Atenção: este texto contém spoilers sobre a série da HBO Max "The Last of Us".
Não comecei a ver "The Last of Us" assim que saiu porque tenho (ou tinha) um enorme preconceito em relação a videojogos. Nunca percebi muito bem a utilidade de passar horas a fio a dar tiros ou a construir cenas e a minha experiência mais próxima com essa realidade aconteceu ainda durante a adolescência, quando ia para casa da minha vizinha jogar Sega Mega Drive e afogar o Sonic ou quando o meu primo me deixava jogar Doom no computador dele.
Quando a agitação em torno da série começou, limitei-me a rebolar os olhos e a pensar: "ó não, mais uma cena para deixar os geeks excitadinhos!". Mais uma vez, puro preconceito e estupidez da minha parte. Depois, comecei a ler muitos, mas mesmo muitos artigos sobre a série, análises de pessoas cuja opinião respeito, como Nuno Markl, a elogiarem a adaptação televisiva do videojogo de 2013 criado por Neil Druckmann.
E decidi que tinha de, pelo menos, ver um episódio. As narrativas pós apocalípticas, em especial as com zombies e afins, nunca me fascinaram particularmente e o primeiro episódio de "The Last of Us" parecia encaminhar-se para uma nova versão de "The Walking Dead". E isso deixou-me de pé atrás, mas não o suficiente para não continuar. Ao segundo episódio, a série da HBO Max foge por completo dessa linha e vai mostrando lentamente aquilo que é: uma história de amor com todas as dimensões maravilhosas, aterradoras e cruéis que o amor pode encerrar.
O sétimo episódio de "The Last of Us" está disponível desde segunda-feira, 27 de fevereiro e, no espaço de menos de um mês, posso afirmar com alguma segurança que estou "ligeiramente" obcecada com a série. Não só com Pedro Pascal, o ator que dá vida a Joel e que é consensualmente apelidado de "daddy da internet" (admito, tenho um crush), mas também com Bella Ramsey, que dá vida a Ellie, e com todo o universo "The Last of Us".
Após cada episódio oiço o podcast, onde Craig Mazzin e Neil Druckmann, criadores da série, explicam ao detalhe a história, a banda sonora, as semelhanças com a história do jogo e as alterações que fizeram, as personagens que acrescentaram, os dilemas que encontraram para resolver questões geográficas ou mesmo de logística.
Dei por mim a ir ao Youtube ver vídeos sobre cordyceps, o género de fungo que, na história de "The Last of Us", sofre uma mutação, alterando para sempre a história da Humanidade. Não sigam o meu exemplo, a não ser que queiram ter pesadelos com formigas trucidadas por braços vegetais.
Mas o momento de viragem aconteceu quando, num final de tarde insuspeito, me pus a ver o terceiro episódio. E esta é a recomendação que faço a toda a gente (em particular a pessoas que não têm qualquer ligação ao mundo dos videojogos ou não gostam do subgénero thriller pós apocalíptico): vejam só o terceiro episódio. Além de ser uma narrativa isolada, que se compreende mesmo não tendo visto os episódios anteriores, é provavelmente do que de melhor se fez em televisão nos últimos anos. Vou atirar-me para fora de pé e dizer que é o mais belo episódio de uma série da era do streaming (contradigam-me, vá, tenho argumentos).
Num mundo em que as relações interpessoais foram para sempre dilaceradas por uma pandemia (o trauma coletivo da COVID-19 ajuda, em particular neste episódio, a sentirmos empatia pelos protagonistas), um amor improvável acontece. É um amor entre dois homens, mas podia ser entre duas mulheres, ou entre um homem e uma mulher. É indiferente. O que é belo, e esperançoso, e também cruel, é a forma como a história deste amor está contada, como nasce, uma inevitabilidade, como acaba, também de forma tão bonita e tão triste. Bill (Nick Offerman) e Frank (Murray Bartlett), os protagonistas desta relação, são o par romântico que precisávamos de conhecer em 2023, num mundo em guerra e pós-pandémico.
Tive de colocar o episódio em pausa, tais eram as lágrimas e os soluços, com medo que os vizinhos achassem que eu estava a ter uma crise qualquer. E não, não estou a exagerar nem estava especialmente frágil naquele dia. É mesmo o efeito "The Last of Us".
Joel (Pedro Pascal) é um homem sem esperança porque a sua razão de viver, a filha, morreu na noite do início da pandemia. Ellie (Bella Ramsey) é uma órfã que esconde um segredo que poderá salvar a Humanidade. Encontram-se por acaso mas vão, ainda que contrariados, ter de seguir viagem juntos. E, aos poucos, cresce entre os dois uma ligação improvável, mas também a ligação mais visceral que nós, humanos, podemos sentir: o amor de um pai por um filho.
Ao longo da primeira temporada, as relações humanas, as ligações que criamos uns com os outros para sobrevivermos, estão sempre presentes, seja a dos irmãos Sam (Lamar Johnson) e Henry (Keivonn Woodard), no quinto episódio, seja a amizade / amor de Ellie e Riley (Storm Reid), no sétimo episódio, ou até mesmo a relação turbulenta que o próprio Joel tem com o irmão, Tommy (Diego de Luna).
Qualquer que seja a nossa idade, a do telespectador, é inevitável sentirmo-nos no lugar daquelas personagens, seja pelas nossas próprias perdas ou fragilidades, seja pela vontade que temos em vê-los protegidos, seja da FEDRA (Federal Disaster Response Agency, autoridade militar que controla o país desde o início da pandemia), seja dos infetados (que vão desde os simples runners, humanos infetados há poucas horas, até aos horripilantes bloaters, que sobreviveram vários anos à infecção e adquiriram força e tamanho monstruosos).
O nono (e último) episódio da primeira temporada de "The Last of Us" fica disponível na plataforma de streaming HBO Max a 13 de março. A série já foi renovada para uma segunda temporada.