1. A melhor semana para viver em Lisboa: além das pessoas que estavam a trabalhar na própria JMJ, em serviços de atendimento ao público, nos transportes públicos e na recolha do lixo, devo ter sido das poucas pessoas em Lisboa que arriscou ficar na cidade durante a semana da JMJ. Lugares de estacionamento em todo o lado, ausência total de trânsito a não ser nas zonas onde decorriam os eventos, supermercados e pastelarias com atendimento hiper simpático e acolhedor, restaurantes vazios porque os jovens, com os seus kits de alimentação à borla e orçamento frugal, ficaram-se pela fast food. E até os habituais turistas, que normalmente enchem a cidade (literalmente e de lixo, como se pode verificar num simples passeio pelo Chiado, Cais do Sodré, Santos, a um domingo de manhã), fugiram como o Diabo da Cruz da vinda do papa. Lisboa 2023 foi quase uma viagem a Lisboa 2009. Que paz. Vou ter saudades.

Vista do Parque Eduardo VII durante a JMJ
Vista do Parque Eduardo VII durante a JMJ créditos: Flickr JMJ

2. TV Vaticano em 7 canais: RTP1, RTP3, SIC, TVI, SIC Notícias, CNN Portugal, CMTV. Em alguns momentos da JMJ, tivemos sete canais – repito, 7 CANAIS – a transmitir a mesma coisa. A mesmíssima cerimónia, as mesmas imagens, a mesma transmissão de uma cerimónia religiosa. Nunca é demais referir que vivemos num Estado laico e que, apesar de a maioria da população portuguesa ser católica, o dever do jornalismo é informar. Não é ser pé de microfone de presidentes, ministros, padres, bispos, treinadores de futebol, estrelas de cinema. Vimos pouco questionamento, muito vox pop irrelevante, muitos jornalistas a repetirem ad nauseam um discurso que parecia saído de uma sessão de catequese para crianças. Vi pivôs que pareciam drogados com água benta, analistas e comentadores a tecer lugares comuns sobre temas que pouco dominam. Eu sei que era preciso encher horas e horas e horas e horas de diretos, e que ninguém queria ficar atrás da concorrência. Mas onde ficaram as reportagens com o outro lado da JMJ? O resto do País não existiu durante a semana da JMJ, como se, para não variar, Portugal fosse só Lisboa e o resto paisagem. Honrosa exceção para a CMTV que, entre acidentes, incêndios e futebol, lá foi equilibrando a sua programação e também destaque para a SIC Notícias, que conseguiu alguma sobriedade no meio de tanto delirium tremens de vinho litúrgico.

Papa Francisco durante visita a Lisboa
Papa Francisco durante visita a Lisboa créditos: Flickr JMJ

3. Carlos Moedas vai formoso e seguro para São Bento: Em 2014, a "Visão" descrevia o atual presidente da câmara municipal de Lisboa como "laico". Em 2016, assumia-se como "agnóstico convicto" e, em 2023, liderando a empreitada que foram as herdadas JMJ, vimo-lo a carregar a cruz, a rezar, a encabeçar cortejos e procissões, o acólito perfeito. Marcelo Rebelo de Sousa, espertalhuço como só ele, bem que se quis colar à popularidade de Moedas, mas Moedas tem o que Marcelo perdeu. Élan. Num campeonato que não é o dele, o das elites católicas (que as há e com muito poder em Portugal, como ficou patente por quem estava presente nos mais variados eventos onde o papa Francisco marcou presença), António Costa limitou-se a cumprir os mínimos olímpicos que o protocolo exigia a um primeiro-ministro. E bem fez, ciente de que manterá do seu lado católicos céticos, agnósticos, ateus e gente com medo do Diabo que há-de vir e nunca chega. Quanto a Carlos Moedas, a não ser que não queira, São Bento será dele. Sabe Deus quem lá chegará mas, em 2026, a coisa começa a desenhar-se para um confronto Moedas vs. Pedro Nuno Santos. E a JMJ ficará na história como uma obra do atual presidente da autarquia lisboeta. Não do governo, muito menos do anterior executivo autárquico, mas de Moedas.

Carlos Moedas e Marcelo Rebelo de Sousa durante a JMJ
Carlos Moedas e Marcelo Rebelo de Sousa durante a JMJ créditos: Flickr JMJ

4. Os maiores lá fora, poucochinho cá dentro: Nós, portugueses, somos obcecados com grandes eventos. Aqueles grandiosos eventos que achamos que vão projetar a grandiosa imagem do País lá fora, mas que só servem para elogiosos onanismos cá dentro. Estive atenta aos meios de comunicação internacionais e, ao contrário do que ouvi alguém dizer, de forma meio delirante, num canal qualquer, não vi a JMJ ser "abertura de noticiários um pouco por todo o mundo". Primeiro porque "todo o mundo" tem mais do que fazer e depois porque, a não ser que não estivesse a acontecer mais nada, dificilmente a visita do papa a Portugal teria honras de abertura num noticiário do Brasil, Canadá ou Austrália. Mas vamos acreditar que sim. Que gastar milhões em acontecimentos vai, de alguma forma, melhorar a nossa qualidade de vida. Vamos acreditar que Jornadas, Europeus, Eurovisões, e outras megalomanias tais vão ajudar a resolver os problemas do dia a dia dos portugueses. A projeção de Portugal no Mundo, essa frase batida, tresanda a saudosismo quinhentista, misturado com sebastianismo, com um toquezinho bafiento do tempo d'A Outra Senhora. É a nossa sina, acreditarmos que só existimos quando o mundo nos está a ver. E não, os outros não são assim. Já alguém ouviu um sueco dizer "eh pá, nós fizemos a maior Expo Almôndega de que há memória e foi um sucesso! Conseguimos!". E olhem que os suecos têm os ABBA.