A estreia do “Big Brother — A Tempestade” foi uma chatice. E se a gala de estreia — que costuma ser aquela que nos agarra mais — foi uma chatice como é que vão ser os próximos três meses de reality show? Não sei. Não sei e fiquei com zero vontade de ficar ligado na TVI para saber. E isso é o pior que pode acontecer a um programa que estreia.
O “Big Brother” sempre foi um formato assente em gente anónima, cidadãos comuns, que não se conhecem de lado algum, fechados numa casa, aborrecidos, sem nada para fazer e a conversar sobre nada de especial. E era isso que nos prendia. Ficávamos horas (ou largos minutos, vá) a olhar para um ecrã onde estavam umas pessoas a dormitar num sofá, a falar sobre o tempero do peixe, a apanhar sol no jardim, a dizer mal do outro concorrente que ressona ou a fazer a barba em frente ao espelho. Era isso que nós esperávamos e queríamos do “Big Brother”. Porque é o estarmos a ver a vida real — sem interferências externas — a acontecer à nossa frente que faz nascer a incerteza sobre o que vai acontecer depois. E a qualquer momento pode acontecer alguma coisa. E inevitavelmente acontece. Sempre aconteceu, em todas as edições, sem necessidade de os conflitos serem criados ou forçados pela produção. E nós estávamos lá, a espreitar pela fechadura do ecrã, e a ver tudo em direto. O simples facto de ser um jogo de expulsões e nomeações era mais do que suficiente para alimentar tensões, conflitos, guerras, jogos de poder, amizades, grupinhos, e era essa a essência do programa. Não era preciso mais nada. E nós gostávamos de ver isso.
Esta versão de “Big Brother — A Tempestade”, que estreou este domingo, 11 de setembro, quis ser muita coisa num programa só e acabou por ser muito pouco Big Brother e uma mão cheia de coisa alguma.
Em primeiro lugar, não estou bem a ver de que forma é que casais já formados podem trazer algo de muito interessante ao jogo. Logo à partida, mata-se um dos aspetos mais fascinantes do formato — o de ter pessoas solitárias que não conhecem ninguém a ter de sobreviver numa casa cheia de gente com personalidades muito diferentes, a ter de criar afinidades, grupos, a procurar escapes. Quando temos na mesma casa a nossa mulher ou marido, haverá sempre alguém com quem partilhar, desabafar, implicar, alguém que já nos conhece, a quem já estamos habituados, a quem poderemos recorrer em caso de algum problema ou dificuldade. É um conforto, num programa em que se procura o desconforto (muito mais emocional do que físico).
Depois, não consigo entender o que é que pessoas que já passaram por dois e três reality shows irão trazer de novo ao jogo, à casa, aos telespetadores. Sobretudo quando são concorrentes que entram numa fase da vida mais estável, com o tal conforto de terem um companheiro/a na casa. Quando fazemos coleções de cromos, esperamos sempre que nos saia um cromo novo, e não um repetido, por mais que o repetido seja o Cristiano Ronaldo e o cromo novo um defesa direito da seleção da Albânia que não conhecemos de lado algum.
Também mata o formato a preocupação excessiva em criar dinâmicas forçadas de jogo. A produção procura que a todo o momento o grupo esteja a fazer alguma coisa, asfixiando os participantes, e não lhes dando espaço/margem para aquilo que é mais interessante neste formato: ver a forma como eles se começam a relacionar, sobre aquilo que conversam, de quem se aproximam, que afinidades começam a criar, os tópicos de conversa que escolhem ter. É assim que nós, telespectadores, os vamos conhecendo, traçando as suas personalidades, é isso que nos faz começar a gostar de uns e a odiar outros. Mas se eles passarem o tempo todo a fazer de hipopótamos do Traga-Bolas, em vez de um Big Brother estamos a ver os Jogos Sem Fronteiras, e se eu quisesse ver os Jogos Sem Fronteiras, mudava para a RTP e via aquele programa da Filomena Cautela que estava a dar à mesma hora.
Percebe-se, por isto tudo, que os dois comentadores do formato tenham passado uma hora e tal de boca fechada, sem serem chamados ao programa. E quando foram não tinham nada de relevante para dizer. É que cabe aos comentadores analisar os jogadores, as dinâmicas do jogo, as personalidades, os conflitos, e na gala de ontem não tiveram nada de jeito para analisar, porque, também eles, estiveram mais a ver os Jogos Sem Fronteiras da Malveira do que o Big Brother.
Outra coisa sem pés nem cabeça: aquela coisa de passarem a ter uma voz feminina na locução, a “Biga”, como lhe chamou Cristina Ferreira. Mas aquilo foi o quê? Uma tentativa de afirmação feminista e um estabelecer de uma igualdade de oportunidades entre homens e mulheres? Se há um Big, voz de homem, também tem de haver uma Biga, voz de mulher. Foi isso? Não percebi. Só sei que tudo aquilo foi bizarro. Foi mexer naquele que era, provavelmente, o único aspeto do formato em que havia unanimidade: a Voz, ou o Big, eram o lado do humor inteligente, mordaz, sarcástico, que muitas vezes equilibrava a balança do jogo. Nada contra Ana Isabel Arroja e a sua fantástica voz, tudo contra o mudar o que estava muito bem, só porque sim. Se parecia uma boa ideia, não resultou, não funcionou. É fácil de resolver: é só assobiar-se para o ar, fingir que nunca aconteceu, e voltar ao original. Ainda vão bem a tempo e aposto os dois dedos mindinhos em como a TVI não vai receber cartas de protesto de organizações feministas a exigir o regresso da Biga.
Na sua essência, o Big Brother sempre funcionou, também, porque era um jogo que todos entendiam, desde o analfabeto até ao sotôr juiz. X pessoas fechadas numa casa durante uma semana. Num dos dias, todos nomeavam 3 ou 4, ao domingo as pessoas escolhiam quem queriam expulsar e o mais votado saía. Simples. Hoje, admito que já me perdi com todas as variações, surpresas, reviravoltas, que fazem com que seja quase impossível entender o jogo. Na gala desde domingo, houve gente que entrou sozinha e ia ficar sozinha, mas depois afinal já tinha par, houve pares que entraram juntos e depois foram separados, houve casais que não iam entrar e afinal entraram, houve casais que iam ser expulsos e afinal não foram. Uma confusão.
A velocidade em que vivemos nos dias de hoje, com um consumo frenético de vídeos de 10 segundos nas redes sociais, e em que queremos sempre mais e mais a cada segundo, contrasta de forma absoluta com a velocidade da essência do formato do Big Brother. Mas a televisão não são as redes sociais. O momento de consumo de TV, à noite, no sofá, ao final do dia, não tem de obedecer às regras do TikTok, tem, sim, de nos entreter de acordo com aquelas que são as nossas expectativas. E as nossas expectativas são, muitas vezes, estar a vegetar no sofá e a ver gente desinteressante a fazer coisas desinteressantes e a falar sobre temas desinteressantes. Porque isso até pode ser interessante.