
É absolutamente indescritível o que pudemos assistir durante 11 minutos na Casa Branca, em Washington. A conversa entre Donald Trump e Volodymyr Zelensky foi uma sessão de bullying público levada a cabo pelo menino mais velho, mais forte e mais rico que procurou humilhar, em sua casa, o menino mais pobre, mais fraco e mais novo. O que vimos ali foi um velhaco milionário que sempre teve tudo na vida a espezinhar um homem simples e corajoso, mas sem dinheiro, e desesperado, que há quatro anos luta pela sobrevivência do seu país numa luta desigual contra um tirano lunático que invadiu um país independente e democrático. Tudo, com o menino mimado JD Vance a mandar umas bocas, armado em corajoso, como se fosse um grande ato de coragem humilhar, na sua própria casa, uma visita humilde e de caráter.
A conversa em si é toda ela um exercício de autocracia e despotismo que fazem temer o pior. Que faz com que mesmo aqueles que acreditavam que estes anos de Trump seriam só show off, muita parra e pouca uva, passassem a olhar para a posição da Casa Branca com outros olhos. Porque tudo aquilo é muito preocupante e desafiador para o equilíbrio mundial. O que Trump fez a Zelensky foi uma vergonha histórica para todos os que acreditam nos valores supremos das sociedades ocidentes, que assentam na democracia, no humanismo, na liberdade e no respeito pelo próximo. O desequilíbrio geo-estratégico que esta governação Trump pode originar terá consequências trágicas sobretudo para a Europa e para os europeus. Porque uma coisa é não ter ajuda dos americanos para amedrontar um agressor como a Rússia, que depois de anexar a Ucrânia poderia tranquilamente invadir os países bálticos ou a Finlândia, que em tempos fizeram parte do universo soviético. Outra coisa bem diferente é termos os Estados Unidos a apoiar e aliados de uma Rússia agressora. E esse apoio já está a ser feito, de forma evidente, com os encontros entre Trump e Putin, e mais sorrateiramente, com os apoios de Elon Musk a várias organizações políticas de extrema-direita que estão alinhadas com esta visão do mundo imperialista e totalitária.
Que se esperavam tempos difíceis para a Europa já todos tinham adivinhado aquando da vitória de Trump. O que ninguém esperava é que tudo isto escalasse tão rápido e de forma tão drástica.
A Europa teve ontem, com aquela conversa, duas certezas: primeiro, que a paz só é possível se nos prepararmos para a guerra e, segundo, que é hoje absolutamente fundamental que os democratas, os moderados, os humanistas, os não-extremistas se unam numa mesma causa, a nossa causa, a causa dos valores em que acreditamos e sob os quais queremos viver.
A História ensina-nos que a Democracia não é um dado adquirido em nenhum momento. É apenas uma forma de governo político que, olhando para os tempos passados, tem um tempo de implantação absolutamente irrisória quando comparada com outros regimes, como as ditaduras, as autocracias, as teocracias, o czarismo ou as várias monarquias. A democracia será, até, "o pior de todos os sistemas, com exceção de todos os outros", como um dia disse Winston Churchill. Mas é aquele em que os crentes nas sociedades ocidentais querem viver. E acreditam. Ou acreditavam, pelo menos.
Terá de ser (novamente) a História a ensinar-nos novamente e a fazer-nos pagar pelos nossos erros? Pagaremos nós, os nossos filhos, provavelmente netos, porque há erros que não se corrigem em meia-dúzia de anos. Serão precisos mais holocaustos, gulags e mortes aos milhões para que se entendam e assumam esses erros? No meio disto tudo há uma boa notícia: Putin tem 72 anos, Trump 78. O que eles podem causar no mundo não será certamente algo que terá consequências para as suas já curtas vidas. Seremos nós e os nossos filhos a pagar por isso. A alternativa: agir. Mostrar os dentes. Defender os nossos ideais e valores, sem subserviência. Usar a nossa arma, o voto, para escolher quem tenha a coragem, como Zelensky, de lutar por nós. Mas também aí a Europa está a perder força. Uma coisa é certa: isto não vai lá com propostas de soluções fáceis, como propõe os populistas à esquerda e à direita. Só vai lá com gente de coragem, de qualidade, disposta a tudo para defender a nossa cultura democrática e humana. E, deixemo-nos de lirismos, vai lá com armas. Armas que garantam que não existe uma guerra. Porque também a História já nos ensinou isso. A única coisa que manteve o equilíbrio no mundo durante os 40 anos de Guerra Fria não foi a diplomacia, foi a existência de armas de destruição massiva. Os autocratas só entendem a linguagem do medo, e nós, europeus, só metemos medo a alguém se tivermos armas para nos defendermos. Uma vez mais, quando a ameaça vem de autocratas, a paz constrói-se pela dissuasão. E só se dissuade um autocrata mostrando-lhe os dentes, as armas, não é com palavras.