, é assim que elas têm sido feitas é um erro que tem afastado cada vez mais as pessoas dos modelos tradicionais das instituições (da política, da igreja, do exército). O que se passa hoje em cerimónias como a que vão decorrer na Assembleia da República interessa aos que lá estão (a alguns, vá), e a meia-dúzia de pessoas muito ligadas à causa, à data, porque fizeram parte da revolução, porque eram militares na altura, porque viveram a coisa com grande proximidade. Por elas, o máximo respeito. A quase todas as outras pessoas (milhões, portanto), o que se vai passar naquele dia no Parlamento interessa muito pouco, ou nada. E isto não é o mesmo que dizer ou achar que o 25 de abril interessa muito pouco, ou nada. Não. Interessa. E interessa muito. É preciso é analisar a vida de hoje, a forma como queremos ser relevantes na vida das pessoas e tornar as nossas datas relevantes na vida das pessoas.
Se queremos manter Abril vivo nos nossos corações, se queremos manter a liberdade e a democracia como pilares da nossa vida, então, não é com sessões especiais no Parlamento que o vamos conseguir. É preciso inovar, ser criativo, ler as pessoas e as suas vidas e dinâmicas. Mas isso dá demasiado trabalho, e não há tempo para isso, até porque há uma cerimónia (que ninguém vai ver) que tem de ser preparada no Parlamento.
25 de abril, sempre.