A minha melhor amiga tem guardado no telemóvel um vídeo meu, gravado poucos segundos depois de Salvador Sobral ter ganhado a Eurovisão. Fosse esse vídeo público, seria provavelmente das coisas mais ridículas e constrangedoras a que assistiriam durante uns bons tempos.
Vou poupar-vos a visão de uma mulher adulta, de 34 anos, agarrada ao telefone, a chorar compulsivamente, aos soluços, a gritar "mãe, ganhámos!" e opto por vos explicar esta minha paixão pelo Festival da Canção (FC) e, em especial, pela Eurovisão que — tenho de admitir — por vezes roça o patético e o irracional.
A Eurovisão está para mim como a Champions está para os fanáticos de futebol, se a Champions fosse uma grande festa LGBTQ+, com bailarinos, eurodance de gosto questionável, muitos agudos, fatos malucos, cabelos a esvoaçar com a ajuda de super ventoinhas e efeitos especiais dignos de um blockbuster de Hollywood. A sério. Vejam a atuação do Azerbaijão em 2019. Robôs e um gigante coração virtual? De fazer corar de vergonha qualquer espectáculo do intervalo da Super Bowl.
Mas esta loucura começou muito antes, no tempo das cassetes (as áudio e as VHS). Corria o ano de 1993 e Anabela ganhava o Festival da Canção com "A Cidade (Até Ser Dia)". Em Millstreet, Irlanda, subia ao palco com aquele que é, na minha mente de criança, o vestido mais lindo que vi até hoje. Eu queria aquele vestido. Eu queria um cabelo igual ao da Anabela (e tive, a franja ficava-me mal).
Acima de tudo, queria ver de perto um palco moderno e cheio de luzes como aquele, fazer parte daquele espetáculo majestoso, onde tanta gente que falava línguas tão diferentes, que eu não entendia, cantava, representando as cores das suas bandeiras.
Foi preciso esperar 25 anos por esse momento. Foi preciso esperar uma vida para, no final de abril de 2018, credencial de jornalista ao peito, concretizar um sonho triplo: viver uma Eurovisão ao vivo, no meu País e como jornalista. Isto pode parecer patético e até dar a entender que a minha vida é bastante deprimente, mas naquele dia, quando me sentei numa gigantesca sala de imprensa como eu nunca tinha visto, e olhei à minha volta, senti-me estupidamente, irremediavelmente, orgulhosamente feliz.
Comecei a escrever, como jornalista, sobre o Festival da Canção no início da década de 2010, numa altura em que o certame andava pelas ruas da amargura e era olhado como uma coisa do passado. Teimosamente, na extinta "Notícias TV", chateava a cabeça ao meu diretor, todos os anos: "Temos de fazer alguma coisa do Festival!", "temos de fazer alguma coisa da Eurovisão!". E era gozada, porque TODA A GENTE sabia que Portugal NUNCA ia ganhar a Eurovisão.
Lembro-me de uma reportagem absolutamente alucinante, para a qual falei com fãs da Eurovisão de todo o mundo, desde o Brasil à Austrália, da África do Sul aos Estados Unidos.
Muita gente acha estranho que, na Eurovisão, participem países que não pertencem à Europa, como Israel, Marrocos, Arménia e, mais recentemente, a Austrália. A Eurovisão é, não um evento europeu, mas sim uma iniciativa da União Europeia de Radiodifusão, uma associação de serviços públicos de rádio e televisão, com 116 membros espalhados por 56 países (nem todos europeus).
Este festival de música surgiu em 1956, num período pós II Guerra Mundial. O objetivo era criar um evento televisivo internacional em direto, que servisse como momento de união dos vários países a concurso. E é este objetivo inicial (sobre o qual li muito mais tarde) que me fez tornar definitivamente uma fã incondicional do formato. Há uma utopia muito bela, muito verdadeira, na crença de que, pelo menos durante uma noite, durante três horas, há um mundo inteiro sentado no sofá, agarrado à TV ou à net, a desfrutar de um programa de televisão alucinante, cheio de cor e alegria, a torcer por coisas que parecem tão fora de moda como uma bandeira, um país.
É uma ideia muito bonita esta de, num mundo tão dividido, tão cheio de ódio, haver um evento televisivo visto por centenas de milhões de pessoas, um pouco por todo o Mundo, que não celebra a disputa, mas sim a paz. Que não divide, mas une. Porque é isso que a música (mesmo que seja pirosa e não aclamada pela crítica), ao fim do dia, faz.
Após ter vencido a Eurovisão, em 2017, em Kiev, Salvador Sobral disse que a música "era sentimento e não fogo de artifício". Discordo. A música é isso e muito mais.
Esta noite é a final do Festival da Canção. Que ganhe a melhor.