Preciso de lavar o cabelo, penteá-lo e fazer um brushing (para os que não são tão conhecedores de termos capilares, é uma técnica que recorre ao secador e escova para estilizar o cabelo). Preciso, neste momento, disso. Preciso de um pouco de futilidade na minha vida para me sentir decente.
Enquanto escrevo estas linhas vejo a reportagem sobre o massacre em Lunda Norte. O absurdo horripilante de corpos, homens ainda vivos, contorcendo-se no chão. Um polícia pontapeia a cabeça de um moribundo. Depois, o julgamento de Alexei Navalny, o herói russo condenado por afrontar o regime de Putin.
No meio disto tudo, e da torrente imparável de notícias sobre a pandemia, o meu desejo fútil é poder ter tempo para me pentear e arranjar decentemente. Ter tempo para me olhar ao espelho e não me assustar. Ter tempo para pegar numa pinça e dar um ar ligeiramente menos assustador às sobrancelhas que, por esta altura, parecem ter vida própria e estar prestes a reclamar independência.
Quero acreditar que, por esse País fora, há muita gente a sentir-se tão exausta, miserável e mesquinha como eu. Acredito que, por detrás da solidariedade, das boas intenções e da preocupação com familiares, amigos e o mundo em geral, há muito boa gente que, tal como eu, dava (quase) tudo por duas horas em silêncio, com direito a banho de imersão com espuma, corta unhas, pinça, gilette, pente e, por fim, o tão desejado brushing.
Em março de 2020, delirei com a ideia de passar semanas a fio de calças de fato de treino. Sim, calças de fato de treino. Nasci nos anos 80, é assim que se chamavam na altura, é assim que vou continuar a apelidá-las. Não há cá loungewear nem eufemismos similares. E passei, efetivamente, meses a fio de fato de treino.
Agora, quase um ano depois, só me apetece queimá-las. Só me apetece pegar nas sweatshirts, nas leggings, nas pantufas, nas meias fofinhas, nos elásticos foleiros, nos roupões polares, nos pijamas já todos coçados e fazer uma fogueira épica com esta farrapada toda. Para imolar (metaforicamente) o bicho. Para purificar pelo fogo a imundície na qual estamos mergulhados há quase um ano.
E pronto, hoje é muito isto. Amanhã logo se vê.